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No País da miscigenação, 9% dos candidatos são pretos

Para pesquisador doutorando da Unicamp, pequena participação de negros nas eleições evidencia que o racismo ainda não é tratado como deveria: um problema estrutural do Brasil

26 set 2014 - 11h07
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Pergunta rápida: você acha que existem mais políticos de qual cor no País? Se ficou na dúvida (o que é improvável), basta pegar qualquer imagem do Congresso Nacional para analisar. Com certeza você vai se deparar com uma multidão de homens brancos trabalhando (ou não trabalhando, mas isso é outra história). Esse cenário, que já era imaginado, agora pode ser comprovado oficialmente.

No evento, foram relembrados momentos significativos relacionados aos direitos dos negros, como a posse do primeiro presidente negro do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa
No evento, foram relembrados momentos significativos relacionados aos direitos dos negros, como a posse do primeiro presidente negro do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa
Foto: Agência Brasil

No processo eleitoral de 2014, o Tribunal Superior Eleitoral incluiu pela primeira vez o quesito “raça” nos registros de candidaturas. Isso quer dizer que, além de dar informações sobre escolaridade e profissão, por exemplo, todos os candidatos tiveram que dizer qual a cor de suas peles na hora do cadastro no TSE. De um total de 26.151, 14.370 (54,95%) se declararam brancos, 9.154 (35%) se declararam pardos, 2.421 (9,26%) se declararam pretos, 120 (0,46%) se declararam amarelos e 86 (0,33%) se declararam indígenas.

“Não existe democracia racial. Isso é mentira. É difícil para um negro assumir qualquer espaço de poder no Brasil. Nas universidades públicas paulistas, menos de 7% dos alunos são negros. A cada 10 pessoas assassinadas pela Polícia Militar em São Paulo, 7 são negras. Nas prisões, 70% dos detidos são negros. Nossa sociedade guarda um intrínseco aparelhamento da escravidão. Esses dados das eleições mostram isso. Assim como os outros segmentos, a política também é historicamente ocupada pela elite branca”, disse o pesquisador Sérgio Henrique Teixeira, doutorando do departamento de Geografia da Unicamp e integrante do coletivo Raízes da Liberdade.

“Sem falar que a maioria dos negros vive em zonas periféricas das cidades, onde as relações antigas de coronelismo atuam com mais força. Eles servem como intermediários, são tratados como curral de candidaturas (...). Onde o negro está na política? Segurando bandeira de um candidato da elite na rua, embaixo do sol, para ganhar 30 reais”, completou.

Para tentar mascarar essa realidade, muitos alegam que os dados do TSE refletem a formação da sociedade brasileira. A ideia, por sinal, parece ser comprovada pelos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013, divulgada neste mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo ela, 46,2% dos brasileiros são brancos, 45% são pardos, 7,9% são pretos e apenas 0,8% são indígenas e amarelos. Seríamos, então, majoritariamente brancos, o que justificaria o alto número de brancos na política. Para o analista, porém, não é bem assim.

“A sociedade brasileira não é majoritariamente branca. Isso é um erro conceitual. O IBGE, nessas pesquisas, usa ‘preto’ e ‘pardo’ como raças diferentes, mas todos eles juntos podem ser considerados ‘negros’. Por isso, o número de negros [45% mais 7,9%, o que equivale a 52,9%] é, sim, maior que o de brancos. E esse número deve ser ainda maior, porque muitos negros não se declaram negros. É difícil se identificar com o oprimido, as pessoas tendem a se identificar com o opressor. Os políticos, principalmente, querem se aproximar do símbolo de poder da sociedade, que é o homem branco heterossexual. Se assumir negro não traz prestígio”, explicou.

Disputa presidencial

Entre os onze candidatos à presidência nas eleições de 2014, apenas uma, Marina Silva (PSB), se declarou negra. É de se imaginar, então, que os movimentos negros se identifiquem mais com sua candidatura, certo? Não necessariamente.

