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Mundo

Por que as relações entre Rússia e EUA estão no pior momento desde a Guerra Fria

19 out 2016 - 13h14
(atualizado às 13h30)
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Difícil lembrar de um período, desde o fim da chamada Guerra Fria, em 1991, em que as relações entre Rússia e EUA tenham estado tão ruins.

O governo americano classifica como "massacre" a ofensiva conjunta das forças sírias e russas na cidade de Aleppo e denuncia crimes de guerra.

Vladímir Putin e Barack Obama conversam durante reunião do G20 na China
Vladímir Putin e Barack Obama conversam durante reunião do G20 na China
Foto: EFE

O presidente russo, Vladimir Putin, falou claramente sobre a deterioração do clima entre Washington e Moscou e insistiu em afirmar que o governo de Barack Obama prefere fazer imposições a dialogar.

Ainda assim, russos e americanos continuam discutindo a situação na Síria.

Isso porque, apesar de toda retórica e acusações, os dois países sabem que têm um importante papel em qualquer acordo final sobre o conflito.

Uma guerra permanente na Síria não beneficia Moscou nem Washington.

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Alicerces fracos

Entretanto, sem um nível básico de confiança e entendimento, qualquer tentativa de diálogo será construída sobre alicerces fracos.

Muitos pensaram que o fim da Guerra Fria traria uma nova era para as relações internacionais
Muitos pensaram que o fim da Guerra Fria traria uma nova era para as relações internacionais
Foto: Getty Images

Ninguém sabia como as coisas aconteceriam, mas sabia-se que o fim da Guerra Fria traria consigo uma nova era.

Durante certo tempo a Rússia saiu do cenário global, mas agora retornou com mais força, desejosa de consolidar sua posição nas áreas vizinhas, recuperar um pouco do antigo protagonismo mundial e equilibrar o que vê como uma humilhação do Ocidente.

Afinal, quando tudo desandou? Por que Rússia e Ocidente não conseguem forjar um tipo diferente de relação? Quem é responsável por isso?

Insensibilidade dos EUA ou nostalgia russa?

Podemos descrever o momento atual como uma nova Guerra Fria?

Depois do colapso da URSS, o Ocidente não recebeu bem a Rússia na comunidade internacional
Depois do colapso da URSS, o Ocidente não recebeu bem a Rússia na comunidade internacional
Foto: Getty Images

Não vou tentar responder a todas essas perguntas.

A complexidade do assunto exigiria um livro tão longo quanto Guerra e Paz, de Tolstoi. Mas tentarei dar algumas pistas.

Para Paul Pillar, pesquisador do Centro de Estudos sobre Segurança da Universidade de Georgetown e ex-agente da CIA (o serviço secreto americano), os erros iniciais são do Ocidente.

"Essa relação começou a piorar quando o Ocidente não tratou a Rússia como um país que tinha se livrado do comunismo soviético", disse Pillar.

"A Rússia tinha que ter sido recebida dessa forma em uma nova comunidade de nações, mas o que aconteceu é que o país acabou sendo considerado sucessor da União Soviética, herdando inclusive o status de principal foco de desconfiança do Ocidente."

Esse pecado original, digamos assim, foi agravado pelo entusiasmo ocidental em expandir a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), primeiro admitindo países como Polônia, República Tcheca e Hungria, que tinham uma longa tradição nacionalista e de luta contra o regime de Moscou.

Mas a expansão da Otan não parou por ali. Foram acrescentados países bálticos como Lituânia, Estônia e Letônia, que faziam parte da antiga União Soviética.

Tratamento injusto

Os críticos perguntam por que razão Moscou resiste à ideia de que Georgia ou Ucrânia passem para o lado do Ocidente.

Resumindo, a Rússia acredita que foi tratada injustamente desde o fim da Guerra Fria.

Claro que esse não é o pensamento vigente no Ocidente, que prefere destacar o revanchismo russo, personificado por Vladimir Putin, homem que descreveu o colapso da União Soviética como "a maior catástrofe geopolítica" do século 20.

Há um debate interessante entre especialistas americanos sobre qual dos lados teria razão.

A Rússia tem reafirmado sua posição hegemônica em países como a Síria
A Rússia tem reafirmado sua posição hegemônica em países como a Síria
Foto: Getty Images

Devemos nos voltar para os erros estratégicos iniciais do Ocidente ao lidar com a nova Rússia ou considerar as recentes ações de Moscou na Geórgia, Síria ou Ucrânia?

