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Ameaça terrorista não está mais forte, diz analista francês

25 set 2010 - 10h22
(atualizado em 27/9/2010 às 11h16)
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Lúcia Müzell
Direto de Paris

Hoje, os serviços secretos franceses reconhecem que ameaça terrorista contra o país, elevada há uma semana, lhes parece "pouco crível". Ocorridas no mesmo dia, as duas evacuações de locais importantes de Paris - a torre Eiffel e a estação de metrô Saint-Michel - suscitaram o medo na população, declarações preocupadas de ministros franceses e reuniões de urgência no Palácio do Eliseu, sede do governo de Nicolas Sarkozy. Em um contexto em que a lei proibindo o uso da burca por mulheres muçulmanas acabava de ser aprovada no Senado francês e dois meses depois de terroristas islâmicos terem prometido se vingar da França por uma ação militar no Mali, na tentativa de resgatar com vida um refém, as ameaças poderiam, de fato, ser mais sérias que as habituais.

A polícia parisiense evacuou a Torre Eiffel no dia 14 de setembro por causa de uma ameaça de bomba
A polícia parisiense evacuou a Torre Eiffel no dia 14 de setembro por causa de uma ameaça de bomba
Foto: AFP

Não demorou nada, no entanto, para cientistas políticos e especialistas em terrorismo se unirem em um quase consenso. O de que governo Sarkozy criou, através do risco terrorista, mais um artifício para desviar as atenções dos "dossiês" internos complicados que enfrenta neste momento, como a reforma da lei das aposentadorias e os casos de tráfico de influência de que são acusados membros-chave do governo.

O especialista em movimentos islâmicos radicais Dominique Thomas, da Escola da Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), em Paris, é um destes intelectuais que discordam que a ameaça de atos extremistas esteja mais forte hoje. Ele concedeu a seguinte entrevista ao Terra, abordando temas como as dificuldades de ação dos grupos terroristas e a capacidade de os serviços secretos evitarem novos atentados.

A ameaça terrorista está de fato maior nas últimas semanas, como tem dado a entender o governo francês ?

Não diria que está mais forte. Existe o contexto da operação militar fracassada contra uma base da Al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQMI), em julho. Na época, houve promessas de vingança por parte da organização terrorista e todo mundo esperava que a AQMI intensificasse as operações contra os interesses franceses no exterior, especialmente na África, porque é nessa região que ela tem mais capacidade de ação.

Quanto à ameaça no território francês, acho que ela permanece a mesma há muitos anos, em decorrência da intervenção francesa no Afeganistão e da política externa francesa em relação aos países africanos. As ameaças sempre existiram e não estão mais fortes hoje, até porque eu sou cético sobre a capacidade operacional dessas organizações terroristas de conseguir realizar atos terroristas em território europeu. É preciso ter cuidado com as informações e não causar pânico desnecessário na população.

Nas última semanas, acompanhamos o governo francês insistindo sobre a ameaça terrorista, mas eu, como vários outros estudiosos, acho que havia um componente político interno forte que levou a exacerbar uma ameaça que nem era mais forte do que a que sempre existiu, no sentido de desviar a atenção sobre problemas internos do país. Não deixa de fazer parte de uma política de comunicação do governo.

A ameaça à França é a mesma que a ameaça no restante da Europa?

É a mesma, mas a capacidade de ação de grupos extremistas, a meu ver, é maior no Reino Unido, onde as conexões com o Afeganistão e o Paquistão são maiores. No próprio Reino Unido, existem pequenos grupos radicais que conseguem manter uma certa organização e que podem se transformar em um apoio logístico e auxiliar na realização de uma ação terrorista, algo que não existe na França por enquanto. Desde 2005, há regularmente algum tipo de ataque, frustrado ou bem sucedido, que acontece lá. Já no restante dos países europeus, a ameaça terrorista é similar à da França: ela existe, mas as capacidades de ação dos radicais é muito reduzida.

A AQMI é hoje encarada como a organização mais ameaçadora para a França?

