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Para se tratar, jovens dependentes químicos podem interromper os estudos

21 jan 2014 - 11h00
(atualizado às 11h08)
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No Brasil, o contato com as drogas começa cedo. O II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) estima que 45% dos usuários de cocaína, crack ou oxi (mistura da pasta base da cocaína com uma substância alcalina e um combustível) ou experimentaram alguma dessas drogas antes dos 18 anos. No caso da maconha, o número chega a 62%. O estudo, realizado em 2012 pelo Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas, indica que 3% dos adolescentes brasileiros já usaram crack, cocaína ou oxi, e 4% da população nessa faixa etária já experimentou maconha alguma vez na vida.

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Outro fator que contribui para aproximar os jovens em idade escolar das drogas é o fácil acesso. Uma pesquisa do QEdu: Aprendizado em Foco divulgada em fevereiro de 2013 revela que mais de um terço das escolas públicas brasileiras apresenta tráfico de drogas nos arredores. Uma das consequências desse cenário, apontadas por especialistas que participaram do estudo, é a evasão escolar.

Quando o uso de drogas chega à dependência química, um dos desafios é recuperar o interesse dos jovens pelo ambiente escolar. No Centro Integrado de Tratamento do Uso e Abuso de Drogas (Cituad), na Ilha do Governador (RJ), a ideia é que os jovens atendidos voltem à escola ainda durante a internação, que dura em média 90 dias. Próximo à instituição está o Centro Socioeducacional Dom Bosco. No local, está instalado o Colégio Estadual Padre Carlos Leôncio da Silva, onde os internos de ambas as unidades podem frequentar as aulas normalmente. Os centros são mantidos pelo Departamento Geral de Ações Socioeducativas, órgão vinculado à Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro responsável pelas medidas socioeducativas aplicadas pelo Poder Judiciário a jovens em conflito com a lei.

Primeiramente, o adolescente passa pela avaliação de uma equipe multidisciplinar para determinar se ele está ou não em condições de ir à escola. “A prioridade é a saúde mental. Você não vai colocar um menino com abstinência em sala de aula. Todo adolescente tem direito de estar matriculado, e a questão da drogadição não desvirtua isso, mas talvez chegue um momento em que ele não consiga estar na escola e precise de acompanhamento psicológico”, diz Cíntia Gomes, pedagoga do Cituad. Sintomas como ficar muito agitado ou, pelo contrário, apático e alienado, são indicativos de que o interno, por ora, não deve frequentar as aulas.

A pedagoga explica que, para um dependente químico, estar dentro da escola é mais do que aprender português, matemática ou geografia - é voltar à rotina de estudos e ser reinserido no contexto escolar que, em grande parte dos casos, há muito foi abandonado. Especialmente para esse público, é essencial que o ensino seja palpável, e que os professores busquem aproximar o conteúdo o máximo possível da realidade do aluno. “Pode ser mesmo apresentando fração ou subtração com um bolo de aniversário, o importante é trabalhar com a socialização do aluno, sempre buscando a reabilitação”, afirma Cíntia. Quando recebe alta, o estudante pode pedir transferência para outra unidade de ensino.

A dependência e o ensino

Continuar estudando durante o tratamento para dependência química, contudo, não é algo comum. Psicólogo e coordenador técnico da comunidade terapêutica Desafio Jovem de Três Coroas (RS), Rodrigo Silva Vasconcellos explica que, ao chegar na instituição, os jovens geralmente já romperam o vínculo com a escola há mais tempo, e é comum que o aprendizado formal seja interrompido durante a terapia, pois os adolescentes apresentam uso crônico e um nível de compulsão elevado. Na comunidade, a internação dura em média 12 meses e é sempre voluntária, contando com o apoio da família ou do conselho tutelar. Depois desse período, quando recebe alta, a ideia é que o adolescente retome a educação formal.

Juíza de direito do 3º Juizado da Vara Regional da Infância e Juventude em Porto Alegre e Coordenadora da Central de Práticas Restaurativas, Vera Lúcia Deboni aponta que, quando se trata de internação para desintoxicação em clínicas ou hospitais, em regra, o ensino formal é interrompido. Quando a internação for em comunidades ou fazendas terapêuticas, embora não haja ensino regular, seria possível, caso houvesse interesse e estrutura por parte das secretarias estaduais e municipais de educação, haver continuidade nos estudos. Atualmente, contudo, é mais comum que seja realizada uma espécie de “reforço” pedagógico, não reconhecido no currículo escolar.

O Ministério da Educação não possui nenhuma determinação específica para a internação por dependência de drogas. O mais próximo disso previsto nas diretrizes da pasta seria a classe hospitalar e o atendimento pedagógico domiciliar, aplicados para educandos com necessidades de aprendizagem especiais, que apresentam dificuldades de acompanhamento das atividades curriculares por condições e limitações específicas de saúde. O ministério explica, contudo, que a articulação para que isso ocorresse, nesses casos específicos, ficaria a cargo das secretarias municipais e estaduais de educação, que atenderiam à demanda dos centros de internação.

O uso de drogas em idade escolar

O VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública e Privada nas Capitais Brasileiras, concluído em 2010 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, identificou que há diferenças na proporção do uso de substâncias psicotrópicas entre alunos da rede privada e da pública. Foi revelado, por exemplo, que 9,9% dos estudantes das escolas públicas utilizaram, nos 365 dias anteriores à aplicação do questionário, qualquer tipo de droga (exceto álcool e tabaco), enquanto na rede particular esse número foi de 13,6%.

Entre 50.890 estudantes de ensino fundamental e médio das redes pública e privada, 25,5% já experimentaram algum tipo de droga (exceto álcool e tabaco) em algum momento da vida, sendo que 0,8% fizeram uso frequente, ou seja, utilizaram droga psicotrópica seis ou mais vezes nos 30 dias que antecederam a pesquisa, enquanto 1,1% fizeram uso pesado - 20 ou mais vezes nesse mesmo período.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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