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Mundo

Programas sociais são trunfo de Chávez na disputa eleitoral

6 out 2012 - 10h19
(atualizado em 12/4/2013 às 15h57)
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Daniel Cassol
Direto de Caracas

Entre as estações Bellas Artes e Parque Central do metrô de Caracas, operários trabalham na construção de pelo menos três conjuntos habitacionais da "Gran Misión Vivienda", programa do governo venezuelano inspirado no brasileiro "Minha Casa, Minha Vida" que deu novo impulso à popularidade de Hugo Chávez. Um quarto prédio já está pronto e é habitado por 56 famílias, que deixaram a periferia da capital e áreas rurais do entorno para viver em um bairro de classe média.

onjuntos habitacionais do Gran Mision Vivienda são um dos grandes trunfos de Chávez na disputa eleitoral
onjuntos habitacionais do Gran Mision Vivienda são um dos grandes trunfos de Chávez na disputa eleitoral
Foto: Daniel Cassol / Especial para Terra

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"Nunca em minha vida pensei em viver em uma região tão central", diz a dona de casa Mildre Castellano, que deixou o trabalho como comerciária para cuidar de uma das duas filhas, que está doente. Militante do PSUV, partido de Chávez, Mildre é a porta-voz do condomínio. O apartamento de 50 m², mobiliado, com dois quartos, banheiro e cozinha americana, representa não apenas a realização de um sonho particular da família, mas a concretização de um projeto de mudanças na Venezuela no qual ela vota desde 1998, quando tinha 22 anos. "Sempre votei em Chávez", afirma.

A missão bolivariana voltada para a habitação popular começou a ser implantada depois de fortes chuvas que desalojaram milhares de venezuelanos em 2010. A família de Mildre perdeu a casa e, com ajuda de um conselho comunal, associação comunitária cuja participação no governo é prevista na Constituição, foi abrigada em um colégio e, em setembro do ano passado, em um apartamento no Parque Central. "Fomos tratados como reis", lembra.

Chávez, para Mildre, fez o que nenhum outro presidente havia feito no país: preocupar-se com os pobres. Ela faz questão de deixar claro que o apartamento foi a primeira ajuda que recebeu do governo por quem vai votar mais uma vez neste domingo. "Não tenho nada contra Henrique Capriles, mas estou com meu presidente", afirma. No prédio, ela diz que apenas duas famílias devem votar no candidato da oposição, mas mostra uma capa do jornal chavista

Ciudad Caracas

, que estampa uma foto do comício de Chávez: "A menos que tenham mudado de opinião com o que aconteceu na quinta-feira".

"Chávez se deu conta dos pobres"

O "Gran Mision Vivienda" é um dos grandes trunfos de Chávez na disputa eleitoral. Além de movimentar a economia do país, o governo ampliou as políticas sociais - já teria entregado 215 mil moradias de uma meta de 350 mil até o fim do ano. Os beneficiários dos programas sociais do governo Chávez representam o voto duro no chavismo, baseado em ganhos concretos e na percepção de que hoje há preocupação com os pobres na Venezuela.

Moradores do mesmo prédio de Mildre, o casal Nicolau Bolívar, 83 anos, e Agueda Prieto, 73, lembram: "No tempo da Copei e da Ação Democrática partidos tradicionais, de oposição a Chávez, não conseguíamos nada. Os políticos apareciam só nas eleições, oferecendo alguma coisa em troca de voto", diz Agueda, que também perdeu a casa e recebeu o apartamento na capital.

Ouvida pelo marido, Agueda começa a desfiar as mudanças que ela, experiente, viu no governo Chávez: as pessoas já não passam fome, as escolas dão até sapatos para as crianças estudarem. Perguntada sobre qual é a diferença entre a Venezuela de hoje e a que conhecia, não tarda a responder: "A diferença é que Chávez se deu conta dos pobres".

"Voto chavista é comprado"

No conjunto habitacional do Parque Central, os moradores têm certeza da vitória de Hugo Chávez na eleição deste domingo. No bairro de classe alta Los Palos Grandes, do outro lado da cidade, o proprietário de um bar e de um restaurante contíguos está seguro da vitória de Henrique Capriles. "Na segunda, vamos estar brindando com champanhe aqui", diz.

O comício de Capriles realizado no último domingo é a prova de que a oposição vencerá a eleição, avalia o empresário. Ele destaca a participação espontânea da população, enquanto o comício chavista teria sido inchado com funcionários públicos, ônibus vindos do interior pagos pelo governo e manifestantes comprados - cada um teria recebido mil bolívares para participar do último ato da campanha chavista, denuncia.

"O voto chavista é um voto de gente que não tem educação. É o voto comprado. Eles recebem salário para não fazer nada", ataca o empresário, criticando as políticas de transferência de renda criadas por Hugo Chávez.