Sim, porque é a organização que mais visa os interesses franceses. Mas as da Península Árabe, no Iraque e no Paquistão, também se mostram cada vez mais ameaçadoras em relação a alvos franceses localizados lá, como empresas petrolíferas ou embaixadas. O fato é que foi a AQMI a que declarou a França como uma de suas prioridades, podemos dizer.

E os pequenos grupos ou mesmo atentados individuais? São uma ameaça importante?
É claro que podem haver ações individuais a qualquer momento, mas elas serão limitadas, porque sem organização, ninguém consegue fazer uma ação com envergadura. Pode existir, é claro, de alguém se autorradicalizar através da internet e se alinhar ao discurso da Al-Qaeda à distância. No entanto, seria certamente um atentado de pequeno impacto, porque os serviços secretos limitam qualquer ação coordenada. Existe um outro tipo que preocupa mais, que é o de pessoas que se radicalizam e realizam treinamentos em zonas onde as organizações terroristas estão melhor instaladas, como no Paquistão e no Afeganistão, e depois voltam ao território europeu para planejar alguma ação individual de maior potência. É este tipo de ameaça que é controlado mais de perto pelos serviços de informação.

As medidas adotadas por certos governos, como o francês e o belga, de restringir os hábitos muçulmanos através da proibição do uso da burca pelas mulheres, por exemplo, aumentam as chances de um atentado?
Não, a ameaça terrorista é constante e este debate apenas aumenta a tensão, mas não é um assunto que se torne central nas discussões entre os islâmicos radicais. Mesmo se a AQMI já mencionou o exemplo da burca algumas vez, foi no sentido de aumentar a sensação de terror, mas não significa que a ameaça se tornasse mais forte - tanto é que nenhum grande nome da organização jamais citou esse ponto em qualquer manifestação.

A atividade dos serviços secretos europeus é suficientemente eficaz para evitar grande atentados hoje em dia?
É difícil responder, porque no Estados Unidos, que o país onde a preocupação é a maior do mundo, chegamos recentemente muito perto de um grande atentado, aquele que foi frustrado no último instante na Times Square. Também houve a ameaça no voo Detroit-Amsterdã, que passou despercebida. Na Inglaterra, a todo o momento tem algum planejamento de atentado sendo descoberto. O fato é que a vontade dos radicais islâmicos de atingir o Ocidente permanece a mesma e as ameaças não vão diminuir tão cedo. Os serviços secretos também se aperfeiçoam a cada vez mais, mas o risco zero não existe.

Quais são as maiores dificuldades impostas aos terroristas nas suas tentativas de atentado?
As organizações ligadas à Al-Qaeda são capazes de agir na África e no Oriente Médio, mas não conseguem atingir a Europa, e nem mesmo em alguns territórios da própria África, como a Tunísia, a Argélia e o Marrocos. Uma operação do tamanho do que foi a do 11 de setembro precisa de muito tempo de preparação e muita coordenação. Não é uma questão de não haver meios financeiros ou métodos para realizá-la, mas de conseguir agir hoje no Ocidente sem suscitar a atenção dos serviços de informação. É muito difícil, mas não impossível. É preciso agir em pequenos grupos.

O problema da comunicação entre os radicais é um dos mais importantes, mas também o de recrutar pessoas nos territórios-alvo é uma prioridade. Enviar todo um grupo terrorista à Europa ou aos Estados Unidos, como aconteceu no 11 de setembro, é quase impossível, com tanta segurança nos aeroportos e nas fronteiras, além das medidas cotidianas como a luta contra a imigração ilegal, a política mais restrita de fornecimentos de vistos e mesmo a observação mais ostensiva de pessoas originárias de determinados países.

O grande desafio deles, hoje, é de recrutar terroristas já instalados nos locais onde eles pretendem atingir. Não à toa, eles começaram a difundir cada vez mais mensagens em inglês e a publicar revistas em outras línguas além do árabe. Conseguir recrutar 10 ou 15 pessoas engajadas já é o suficiente para planejar um grande atentado.

Fonte: Especial para Terra
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