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"Haiti é um cemitério de projetos", diz embaixador brasileiro

4 dez 2010 - 10h53
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Lucia Morel
Direto de Porto Príncipe

Quase um ano depois do terremoto, o Haiti ainda está destruído. Além disso, sofre com uma epidemia de cólera que já matou mais de 1,8 mil pessoas. Esta é a situação diária enfrentada pelo embaixador brasileiro no país, Igor Kipman. Em entrevista ao Terra, ele falou um pouco sobre imigração, sobre a participação brasileira no processo eleitoral e como a ajuda prometida pela comunidade internacional nem sempre vem da forma mais adequada. Kipman diz ainda que muito dinheiro se perde em projetos que não saem no papel. "O Haiti virou um cemitério de projetos. É nessa etapa que muito dinheiro acaba se perdendo", disse. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

Mulher caminhas pelas ruas sujas de Porto Príncipe; destruído pelo terremoto, país enfrenta epidemia de cólera
Mulher caminhas pelas ruas sujas de Porto Príncipe; destruído pelo terremoto, país enfrenta epidemia de cólera
Foto: AP

Há muitos brasileiros que moram no Haiti ainda?
Somando tudo não dá 100 pessoas. Há ainda duas ONGs importantíssimas que fazem um trabalho extraordinário, que são o Viva Rio e a Brigada Haitiana do MST. Aí talvez passe um pouco dos 100, chegando perto dos 300.

Houve casos de vários haitianos que fugiram do país para o Brasil. A embaixada presta algum serviço para regularizar essas pessoas, ou quando elas saem nem procuram a embaixada?
Há uma migração histórica em direção à República Dominicana. Já há 2,3 milhões de haitianos lá. Agora, para o Brasil a situação é um pouco mais complexa por causa da distância e também em função do visto. Se o serviço consular pressentir a intenção de imigração ilegal, o visto não é concedido. É claro que em alguns casos a gente se equivoca. Um grupo que saiu daqui para o Mato Grosso do Sul, por exemplo, foi de forma ilegal, sem nenhum contato com a embaixada e sem visto para o Brasil. Porque o Equador não exige visto para entrar, e de alguma maneira eles conseguem ir até lá e atravessam para o Brasil por terra. Muitos haitianos buscam ir ao Brasil, e para isso pedem visto na embaixada, para de lá chegar à Guiana Francesa, onde existe a facilidade do idioma.

Houve alguma participação brasileira no processo eleitoral haitiano?
O Brasil contribui financeiramente desde 2004. No último processo eleitoral, o Brasil contribuiu com US$ 500 mil. E missões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TER/AL) vieram aqui para transferir conhecimento e aferir tecnologia ao processo eleitoral.

O Brasil foi um dos únicos que doou rapidamente para o Haiti, repassando US$ 55 milhões para a reconstrução. Como está a doação de outros países, que o senhor mesmo disse em outras entrevistas, que não foram entregues?
O total para o Esforço Emergencial após o terremoto foi de US$ 300 milhões, entre doações e recursos. Os US$ 55 milhões que o Brasil doou foram para o Fundo de Reconstrução do Haiti. Desse total, US$ 15 milhões foram usados para apoio orçamentário haitiano e US$ 40 milhões foram dirigidos para o projeto de construção da barragem do Haiti. Isso foi o que nós destinamos, mas o projeto de barragem está previsto em US$ 162 milhões, e outros US$ 30 milhões para a parte ambiental e recolocação das famílias deslocadas, num total de US$ 192 milhões.

Como está a construção da barragem? Alguma coisa já foi feita?
Dia 29 de outubro foi entregue ao presidente o projeto de barragem feito pelos militares de engenharia, que custou R$ 4 milhões. A partir daí é preciso fazer a licitação internacional, mas estamos aguardando ter todos os recursos. Uma vez que os recursos estiverem assegurados, vamos abrir a licitação.

Sobre as doações internacionais, até outubro, o senhor havia dito que dos US$ 5 bilhões que estavam prometidos, apenas uma parte havia sido disponibilizada. Como está a situação agora?
Em pouco menos de um mês a situação não mudou muito. Os US$ 5 bilhões acordados enganam um pouco. Porque, desse montante, uma parte é destinada a perdão da dívida. Não estou desmerecendo o perdão da dívida, por que é importante para o país também, mas não é recurso que vai ser usado na reconstrução. Muitos países concordaram com o perdão da dívida, está correto, mas não são recursos que vão chegar para retirar o entulho do terremoto, reconstruir, construir um canal. Mas grande parte dos doadores internacionais está aguardando o resultado das eleições, porque eles estão preocupados sobre quem vai gerir esse recurso a partir do ano que vem.

Esse dinheiro chega como? Como o povo haitiano o aproveita?
Ele chega de inúmeras formas. Uma delas é o Fundo de Reconstrução do Haiti. Cerca de US$ 1 bilhão será destinado a ele. Há também recursos que vão direto para o orçamento do governo haitiano, e a gente batalha para que isso aconteça, porque o governo não tem dinheiro. Uma outra parcela, importante também, é canalizada bilateralmente pelos Estados Unidos, na maioria das vezes através de ONGs. Há vários caminhos.

No caminho do dinheiro até o seu destino final há muito desvio de verba?
Há muitos estudos que mostram que os recursos encaminhados via ONG são desviados, mas não por corrupção, e sim porque essas organizações têm escritórios em outros países e precisam pagar os salários das pessoas de quem lá trabalham. Além disso, há o dinheiro para pesquisas, estudos e projetos. O Haiti virou um cemitério de projetos. Cada ONG apresenta uma série deles. Para isso contratam um consultor, encomendam um plano. E é nessa etapa que muito dinheiro acaba se perdendo. Há também, claro, o problema da corrupção. O Haiti, na penúltima lista publicada pela ONU, era o terceiro país mais corrupto. Na última lista, já subiu umas 10 ou 15 posições. Ou seja, ainda é um país com um índice de corrupção muito alto. Então claro que recursos acabam sendo desviados, não adianta tapar o sol com a peneira e dizer que não.

Fonte: Especial para Terra
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