John Sawers, ex-chefe do MI6 (o serviço secreto britânico) e ex-embaixador britânico nas Nações Unidas, observou o desenvolvimento da diplomacia russa. Ele prefere falar do período mais recente.

Em entrevista à BBC, Sawers disse que, nos últimos oito anos, o Ocidente não deu atenção suficiente ao estabelecimento de uma relação estratégica correta com a Rússia.

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Sinais contraditórios

"Se houvesse um entedimento claro entre Washington e Moscou sobre as normas que devem ser adotadas - para que um país não prejudique o outro - a solução de problemas regionais como Síria, Ucrânia ou Coreia do Norte poderia ser mais simples", disse.

Vários outros especialistas também destacam o papel da diplomacia do governo Obama, que frequentemente enviou sinais contraditórios.

O poder absoluto de Washington talvez esteja diminuindo, mas as vezes os EUA parecem divididos sobre os diferentes níveis de poder que lhe restam.

As perguntas se sucedem:

Estariam os EUA voltando sua atenção para a Ásia e até que ponto o país tem realmente minimizado seu papel na Europa e no Oriente Médio?

Washington está preparado para apoiar sua retórica com o uso da força? (Na Síria, essa resposta tem sido não.)

Os EUA realmente pensaram nas implicações das suas posições em relação a Moscou?

Em 2014, às vésperas da anexação da Crimeia, Putin discursou no Parlamento russo e advertiu:

"Se você comprime uma mola até o limite máximo, ela voltará com força na direção contrária. Lembrem-se sempre disso."

O professor Nikolas Gvosdev observou em artigo na revista americana The National Interest, especializada em política, que "a resposta prudente seria encontrar formas de reduzir a pressão sobre a mola ou se preparar para aguentar o golpe quando a mola voltar à forma original".

Quaisquer que tenham sido os erros do passado e quem quer que tenha sido responsável por eles, o fato é que agora chegamos onde estamos.

E onde estamos? Estão EUA e Rússia à beira de um conflito pela Síria? Não creio. Então por que existe a ideia de que estamos entrando num novo período de Guerra Fria?

Competição por influência

O ex-agente da CIA Paul Pillar acha que esse não é o termo correto.

"Não estamos vendo o tipo de competição ideológica que caracterizou a Guerra Fria e felizmente já não temos outra corrida nuclear armamentista", explicou.

Para John Sawers, ex-chefe do MI6, Ocidente negligenciou relação estratégica com a Rússia
Para John Sawers, ex-chefe do MI6, Ocidente negligenciou relação estratégica com a Rússia
Foto: Getty Images

"O que resta é uma grande competição por influência. A Rússia é uma potência menos expressiva do que foi a União Soviética e do que a superpotência que os EUA ainda são".

E quanto ao futuro? Às vésperas das eleições presidenciais nos EUA, Moscou talvez acredite que por enquanto tem o caminho livre.

Há sinais de que os russos estão tentando usar esse caminho para criar várias zonas de conflito de tal maneira que o próximo ocupante da Casa Branca se veja diante de um fato consumado.

É uma situação parecida com a de 2008, quando as relações EUA-Rússia foram congeladas na véspera da entrada dos russos na guerra contra a Geórgia.

Isso causou um desastre na política do governo George W. Bush em relação a Moscou e é um caos herdado pelo presidente Obama.

Lembram do famoso "recomeço" das relações com a Rússia pregado por uma Secretária de Estado americana chamada Hillary Clinton? Bem, isso não avançou muito.

Desafio para o próximo presidente dos EUA

John Sawers disse à BBC que "o próximo presidente dos EUA - espero que seja Hillary - tem a grande responsabilidade de estabelecer um tipo diferente de relação".

"Não estamos buscando uma relação mais quente com a Rússia, tampouco uma relação mais fria", afirmou.

"O que buscamos é um entendimento estratégico com Moscou sobre como atingir a estabilidade global, em toda a Europa e entre a Rússia e EUA, para que a estabilidade fundamental do mundo tenha uma base mais sólida do que teve até agora".

Sawers concluiu que a chamada "Pax Americana" - a paz relativa no Ocidente desde a Segunda Guerra Mundial - foi um período muito curto, que agora terminou.

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