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Por que a eleição 'tira-teima' na Áustria têm preocupado líderes europeus?

3 dez 2016 - 15h17
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Após a anulação da eleição realizada em maio, os austríacos voltam às urnas neste domingo para eleger seu novo presidente. O primeiro pleito foi acirrado com vitória apertada do ambientalista Alexander van der Bellen sobre Norbert Hofer da legenda populista de direita Partido da Liberdade (FPÖ).

Pesquisas de intenção de voto indicam novamente uma disputa acirrada e sem garantias de que o resultado da eleição anulada se repita. Com a corrida eleitoral em aberto, o candidato do partido antimigração e eurocético tem chances de assumir a Presidência, após a derrota por apenas 0,6 ponto percentual.

A nova eleição na Áustria foi determinada pelo Tribunal Constitucional do país, após a anulação do pleito realizado em maio por irregularidades. O resultado eleitoral foi contestado na Justiça pelo FPÖ, que alegou problemas durante a votação e a contagem dos votos. A decisão deu uma nova chance ao partido.

Hofer pode ser o primeiro líder com tendências de extrema direita a se eleger para comandar um Estado na União Europeia (UE) no pós-guerra. Essa perspectiva tem tirado o sono de líderes europeus, ainda mais depois das surpresas eleitorais de 2016: a aprovação da saída do Reino Unido do bloco e a vitória de Donald Trump nos EUA.

Para especialistas, a possível eleição de Hofer seria um impulso para outros partidos populistas de direita e de extrema direita da Europa. Em 2017, eleições importantes ocorrem na região. A Holanda vai às urnas em março. Em maio, é a vez da França escolher o novo presidente e, em setembro, a Alemanha elege o novo governo.

"Uma vitória de Hofer teria um efeito simbólico positivo para outros partidos populistas de direita e seria vista como mais um sucesso da corrente na Europa. Porém, a eleição presidencial na França do próximo ano deve ter um peso maior neste sentido", afirma o cientista político Reinhold Gärtner, da Universidade de Innsbruck.

A cientista política Sofia Vasilopoulou da Universidade de York também avalia uma possível vitória de Hofer com um importante símbolo para a extrema direita na região. "Se ele ganhar, será a continuidade dessa tendência eleitoral, mas o momento crucial para esse movimento será a eleição na França", ressalta.

A eleição na França é esperada com atenção, pois a candidata do partido de extrema direita Frente Nacional (FN), Marine Le Pen, tem chances reais de chegar à Presidência. Na Holanda e na Alemanha, as perspectivas para as legendas populistas também são excelentes.

O eurocético Partido para a Liberdade (PVV) lidera nas pesquisas e poderá eleger Geert Wilders como primeiro-ministro na Holanda. E na Alemanha, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) deve conquistar assentos no Parlamento pela primeira vez.

Eurocéticos no poder

Entretanto, o peso político de uma vitória de Hofer para à União Europeia (UE) divide especialistas. Enquanto alguns descartam mudanças no curso da política austríaca em relação ao bloco, outros ressaltam que Hofer pode causar problemas, mesmo após a mudança no tom da campanha eleitoral do FPÖ para o novo pleito.

Diferentemente de seu adversário Alexander van der Bellen, Hofer é um crítico da UE. Sua vitória nas urnas representaria um sinal da insatisfação dos austríacos com o bloco.

Na campanha da primeira eleição que dividiu o país de cerca de 8,5 milhões de habitantes em maio, o FPÖ não economizou em ataques à União Europeia, mas após o resultados do Brexit e as previsões negativas para o Reino Unido em consequência desta separação, o tema foi deixado de lado pela legenda.

"O FPÖ foi muito mais agressivo na primeira campanha, mas após o Brexit adequou sua mensagem e agora sua posição sobre a UE não está clara. Eles continuam críticos, mas não são tão incisivos como a Frente Nacional ou Wilders", afirma o cientista político Reinhard Heinisch, da Universidade de Salzburg.

O especialista, porém, acrescenta que essa mudança não significa a aceitação do bloco e de sua política. "Hofer já disse, por exemplo, que não assinaria o Ceta [acordo de livre-comércio entre Canadá e UE]. Ele também teria o poder de mobilizar a Áustria contra a União Europeia", ressalta.

Já o cientista político Martin Dolezal, da Universidade de Viena, minimiza o impacto no bloco de uma possível eleição de Hofer. "Na Áustria, o presidente não tem um papel político relevante que possa causar uma mudança na posição adotada pelo governo. A atual coalizão vai continuar no poder e não irá mudar seu curso pró-Europa", diz.

Novas eleições legislativas na Áustria?

O impacto de uma eleição de Hofer seria maior, porém, para a própria Áustria. Embora os presidentes do país não costumem exercer grande participação política, quem assumir esse cargo terá o poder de dissolver o Parlamento e convocar novas eleições legislativas. As próximas estão previstas atualmente para acontecer somente em 2018.

"Pela primeira vez, o presidente não será um candidato dos dois partidos tradicionais [Partido Social-Democrata (SPÖ) e Partido Popular Austríaco (ÖVP)] e como ele sempre foi de um destes partidos nunca houve interferência na política. A atual situação é nova. Ninguém sabe como Hofer usaria o cargo, se fosse eleito", alerta Heinisch.

Atualmente, o governo austríaco é formado por uma grande coalizão entre SPÖ e ÖVP. O chanceler federal Christian Kern pertence a legenda social-democrata. Porém, as intenções de voto para o partido populista de direita estão crescendo e se as eleições legislativas fossem neste domingo o FPÖ seria provavelmente o partido mais votado.

Neste cenário, o cientista político Heinisch prevê que as eleições legislativas serão adiantadas para o próximo ano. "Ninguém mais acredita que o pleito será em 2018. Os partidos da coalizão não querem um novo governo, mas não conseguem mais governar juntos. Em ambas as legendas, há pessoas que acreditam que eles teriam ótimas chances com uma nova eleição", reforça.

Heinisch, porém, descarta que um possível governo do FPÖ cause um impacto como ocorreu em 2000, quando a legenda formou uma coalizão com o ÖVP. Na época, o alvoroço foi causado pela posição antissemita e xenófoba de seu ex-líder Jörg Haider. A participação de Haider no governo austríaco levou 14 países da União Europeia a decretar sanções diplomáticas contra a Áustria.

"Agora a época é outra e há vários partidos populistas de direita em governos europeus. Além disso, as sanções não funcionaram e acabaram prejudicando mais o bloco do que a Áustria, pois a medida europeia foi muito criticada", avalia Heinisch.

O especialista ressalta, no entanto, que o grande perigo em relação ao FPÖ é o fato da legenda não ter uma política coerente. "O partido tem um grande potencial para absorver e usar tudo que é popular, sendo capaz de ajustar sua posição ao tema do momento. Por exemplo, se agora a UE e imigração são vistas com ruins, eles serão contra ambas, mesmo tendo sido há 20 anos o primeiro partido a apoiar a entrada da Áustria no bloco".

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