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Mundo

Jovem escravizada por casal emociona tribunal na França

30 nov 2010 - 17h49
(atualizado em 1/12/2010 às 10h32)
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Lúcia Müzell
Direto de Melun

Cabisbaixa, franzina e tímida, a francesa Sabrina Moreau compareceu nesta terça-feira pela primeira vez ao tribunal onde estão sendo julgadas 12 pessoas, entre elas os seus pais, por delitos como maus-tratos, estupro e por tê-la mantido como escrava por pelo menos três anos.

A advogada de Sabrina, Christine Daveau, chega ao Palácio da Justiça de Melun para o julgamento
A advogada de Sabrina, Christine Daveau, chega ao Palácio da Justiça de Melun para o julgamento
Foto: Lúcia Müzell / Especial para Terra

Os crimes vieram à tona em 2006, quando um dos torturadores da jovem, na época com 26 anos, a depositou em frente a um hospital de Paris, chocando os médicos que prestaram os primeiros socorros à vítima. Sabrina pesava 34 kg - para cerca de 1,65m de altura -, estava imunda, com a cabeça raspada e tinha ferimentos graves espalhados pelo corpo, além de não ter mais quase nenhum dente na boca.

"Eu perdi até meu nome; eu era apenas uma escrava para todos. Era "escrava faz isso", "escrava faz aquilo", o tempo inteiro", relatou Sabrina, hoje uma mulher de 30 anos que vive escondida no norte do país, onde tenta reconstruir a vida. O julgamento acontece há duas semanas no Palácio de Justiça de Melun, distante 60 km de Paris, e deve se estender até o dia 17 de dezembro.

Ao longo desta terça-feira, Sabrina contou, continuamente aos prantos, como se viu envolvida em um esquema de escravidão do qual apenas conseguiu sair quando um dos moradores do acampamento decidiu colocar fim à exploração imposta a ela. O depoimento dela emocionou várias pessoas que acompanhavam a audiência na plateia, além de, no banco dos réus, comover também a mãe de Sabrina, Denise Moreau - uma dona de casa de 48 anos, cujas fracas capacidades intelectuais foram atestadas por psicólogos forenses.

O calvário da vítima se iniciou ainda na infância, quando vivia em meio à pobreza e à violência familiar, sendo acolhida em um centro de educação para menores em situação delicada dos 10 aos 18 anos. Na maioridade, ela voltou a morar com os pais em um acampamento de ciganos em Claye-Souilly. Acabou entrando na rede de confiança do casal Florence Carrasco, 36 anos, e Franck Franoux, 51, que alguns anos depois propôs ao pai de Sabrina, Daniel Moreau, 53, que partisse sem a filha em troca de um veículo, na época estimado em 750 euros (R$ 1.675).

O acordo foi fechado e, a partir de então, Sabrina foi mantida como prisioneira do casal, obrigada a realizar todas as atividades domésticas e a se prostituir. O dinheiro era embolsado por Florence e Franck. Certa vez, eles chegaram a surrar Sabrina quando descobriram que ela havia se submetido a um aborto. Razão: sem o filho, ela não teria direito a uma ajuda financeira prevista pelo governo francês, dinheiro que engordaria as economias dos Franoux.

"Eu chamava a Florence de irmã mais velha, de tanto que nos dávamos bem no início. Ela era legal comigo, e eu a considerava uma amiga", contou Sabrina ao júri, do qual fazem parte 12 jurados. "Depois é que ela começou a me bater e isso só piorou. Eu apanhava todos os dias. Se eu trabalhava direito, apanhava. Se deixava de fazer alguma coisa, apanhava ainda mais".

Acorrentada

Na ausência de Florence, a vítima era mantida acorrentada a um dos seis filhos da acusada e submetida às ordens de quem estivesse no motor-home, onde todos moravam. Na semana passada, um dos investigadores do caso relatou que, na época da investigação dos fatos, Sabrina contou que chegou a ser obrigada a ingerir urina e fezes como punição por ter se recusado a fazer faxina. Este evento ainda não foi abordado diante dela, assim como as dezenas de estupros de que ela foi vítima. O júri pretende ouvi-la em detalhes até a sexta-feira.

"Está sendo muito duro para ela, porque de certa forma ela está revivendo todo o horror que sofreu", afirmou a defensora de Sabrina, Christine Daveau. Conforme relatos da vítima e de Florence, a mulher se tornava ainda mais violenta quando sofria agressões do marido. "Quando Franck me batia, eu me vingava imediatamente na Sabrina. Eu era horrível com ela", afirmou Florence, antes de se dirigir à vítima e pedir perdão pelo que fez.

Em outro momento, ela fez questão de dizer à presidente do julgamento, Anny Dauvillaire, que sempre pedia desculpas a Sabrina depois de bater nela. "Eu fiquei louca, qualquer coisa me deixava histérica. E a Sabrina é quem acabava pagando". Franck - visto como o chefe do grupo e descrito como violento com todos - também reconheceu que o tratamento dispensado à jovem "passou dos limites". Enquanto isso, no banco ao lado, o pai da vítima não expressava qualquer sentimento, enquanto a mãe chorava a cada vez que ouvia a voz da filha.

De sua parte, o promotor público Edmond Stenger tem insistido nas falhas do Estado no caso Sabrina: questionou as assistentes sociais e os policiais que testemunharam na corte por não terem agido antes e evitado, pelo menos em parte, o calvário de Sabrina. "Há erros gritantes do poder público em todo este percurso de miséria", disse.

Já os advogados de defesa sequer tentam eximir as responsabilidades dos acusados, mas destacam que o histórico de violências instalado no ambiente em que viviam há gerações contribuiu para a degradação completa do cotidiano no acampamento.

Fonte: Especial para Terra
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