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Mundo

Mulheres podem ficar à margem das mudanças em curso no Egito

8 mar 2011 - 10h04
(atualizado às 10h54)
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As mulheres correm novamente o risco de serem marginalizadas e de não poderem participar da construção de um novo Egito, após as revoltas que acabaram com décadas de ditadura, advertiu a Anistia Internacional (AI). Por causa do Dia Internacional da Mulher, a diretora geral do Programa de Direito Internacional e Política da AI, Widney Brown, escreveu um artigo de opinião no qual alerta que "por incrível que pareça (...), se está negando às mulheres um papel na criação de um novo Egito".

"As mulheres são excluídas tanto pelo governo provisório como pela comunidade internacional. O novo comitê nacional criado recentemente para redigir a nova Constituição egípcia é integrado só por homens. Isto não é aceitável", diz Brown. Para Brown, este comportamento "delata um sentido do paternalismo que bem conhecem as mulheres egípcias, que passaram décadas vivendo sob um governo opressor respaldado por Estados que supostamente respeitam os direitos".

O responsável da AI ressalta que todos os governos "devem comprometer-se com o respeito da igualdade da mulher, na lei e na prática" e adverte que "as mulheres só terão essa igualdade se participarem ativamente em todas as negociações e decisões tomadas neste período de transição". "Para que a promessa de mudança se transforme na realidade no Egito e em todos os demais países da região - e do mundo -, devem sentar-se à mesa mulheres de diversas procedências e tendências políticas como sócias de pleno direito", argumenta Brown.

Nas revoltas dos últimos meses no mundo árabe, lembra, "as mulheres estavam junto aos homens, exigindo o fim da repressão política e reivindicando uma reforma radical". "Tanto as mulheres como os homens sofreram sob estes governos repressivos, mas as mulheres tiveram que padecer, além disso, leis discriminatórias e uma desigualdade de gênero profundamente arraigada", assinala a diretora geral da AI.

Brown é crítica com os governos ocidentais que "só parecem apoiar os direitos da mulher quando lhes convém" e denuncia que "estes direitos se utilizam frequentemente como trunfo nas negociações, na luta pelo controle da agenda internacional". "Quando as negociações com os talibãs parecem uma boa medida, de repente os direitos da mulher deixam de importar tanto. Quando necessitam ao Paquistão como aliado, aceitam que o governo paquistanês dê autonomia a regiões do país onde o sistema legal paralelo trata com total injustiça às mulheres", diz.

"E no Iraque - afirma - fazem alianças com milícias que em seus momentos livres atacam e matam a ativistas dos direitos da mulher". Brown lembra que há 100 anos mais de um milhão de pessoas se manifestaram nas ruas da Europa no primeiro Dia Internacional da Mulher, para pedir o fim da discriminação e que as mulheres tivessem os mesmos direitos que os homens.

"Cem anos depois, a realidade é que as mulheres seguem tendo muito mais probabilidades de serem pobre", explica. "Têm mais probabilidades de serem analfabetas. Ganham só 10% da renda mundial, mas realizam dois terços do trabalho mundial. Produzem até 80% dos alimentos nos países em desenvolvimento, mas só são proprietárias de 1% da terra", diz. "As mulheres da Arábia Saudita, Chechênia e o Irã sofrem assédio se não cumprirem os códigos indumentários religiosos conservadores. Na Bélgica, França e algumas partes da Espanha, as mulheres muçulmanas que assim cumprirem, infringem agora a lei", indica.

Além disso, as mulheres que lutam pela mudança "costumam deparar com o escárnio, os abusos ou algo pior". "Em lugares como a Rússia, Filipinas, México e Nepal, se assassinou ativistas por falar em voz alta. Na China, Bangladesh, Índia, Zimbábue e muitos outros países, as mulheres são detidas e sofrem tortura habitualmente", enumera a especialista da AI.

Mundo árabe em convulsão

A onda de protestos que desbancou em poucas semanas os longevos governos da Tunísia e do Egito segue se irradiando por diversos Estados do mundo árabe. Depois da queda do tunisiano Ben Alie do egípcio Hosni Mubarak, os protestos mantêm-se quase que diariamente e começam a delinear um momento histórico para a região. Há elementos comuns em todos os conflitos: em maior ou menor medida, a insatisfação com a situação político-econômica e o clamor por liberdade e democracia; no entanto, a onda contestatória vai, aos poucos, ganhando contornos próprios em cada país e ressaltando suas diferenças políticas, culturais e sociais.

No norte da África, a Argélia vive - desde o começo do ano - protestos contra o presidente Abdelaziz Bouteflika, que ocupa o cargo desde que venceu as eleições, pela primeira vez, em 1999; mais recentemente, a população do Marrocos também aderiu aos protestos, questionando o reinado de Mohammed VI. A onda também chegou à península arábica: na Jordânia, foi rápida a erupção de protestos contra o rei Abdullah, no posto desde 1999; já ao sul da península, massas têm saído às ruas para pedir mudanças no Iêmen, presidido por Ali Abdullah Saleh desde 1978, bem como em Omã, no qual o sultão Al Said reina desde 1970.

Além destes, os protestos vêm sendo particularmente intensos em dois países. Na Líbia, país fortemente controlado pelo revolucionário líder Muammar Kadafi, a população vem entrando em sangrento confronto com as forças de segurança, já deixando um saldo de centenas de mortos. Em meio ao crescimento dos protestos em diversas capitaos, Kadafi foi à TV estatal no dia 22 de fevereiro para xingar e ameaçar de morte os opositores, que desafiam seu governo já controlam partes do país. Na península arábica, o pequeno reino do Bahrein - estratégico aliado dos Estados Unidos - vem sendo contestado pela população, que quer mudanças no governo do rei Hamad Bin Isa Al Khalifa, no poder desde 1999.

Além destes países árabes, um foco latente de tensão é a república islâmica do Irã. O país persa (não árabe, embora falante desta língua) é o protagonista contemporâneo da tensão entre Islã/Ocidente e também tem registrado protestos populares que contestam a presidência de Mahmoud Ahmadinejad, no cargo desde 2005. Enquanto isso, a Tunísia e o Egito vivem os lento e trabalhoso processo pós-revolucionário, no qual novos governos vão sendo formados para tentar dar resposta aos anseios da população.

EFE   
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