“A Marina Silva foi a única presidenciável que se declarou negra, mas ela não faz nenhuma reivindicação da nossa pauta. Isso não traz votos a ela. Quem financia as grandes candidaturas são os empresários. Outros candidatos brancos de partidos minoritários se identificam muito mais com nossa pauta que ela. É como os Estados Unidos. Não bastou o Obama ser negro. Nas prisões norte-americanas, 80% dos encarcerados são negros e, para diminuir suas penas, eles trabalham em minas de carvão. Ou seja, trabalho escravo em um país que tem um presidente negro”, contou Sérgio.

Racismo no futebol e na TV

Breve histórico recente do racismo no futebol: em fevereiro deste ano, torcedores do Real Garcilaso imitaram sons de macacos quando o jogador Tinga, do Cruzeiro, pegou na bola em jogo realizado no Peru. Em março, integrantes da torcida do Villarreal atiraram uma banana em direção ao brasileiro Daniel Alves durante uma partida do Barcelona na Espanha. Em agosto, gremistas chamaram o goleiro Aranha, do Santos, também de 'macaco' no Rio Grande do Sul. 

“Nesse ano, começaram a explodir essas questões raciais no esporte. Claro que nesses casos o racismo está evidenciado, mas está ainda mais nas questões estruturais – e delas ninguém fala. O Neymar e o Luciano Huck mostraram indignação com a casca de banana no estádio, mas ninguém se indigna com o fato de as universidades terem menos de 7% de estudantes negros. Pensar sobre isso é mais difícil”, disse.

Questão de gênero

Como esta foi a primeira vez que “cor/raça” apareceu em estatísticas oficiais, não há como saber se a diferença tem aumentado ou diminuído com o passar dos anos. Mas em relação ao sexo essa comparação pode ser feita. Em 2010, de 22.538 candidatos, 17.482 (77,567%) eram homens e 5.056 (22,433%) eram mulheres. Atualmente, de 26.151, 18.025 (68,93%) são homens e 8.126 (31,07%) são mulheres – o que mostra um pequeno aumento na participação feminina na política. Pequeno e ainda insuficiente, já que, segundo o PNAD, as mulheres correspondem a 51,5% da população brasileira. 

“A história do Brasil é marcada não só pela escravidão, mas também pelo patriarcado. Isso nos deixou uma herança machista, racista e homofóbica. Mulheres e negros sempre assumiram posições igualmente rebaixadas. A mulher não participa da política por que ela é criada para o espaço privado, não para o público. A política é feita para quem sempre esteve na liderança histórica. Qualquer coisa que fuja do padrão dominante é desvalorizado. Procure uma mulher negra na politica. É praticamente impossível. Agora procure uma mulher negra no serviço de trabalhadores domésticos. É a maioria”, exemplificou.

A legislação brasileira prevê que os partidos e as coligações cumpram uma cota mínima de 30% de mulheres nas candidaturas lançadas. A norma foi introduzida pela Lei n° 9.100, em 1995, e aprimorada nos anos seguintes. No entanto, muitos deles, para esconder o descumprimento da regra, costumam lançar "candidaturas laranjas" nas eleições, ou seja, mulheres que não têm pretensão política alguma (e muitas vezes nem chegam a fazer campanha e nem mesmo a votar em si mesmas) apenas para atingir o percentual exigido. 

Mudanças à vista

Embora a análise deixe claro que o racismo é um problema estrutural bastante sério e pouco discutido no País, o pesquisador está longe de ter uma visão pessimista. “A mudança estrutural tem que acontecer e vai acontecer. Depois das manifestações de junho de 2013, quando ir pra rua ficou mais concreto, começaram a acontecer mais atos denunciando o racismo. Teve com o Amarildo, com a Cláudia, com o DG. Não esperamos que se abram espaços na democracia naturalmente para nossa intervenção; enquanto as elites dominarem aspectos de formação da sociedade, isso não vai acontecer. Mas a indignação do povo abre espaço para nos reivindicarmos, e a partir dessas reivindicações podem surgir novas lideranças, que hora ou outra entrarão para a política institucional. Estamos quebrando nosso estado de latência. Não deve demorar para ele estourar”, finalizou. 

Fonte: Terra
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