Em uma mesa de seu café, que funciona como ponto de encontro de correspondentes internacionais, vai fazendo críticas e denúncias contra Chávez, enquanto dá ordens aos funcionários que passam de um lado para outro. Chávez, afirma, comandaria um governo corrupto que gerou uma "boliburguesia", como chama os militantes políticos que teriam enriquecido nos últimos anos. "Há mais donos de jets particulares do que nunca", afirma. Para o empresário, que prefere não dizer o nome, Chávez persegue a iniciativa privada, faz negócios escusos com países como o Irã e cria uma divisão entre ricos e pobres que antes não havia no país.

A violência na Venezuela é atribuída diretamente ao governo Chávez e apontada como a principal chaga do país. Mesmo uma iniciativa que considera positiva, a assistência médica à população pobre, tem seu lado negativo. "Há 48 mil médicos cubanos fazendo doutrinação política na população venezuelana", afirma. Para o empresário, o Brasil tem um pouco de culpa pela situação. Ao facilitar a entrada de grandes empresas brasileiras, principalmente no ramo da construção, "Lula se prestou ao jogo de Chávez".

Eleição disputada

Exemplos opostos de eleitores venezuelanos, chavistas e anti-chavistas por convicção, mostram um país dividido para a eleição presidencial deste domingo, uma das mais disputadas dos últimos anos. Eleito pela primeira vez em 1998, Hugo Chávez tenta completar seu projeto de permanecer 20 anos no comando do país, enquanto é desafiado pelo governador do Estado de Miranda, Henrique Capriles, filho de uma rica família venezuelana e em torno do qual se reuniram vários partidos de oposição.

A polarização política na Venezuela foi demonstrada na última semana, com os comícios de encerramento das duas campanhas. No último domingo, Capriles conseguiu encher a avenida Bolívar, tradicional palco de manifestações de Caracas, feito que surgiu como grande novidade na eleição. Na quinta-feira, os chavistas responderam com uma marcha que encheu a avenida Bolívar e outras seis avenidas centrais da capital.

Apesar da clara divisão entre o eleitorado, são os indecisos que podem definir a disputa deste domingo. Durante a campanha, Capriles prometeu manter programas sociais de sucesso no governo Chávez, a fim de conquistar o voto de eleitores não necessariamente chavistas, mas que apoiam as mudanças na Venezuela. Por outro lado, Chávez reconheceu erros como a falta de continuidade em projetos e obras, e prometeu dar início a um novo governo no dia seguinte à eleição, a fim de conquistar votos de eleitores descontentes mas não necessariamente opositores ao chavismo. Chávez vem afirmando que mesmo os ricos devem votar pela reeleição, porque sua permanência seria garantia de estabilidade e desenvolvimento, além de prometer liderar um processo de reconciliação com a oposição. Capriles, por outro lado, tem declarado que não vai desencadear perseguições contra chavistas no governo, caso seja eleito.

Estima-se que o resultado nas urnas seja apertado, apesar da dificuldade em dar credibilidade às pesquisas eleitorais na Venezuela. Tanto Chávez quanto Capriles já foram a público apontar fraudes nos levantamentos que davam a vitória ao adversário.

A votação na Venezuela começa às 6h deste domingo (8h30 no horário de Brasília) e vai até às 18h, sendo que os centros de votação só fecham quando não houver mais eleitores nas filas. O resultado deve ser divulgado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) entre a noite de domingo e a madrugada de segunda-feira.

Democracia

Para o sociólogo brasileiro Felippe Ramos, que trabalha na Venezuela como pesquisador da missão do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), o comportamento eleitoral dos venezuelanos é mais complexo do que se supõe. Em 1998, diz Ramos, Chávez foi eleito com forte apoio da classe média e de setores intelectualizados, pondo fim à alternância entre Ação Democrática e Copei. A tentativa de golpe de Estado e a greve petroleira em 2002 fizeram com que o governo redefinisse a agenda política para os setores populares, em detrimento da classe média e do empresariado.

"Por isso, nas eleições de 2006 seu eleitorado já é composto de forma mais nítida pelos setores mais populares", afirma Ramos. De acordo com o sociólogo, a participação dos eleitores aumentou significativamente - a abstenção, de 44% nas primeiras eleições de Chávez, caiu para 25% em 2006. "Depois de lutar contra os setores golpistas, reordenar o país, recuperar o crescimento, distribuir renda e aplicar fortes programas sociais, o presidente era visto, naquele momento, como herói por boa parte da população", avalia.

Conflitos políticos internos e problemas na economia fizeram com que Chávez tenha perdido apoio entre a classe média nos últimos anos. O resultado é uma eleição polarizada em 2012. "A composição da base de apoio é reafirmada pela composição das marchas de encerramento dos candidatos: classes médias e altas na de Capriles, classes populares na de Chávez", explica Ramos. O pesquisador lembra que a oposição conseguiu avançar sobre as classes populares e ainda controla Estados importantes da Venezuela. "Devido ao dinâmico comportamento eleitoral venezuelano e à existência de uma oposição que volta a se articular e fortalecer, se pode fazer muitas críticas sobre a Venezuela de Chávez, mas é impossível negar o desenho institucional democrático do regime", finaliza.

Fonte: Especial para Terra
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