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Tragédia em Santa Maria

Sociedade só cobra rigor do poder público após tragédias, diz bombeiro

Em segunda carta aberta, major incluído em inquérito da Boate Kiss faz novas críticas à investigação da Polícia Civil

28 mar 2013 - 17h54
(atualizado às 18h02)
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Major do Corpo de Bombeiros teceu novas críticas ao delegado Marcelo Arigony (foto)
Foto: Wilson Dias / Agência Brasil

Dois dias após comparar o inquérito que investigou as causas do incêndio na Boate Kiss às "execuções de guerra e às degolas em praça pública", o major do Corpo de Bombeiros Gerson da Rosa Pereira divulgou nova carta aberta à população nesta quinta-feira, fazendo novas críticas à inclusão de seu nome no rol de autoridades responsabilizadas pela tragédia. Queixando-se da condenação prévia que, segundo ele, vem sofrendo o Corpo de Bombeiros, o major afirma que a sociedade não tem o mesmo rigor para cobrar respostas de outras instituições na esfera pública.

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"Critiquem-me, mas nós mesmos, enquanto sociedade e cidadãos, só nos lembramos de cobrar dos poderes públicos mais rigor quando as tragédias acontecem e, mesmo assim, queremos um poder público mais leniente quando nos interessa. Muito ouvi do penalista Aury Lopes Júnior em suas palestras: 'Para os outros tolerância zero, para mim tolerância mil'", argumentou o major, apontado como responsável no inquérito da Polícia Civil pelo crime de fraude processual. Apesar das críticas, Pereira elogiou a postura do presidente da associação dos familiares das vítimas da tragédia, Adherbal Ferreira, que, segundo o bombeiro, vem demonstrando "serenidade, equilíbrio e razão", "mesmo com todas as especulações".

"Faço minha saudação de pesar sobre o que aconteceu com aquelas crianças e suas famílias. Não tivemos a oportunidade de chorar após dois meses daquela tragédia nos ombros das famílias dos sobreviventes. Choramos sozinhos desde o dia 27 de janeiro de 2013, dia e noite, com inverdades, acusações levianas, com ações midiáticas e policiais, sofremos por cada criança perdida naquela madrugada, queríamos salvar todas, mas nossas limitações não permitiram", desabafa.

O major critica o que chamou de "pressa" na investigação coordenada pelo delegado Marcelo Arigony, que imputou a bombeiros crimes graves. "Bombeiros militares que fraudam processo, que matam dolosa e culposamente e praticam improbidades administrativas. Creio que nem procurando dentro de um presídio de segurança máxima se encontre um ser com tamanha falta de escrúpulos", compara Pereira.

Segundo Pereira, a Polícia Civil deixou de tomar uma série de medidas que poderiam garantir uma investigação isenta, como colher o depoimento das equipes médicas que prestaram os primeiros socorros às vítimas do incêndio. O trabalho da polícia também teria sido prejudicado pela proximidade de Arigony com as vítimas da tragédia. "Com tristeza vejo uma foto do delegado Arigony liderando uma passeata das vítimas, o que contamina sua impessoalidade na condução das investigações, mesmo assim permaneceu à frente das investigações. Da mesma forma me preocupou sua reunião com as famílias das vítimas na manhã que antecedeu a leitura do relatório 'inquisitorial'. As famílias merecem todo o respeito, assim como nós enquanto profissionais e pessoas de bem. Não acredito em vingança, mas sim em justiça!", afirma.

Por fim, o major lembra que, além do Corpo de Bombeiros, a sociedade deveria cobrar a responsabilização de outras instituições que, em seu entendimento, também falharam na prevenção do incêndio. "E o legislativo, municipal e estadual, que cria uma lei frágil, frouxa sob o ponto de vista de atribuir poderes ao Corpo de Bombeiros de intervir de forma mais efetiva e contundente. O próprio Ministério Público reconhece a fragilidade legal e requer o necessário processo judicial de intervenção. Portanto, também temos um legislativo no banco dos réus. (...) E as Universidades de Engenharia que não preveem em sua graduação tema de tamanha relevância? Portanto, CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), MEC (Ministério da Educação) e tantos outros deveriam integrar este rol de criminosos, pois contribuíram, direta ou indiretamente, para esta tragédia", conclui.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 241 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas. 

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A intenção é oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Fonte: Terra
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