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Os comoventes cliques do fotógrafo que 'melhor retratou' a dor da guerra na Colômbia

27 set 2016 - 19h47
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Fotógrafo ficou conhecido por retratar a guerra na Colômbia em fotos emocionantes
Fotógrafo ficou conhecido por retratar a guerra na Colômbia em fotos emocionantes
Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Nesta segunda, a Colômbia assinou um acordo de paz com as Farc, o que pode determinar o fim de uma guerra que dura há mais de 50 anos e deixou ao menos 220 mil mortos, 7 milhões de desabrigados e dezenas de milhares de desaparecidos - o documento irá a referendo popular no domingo.

Mas, paradoxalmente, não há muitas imagens icônicas desse longo conflito.

O jornalista Juan Carlos Perez Salazar, da BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC), apresenta a seguir uma das poucas exceções: o trabalho do fotógrafo Jesús Abad Colorado Lopez, com quem trabalhou na década de 1990 e cujos registros podem tornar-se símbolos dessa guerra tão violenta:

"Jesus Abad Colorado é talvez o fotógrafo que melhor retratou a dor da guerra na Colômbia nos últimos 25 anos. Mas esta história começa antes mesmo de seu nascimento. E com uma foto ele não tirou.

1960. Seus avós viviam com sua família na cidade de San Carlos, no distrito de Antioquia, no centro do país.

É o momento em que a Colômbia é conhecida simplesmente como "La Violência" ("A Violência"), quando apoiadores dos dois principais partidos políticos e conservador-liberal se enfrentaram em uma guerra mortal.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Seus avós eram moradores liberais de cidade conservadora. Certa noite, uma multidão entrou em sua casa, matou seu avô e seu filho mais novo, um menino. Em meio a tanta dor, a avó não quis mais comer e morreu quatro meses depois.

Toda a família foi forçada a fugir para Medellín, capital da Antioquia, e para a região de Madalena. Lá, porém, eles voltaram a viver a guerra entre os anos de 1970 e 1990.

Essa história e essa foto de seus avós em preto e branco mostram as raízes da atual violência na Colômbia e do trabalho de Jesús Abad Colorado.

Da violência porque essa luta bipartidária está na origem das Farc e na guerra que assola a Colômbia nas últimas décadas.

Na foto, porque Abad Colorado tomou a decisão de tirar a grande maioria de suas fotos em preto e branco.

"Eu acho que é mais respeitoso. O preto e branco dá um caráter mais de documento", afirma ele.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil
Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

O preto e branco representa outra obsessão do fotógrafo: a memória. Deixar um registro do horror da guerra. Por isso, ele é, muitas vezes, o único jornalista a viajar para lugares onde houve um massacre.

E é quase sempre o último a sair. Porque não está interessado no caso em si, mas nas suas consequências. Todas essas ondas de choque e atos violentos que transformam e destroem vidas e sociedades.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Isso lhe permitiu criar conexões com as pessoas e tirar fotos tão íntimas quanto a de Aniceto, que viu sua esposa Ubertina sangrar até a morte após ser atingida por um tiro de rifle enquanto o Exército e os guerrilheiros impediram que ela fosse levada a um hospital.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Quando permitiram, já era tarde demais. Jesus Abad acompanhou-o enquanto ele a levava de volta para casa e registrou sua profunda tristeza.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

"Se eu der importância a um ser humano e ele entender a minha solidariedade, tenho certeza de que não há problemas em ter esse registro, é meu dever lembrar. Eu sou uma testemunha", comenta o fotógrafo.

Essa é outra das obsessões de Jesus Abad Colorado: registrar as vítimas.

Ele nunca tira fotos de comandantes ou generais, de quem está no poder. Apenas dos combatentes rasos e civis.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

E muitos deles em situações difíceis, como o soldado que sobreviveu a uma emboscada da guerrilha em setembro de 1993, quando o comboio em que viajava avistou seus companheiros mortos ainda na estrada.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Ou este soldado que chora de forma inconsolável porque os guerrilheiros mataram sua irmã de 13 anos. Eles haviam dito: se o jovem não saísse do Exército, matariam sua família. Seus superiores não acreditaram nele quando contou-lhes sobre a ameaça.

Mas a lente de sua câmera foi especialmente focada em civis. Aqueles que estão no fogo cruzado e têm contribuído com a maior parte das 260 mil mortes violentas que, segundo estimativas, ocorreram nas últimas décadas na Colômbia.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Foi assim que ele conseguiu fotos impressionantes, como a da criança que fecha a camisa de seu pai assassinado por paramilitares em San Carlos, em outubro de 1998. A mesma cidade para onde 38 anos antes fugiu a família de Jesus Abad.

As iniciais de Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) foram marcadas por uma faca paramilitar no braço de uma jovem de 18 anos que foi sequestrada e estuprada em uma das favelas de Medellín, em novembro de 2002.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Ou esta imagem, em tons bíblicos, de um êxodo de camponeses em San José de Apartado depois de um massacre feito por paramilitares com a colaboração do Exército.

Mas as feridas da guerra não estão apenas nos corpos. Elas também ocorrem na paisagem, nas populações.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Como ocorreu em El Aro, Antioquia, depois dos paramilitares - novamente contando com a impunidade e cumplicidade do Exército - passarem cinco dias lá torturando e matando 15 pessoas na praça principal, enquanto forçava o restante dos locais a observar. Em seguida, saquearam e incendiaram o local.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Quando os paramilitares enfim deixaram o lugar, os aldeões abandonaram El Aro em massa .

Ou ainda a cratera deixada por uma bomba jogada pelo Exército durante uma operação contra a guerrilha no rio Sucio, em Chocó, onde os militares foram acusados de agir em conjunto com os paramilitares. A operação deixou pelo menos 8 mil desabrigados.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Ou os buracos de tiro de rifle que atingiram uma escola durante um confronto.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

A presença ameaçadora da guerra está quase sempre presente nas imagens de "Chucho", como o fotógrafo ficou conhecido entre seus amigos.

Como nesta imagem, na qual um grupo de paramilitares monitora, das montanhas para a cidade de Medellín, a capital da Antioquia.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Embora sua família continuasse a ser vítima do conflito (um primo seu estava desaparecido, outro morreu sequestrado pelas Farc e ele mesmo foi sequestrado duas vezes pela guerrilha), outro de seus temas favoritos é a esperança em meio a dor.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

E ele representa isso mostrando uma marcha de habitantes de Granada pedindo paz depois de um ataque da guerrilha destruir parcialmente a cidade.

Às vezes, as imagens são íntimas, como a desta borboleta que pousou nos braços de um paramilitar (que relutantemente concordou em aceitar o registro por acreditar que isso questionava sua masculinidade).

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Ou o pai que retorna com sua filha para a região onde mora depois de vários meses de um combate mortal entre guerrilheiros e paramilitares.

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

Ou estas duas últimas imagens, com a qual nós fechamos esta história e que de alguma forma resumem o que Jesus Abad Colorado (quem na Colômbia têm sido descrito como "testemunha das testemunhas"), pretende com o seu trabalho:

"Não se esqueça, deixe uma memória, chore e faça justiça."

Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil
Foto: JESÚS ABAD COLORADO / BBC News Brasil

E proporcione esperança."

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