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Maconha: entenda como a droga e sua proibição podem afetar os estudos

21 jan 2014 - 11h00
(atualizado às 11h08)
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A descriminalização da maconha no Uruguai reacendeu velhas discussões, preocupações e mesmo alguns preconceitos nos vizinhos brasileiros. Maconha faz mal ou faz bem, deixa o raciocínio mais lento, melhora ou piora o desempenho acadêmico, pode tratar depressão, ansiedade, ou piorar os sintomas? Esse tipo de questionamento surge em meio a estudos que ora apontam os danos, ora exaltam benefícios do uso medicinal da planta, mas não há uma resposta simples. O que se sabe é que o fato de o uso da Cannabis sativa não estar legalizado no Brasil não interfere no seu consumo em diferentes faixas etárias - inclusive por jovens em idade escolar e universitária.

Para se tratar, jovens dependentes químicos podem interromper os estudos

No I Levantamento Nacional sobre Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras, realizado em 2010 pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a maconha apareceu como a substância psicoativa mais consumida entre estudantes de instituições públicas e privadas. Outra pesquisa, realizada em 2013 pelo Projeto Este Jovem Brasileiro, do Portal Educacional em parceria com o psiquiatra Jairo Bouer, com jovens de 12 a 17 anos em 64 escolas particulares brasileiras, aponta que 10% dos entrevistados já usaram a droga, sendo 22% entre os 12 e 13 anos. Os que fumam todos os dias equivalem a 18%. Esse mesmo estudo mostra que, em sala de aula, dificuldade de concentração (49%), ansiedade (47%) e irritação (44%) são as emoções que mais incomodam entre todos os entrevistados, seguidas por tristeza e desânimo (30%). Os dados informam também que 35% têm dificuldade em entender a aula, e 13% já foram reprovados.

Frente aos resultados, Bouer apontou que haveria uma relação entre quem já experimentou maconha e as mudanças nas emoções. Para ele, a droga parece aumentar ansiedade, tristeza, desânimo, dificuldade em se concentrar e entender as disciplinas. “A pesquisa mostra que o índice de reprovação chegou a 31% entre os que já fumaram. Ou seja, maconha e rendimento na escola parecem definitivamente não combinar”, conclui Bouer.

Já o neurocientista João Menezes, médico e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, avalia de modo diferente esse tipo de dado que relaciona o uso da maconha com mau desempenho escolar. Ele compreende que é difícil dissociar em um estudo o que é de fato resultado da droga e o que é consequência da proibição da mesma. “Temos que lembrar do contexto social. Não existe pesquisa sobre isso livre do contexto marginal, de proibição e estresse causados pela criminalização. O estresse também afeta muito o aprendizado. Então, como saber se o efeito foi da maconha ou do estresse?”, questiona o membro da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento.

Menezes assinala, contudo, que o uso mais seguro da Cannabis, nos países em que ela é regulamentada para uso terapêutico, é voltado para adultos - ainda que haja aplicações para jovens, mediante avaliação médica - uma vez que eles são menos suscetíveis aos efeitos negativos da planta. Ele lembra, ainda, que por afetar a memória de curto prazo, a maconha pode comprometer habilidades necessárias no contexto escolar. Além disso, o contato precoce com a maconha também pode agravar doenças psiquiátricas, além de aumentar as chances de dependência.

Foi divulgado, em 2013, um estudo que avaliou os efeitos da maconha no processo de aprendizagem em jovens de quatro colégios da cidade de Santiago, no Chile. O trabalho, realizado por cientistas da Clínica de Las Condes, da “La Esperanza” Corporation for Drug Prevention e dos departamentos de Psiquiatria e Saúde Mental e de Ciências Sociais da Universidade do Chile, dividiu em dois grupos consumidores exclusivos da planta e não consumidores, mantendo constantes as variáveis de coeficiente intelectual e nível socioeconômico. A pesquisa concluiu que os usuários da droga mostraram déficit em habilidades cognitivas associadas ao processo de aprendizagem, como atenção, concentração, integração visuoespacial, retenção imediata e memória visual, observadas a partir de neuroimagem.

Alterações no cérebro

Um estudo da escola de medicina da Northwestern University, nos Estados Unidos, publicado em dezembro na revista científica Schizophrenia Bulletin, apontou que adolescentes entre 16 e 17 anos que fumaram maconha diariamente por cerca de três anos apresentavam alterações nas estruturas cerebrais relacionadas à memória, e tiveram mau desempenho em atividades em que a memória era requisitada. O estudo mapeou regiões chave na substância cinzenta subcortical do cérebro de usuários crônicos da erva e relacionaram anormalidades nessas áreas com danos na memória funcional, que é a habilidade de lembrar e processar informações no momento e, se necessário, transferi-las para a memória de longo prazo. As alterações constatadas seriam semelhantes às relatadas em pacientes com esquizofrenia.

Segundo o estudo, quanto mais jovens os indivíduos quando começaram a usar maconha cronicamente, mais as regiões do cérebro apresentavam modificações. No entanto, como a pesquisa examinou uma área por vez, seria necessário um estudo longitudinal para provar que a substância de fato modificaria o cérebro e causaria danos.

Efeito positivo para a memória

No Laboratório de Biologia e Desenvolvimento do Sistema Nervoso da Faculdade de Biociências da PUCRS, a identificação de um elemento que pode melhorar a memória: o canabidiol (CBD). De onde ele vem? Da maconha. A substância foi isolada da planta e testada em dois grupos de ratos: os “normais” e os com prejuízo na memória. Nestes últimos, o CBD promoveu uma melhora significativa. Ele se apresentou como neuroprotetor, podendo diminuir a morte celular e melhorar a comunicação entre os neurônios. Alguns dos usos possíveis apontados seriam o tratamento de doenças como Parkinson e Alzheimer.

Nadja Schröder, coordenadora do Programa de Pós-Graduação de Biologia Celular e Molecular da universidade e integrante do laboratório, assinala que o elemento foi testado de modo isolado, por isso, ao fumar maconha - que possui mais de 80 canabinoides em sua composição -, o usuário estaria consumindo outras substâncias, que não necessariamente trariam benefícios, como o THC, responsável pelo efeito psicotrópico da planta. Além disso, a concentração de CBD não poderia ser estimada, por isso o ideal seria sua administração isoladamente. O estudo, que está em fase de teste pré-clínico, foi desenvolvido em parceria com a Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Os psiquiatras da USP já haviam constatado que o uso do CBD alivia os sintomas de pacientes com ansiedade e fobia social.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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