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Mundo

Burca não é obrigação religiosa, diz líder muçulmano ameaçado

3 out 2010 - 12h10
(atualizado às 13h08)
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Lúcia Müzell
Direto de Paris

As incontáveis ameaças de morte, com as quais já se habitou a conviver, não parecem assustar o imã da cidade de Drancy, na França. Com um visão modernizadora do Islã, Hassen Chalghoumi prega que os muçulmanos que vivem na Europa devem abandonar as influências fundamentalistas vindas do Oriente Médio e da África e fortalecer um islamismo verdadeiramente europeu, baseado nos valores do Ocidente - sem abandonar dos preceitos da religião. Ele defende, por exemplo, que as mulheres não usem a burca. "A burca não é uma obrigação religiosa", afirma.

No livro Pour l'Islam de France, Hassen Chalghoumi prega a prática moderada da religião na Europa
No livro Pour l'Islam de France, Hassen Chalghoumi prega a prática moderada da religião na Europa
Foto: Reprodução

Segundo a interpretação de Chalghoumi, nenhuma passagem do Corão, o livro sagrado dos muçulmanos, dá a entender que as mulheres devem se cobrir por inteiro. "Elas dizem que é uma escolha delas portar a burca. Não é uma escolha, porque elas estão sob a influência de pessoas que pregam outro tipo de Islã. Já disse e repito: a burca não é uma obrigação religiosa".

Suas posições progressistas - como o apoio do projeto de lei proibindo o porte da burca - causaram a ira de muçulmanos que levam o Alcorão ao pé da letra e consideram o líder como um traidor - suas opiniões polêmicas lhe renderam o apelido de "imã dos judeus". Disposto a ir adiante na modernização do islamismo praticado no país, Chalghoumi acaba de lançar um livro, Pour l'Islam de France (Para o Islã da França, em tradução livre), no qual apresenta suas sugestões para melhor integrar a comunidade muçulmana à sociedade francesa, uma das principais causas dos distúrbios sociais verificados diariamente nas periferias das grandes cidades, como a capital Paris.

Para ele, a religião muçulmana deve ampliar a formação de imãs europeus, sob bases moderadas do Islã e que sejam capazes de neutralizar a mensagem de ódio ao Ocidente difundida por muitos dos atuais imãs que comandam mesquitas por toda a França. De acordo com o religioso, a maioria dos imãs que atuam no país é formada no exterior, e não em território europeu.

"Não há como negar: existe um aumento do radicalismo islâmico na França e em muitos outros países ocidentais, e isso graças a um monte de imãs integristas que continuam passando uma ideia equivocada sobre o que é o verdadeiro Islã", afirmou Chalghoumi em coletiva de imprensa para jornalistas estrangeiros realizada durante a semana, em Paris. "Este Islã que prega o medo existe, sim, e está muito mais próximo de uma seita do que do islamismo. São a imagem e o futuro dos seguidores de um Islã pacífico que estão em jogo."

O imã afirma que a existência de líderes preconizando o isolamento social dos muçulmanos só aumenta a tensão entre os imigrantes, seus descendentes e o povo francês de origem. Como consequência desta estigmatização originada em "pequenos grupos radicais", os muçulmanos comuns são condenados a viver cada vez mais em guetos e a se relacionar apenas entre eles mesmos. "Quando o seu próprio líder afirma e reafirma que o Ocidente é um inimigo, ou você se liberta desta influência, ou se torna refém dela."

Ele ainda pede que o governo da França prefira políticas sociais de integração dos muçulmanos em detrimento às práticas policiais adotadas atualmente, sob o risco de ver o radicalismo encontrar ainda mais eco entre os seguidores da religião.

Imãs moderados têm medo de se expor

Chalghoumi é um dos raros casos de imãs moderados que pregam abertamente uma visão mais libertária do Islã e uma ampliação dos diálogos interreligiosos. Mas, de acordo com o autor de Pour l'Islam de France, "a maioria" dos líderes muçulmanos do país é moderada e pensa como ele, mas teme os efeitos de uma tomada de posição polêmica - ainda mais depois de verificar o que aconteceu com Chalghoumi desde que se assumiu favorável à lei antiburca e contrário aos casamentos forçados impostos por algumas correntes da religião.

Diante das ameaças de morte que passou a sofrer, o imã de Drancy teve de mudar os hábitos: só circula em público sob proteção policial e evita transitar em locais com grande concentração de pessoas, como o mercado público da cidade. Ele contou ao Terra que, durante seis meses, enfrentava em silêncio manifestações de muçulmanos de correntes mais radicais, feitas todas as sextas-feiras diante da sua mesquita. Este mesmo grupo de radicais - que conta com membros dentro de organizações de peso como a União das Organizações Islâmicas da França - também tentou impedir a publicação do livro de Chalghoumi, chamado por eles de "livro do Satã".

Mesmo se os invasores da sua casa e da mesquita foram presos pela polícia, Chalghoumi está longe de levar uma vida tranquila desde então. "Este é o preço a pagar e não vou desistir tão facilmente. Tenho certeza de que, nem que seja daqui a 10 ou 20 anos, os muçulmanos da França ainda vão me agradecer."

Fonte: Especial para Terra
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