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Por que vitória de Trump pode ser segundo baque para União Europeia já abalada por Brexit

9 nov 2016 - 18h35
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Vitória de Trump pode estimular lideranças de direita na Europa a adotar estratégia semelhante.
Vitória de Trump pode estimular lideranças de direita na Europa a adotar estratégia semelhante.
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A vitória de Donald Trump na corrida pela Presidência de EUA é vista por parte dos analistas como um novo golpe para a União Europeia.

O bloco corre o risco de perder um aliado comercial e militar e de ver ainda mais fortalecidos os movimentos populistas e nacionalistas que contribuíram para a decisão de saída da Grã-Bretanha.

"Donald Trump derrubou uma série de barreiras. Fez declarações homofóbicas, um discurso contra imigrantes, insultou deficientes", afirma Sebastian Santander, professor de ciências políticas na Universidade de Lieja (Bélgica).

"Alguns partidos europeus de extrema direita poderiam surfar essa onda. Eles dirão: 'se funcionou pra ele, por que não pra nós?'"

'Surfistas'

Essa apropriação do discurso pode ter começado antes mesmo do anúncio oficial da vitória do candidato republicano.

Enquanto os últimos votos eram contados nos Estados Unidos, Marine Le Pen, líder do partido de extrema direita francês Frente Nacional, felicitou Trump "e o povo americano livre".

"A eleição de Trump é uma boa notícia para nosso país", declarou Le Pen, candidata às eleições presidenciais francesas de 2017 - e que já se comparou várias vezes ao republicano.

"A eleição de Trump é uma boa notícia para nosso país", disse a francesa Marine Le Pen
"A eleição de Trump é uma boa notícia para nosso país", disse a francesa Marine Le Pen
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Para ela, o resultado das eleições americanas, a exemplo do Brexit, representa uma sanção às "elites políticas e midiáticas" e consagra um "grande movimento mundial que vê o retorno dos povos livres".

Seu pai, Jean-Marie Le Pen, controvertido fundador da Frente Nacional que chegou ao segundo turno das eleições presidenciais francesas em 2002, publicou em sua conta em uma rede social: "Hoje os EUA, amanhã a França".

O também ultraconservador presidente húngaro, Víktor Orban, também celebrou a vitória de Trump e disse que a política externa defendida pelo republicano é "vital" para a Hungria, que se nega a participar de um esquema de divisão de refugiados decidido pela União Europeia.

Também houve elogios na extrema-direita alemã.

"A vitória de Trump é um sinal claro de que os cidadãos do mundo ocidental querem mudança política", disse Beatrix von Storch, deputada europeia pelo AFD, partido que teve um desempenho histórico nas últimas eleições regionais no país.

"Porque nos Estados Unidos, assim como na Alemanha, os cidadãos desejam fronteiras seguras, menos globalização e políticas que se concentram em seus próprios países."

'Alerta'

No Parlamento Europeu, os dois principais grupos políticos - socialista e conservador - concordam que a eleição de Trump deveria servir como um "alerta" para os políticos europeus.

"Devemos considerar com mais seriedade as preocupações e medos das pessoas e dar respostas concretas e realistas. Não devemos deixar espaço aberto para os radicais, eles não devem ser os vencedores desse tipo de situação", defende Manfred Weber, líder do grupo conservador no Parlamento Europeu.

Gianni Pittella, presidente do grupo socialista, vê a vitória do empresário republicano como "a expressão de um vírus que infectou nossas sociedades, não só nos Estados Unidos, mas também na Europa".

"Seria um erro fatal estigmatizar como ignorantes ou bárbaros aqueles que acreditam nas mentiras de Trump, Le Pen e Orban. Agora, mais do que nunca, devemos nos reconectar com os perdedores da globalização."

Defesa

Para Giles Merritt, diretor do grupo de reflexão Amigos da Europa, o principal golpe para a União Europeia será relacionado à defesa, devido à "imprevisível mudança e volatilidade que a Presidência de Trump trará".

Durante a campanha, o republicano ameaçou retirar seu país da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) - a principal aliança militar ocidental -, da qual os EUA é o principal membro, e manifestou interesse em se aproximar da Rússia, vista atualmente como uma ameaça à segurança europeia.

Desde a anexação da península ucraniana da Crimeia por Moscou, há dois anos, a Otan tomou uma série de medidas para fortalecer sua presença militar nos países que dividem fronteira com a Rússia, algo possível graças ao apoio americano.

"Se Trump executar suas ameaças, a União Europeia ficaria desprotegida frente à Rússia. Isso representaria uma ameaça para os países bálticos, em cujas fronteiras a Rússia tem multiplicado manobras militares", analisou o professor Santander.

Por outro lado, Merritt recorda que os Estados Unidos também participam da aliança internacional que combate o grupo extremista Estado Islâmico na Síria e no Iraque, um conflito que alimenta a crise de refugiados e a ameaça terrorista na União Europeia.

"Longe de ser a principal garantia de segurança, parece possível que os Estados Unidos passarão a ser fonte de maior instabilidade e isso exige à União Europeia preparação para lidar com problemas."

Comércio

Caso não ocorram surpresas, Trump também terminará de enterrar as negociações para um tratado de livre comércio entre Estados Unidos e União Europeia, recentemente ameaçadas de bloqueio pelo governo francês.

"Os sentimentos protecionistas de Trump e sua oposição a acordos comerciais representa uma séria ameaça ao comércio e ao investimento entre os Estados Unidos e a União Europeia", observou Merritt.

Juntas, as duas potências respondem por mais de 40% do PIB mundial e quase um terço das transações comerciais, em um valor estimado em US$ 1,5 trilhões de dólares (R$ 4,84 trilhões).

"Um impacto nisso enviaria ondas de choque por todo o mundo", afirmou o analista.

Não é à toa que, em suas primeiras felicitações ao novo presidente norte-americano, a maioria dos líderes europeus recordou a importância das relações entre as duas potências para a prosperidade global.

"Europa e os Estados Unidos simplesmente não têm outra opção além de colaborar o mais estreitamente possível. Não acredito que nenhum país pode ser grande isoladamente", disse o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk.

"Mas acredito que América e Europa podem, devem e irão trabalhar juntas", acrescentou, convidando o xará a uma reunião em Bruxelas "quando melhor lhe convir".

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