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Mundo

Último chefe da Cosa Nostra desafia autoridades italianas

28 jul 2010 - 10h48
(atualizado às 11h59)
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Leandro Demori
Direto de Roma

Poucas cenas podem representar melhor a oposição de forças entre o Estado italiano e a máfia do que a divulgada pelo jornal La Repubbilca na terça-feira, 27 de julho de 2010: o último dos grandes capos da histórica e violenta máfia siciliana de Corleone sentado serenamente no estádio Renzo Barbera, na cidade de Palermo, assistindo à partida de futebol do time local contra a Sampdoria. O personagem é Matteo Messina Denaro, foragido da Justiça italiana desde 1993 e tido como o último dos grandes chefes históricos da Cosa Nostra. Desde 2006, quando o big boss Bernardo Provenzano foi capturado após uma fuga de 43 anos, Denaro assumiu o controle da mais famosa das máfias italianas.

Imagens mostram Denaro mais jovem e uma simulação de envelhecimento feita pela Divisão Antimáfia (dir.)
Imagens mostram Denaro mais jovem e uma simulação de envelhecimento feita pela Divisão Antimáfia (dir.)
Foto: Divulgação

O futebol nunca esteve no topo da lista de preferências dos vários hobbies cultivados por Matteo Messina Denaro. O videogame, os quadrinhos, os relógios de marca, as roupas de grife e os carrões esportivos são suas verdadeiras fixações. A partida entre Palermo e Sampodoria serviu, segundo investigações da Divisão Antimáfia, somente como pretexto para um encontro entre importantes chefes de famílias históricas e novos mafiosos em ascensão para decidir se (e quando) atacarão a bombas o Palácio de Justiça e a sede da polícia de Palermo. Mesmo vivendo na clandestinidade há 17 anos, a palavra de Denaro é lei em questões sensíveis como os atentados.

Bombas

As bombas são velhas companheiras da Cosa Nostra e do chefe mafioso mais procurado da Itália. Elas foram as armas mais utilizadas pelos clãs sicilianos durante a guerra declarada contra o Estado nos anos 80, que atingiu seu pico em 1992, quando Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, dois dos mais ativos juízes antimáfia do país, foram mortos em atentados alimentados com TNT. A Divisão Antimáfia acredita ser fundamental a participação de Messina Denaro nesses e em outros atentados do mesmo gênero.

Na história centenária da Cosa Nostra (originalmente chamada apenas de "Máfia"), Matteo Messina Denaro representa um anel entre a velha e a nova organização criminosa. Foi criado dentro da criminalidade em um momento de tensão, aprendeu as antigas lições dos clãs predominantes na Sicília e se tornou guardião dos segredos de dois dos principais chefes históricos da malavita: Totó Riina e Bernardo Provenzano, ambos presos sob regime perpétuo após anos de homicídios, atentados e desafios à lei.

Hobbies

Denaro herdou o poder e parte do estilo dos mafiosos de outrora, mas fundiu sua própria personalidade absorto em ícones de uma nova geração de malviventi. Nascido em abril de 1962, viveu infância e adolescência em meio à explosão da cultura pop digital representada pelos então recentes videogames e pela redescoberta dos nem tão novos quadrinhos. Seu apelido no submundo do crime, Diabolik, é apropriação direta do personagem de ficção e anti-herói dos quadrinhos italianos criado pelas irmãs Angela e Luciana Giussani justamente em 1962, ano em que Denaro nasceu.

A partir de uma carta de amor apreendida pela polícia em 1998 se pode medir a importância dos hobbies nos anos de esconderijo do mafioso.Escrita pela suposta mulher de Messina Denaro, a carta revela a paixão pelos games: "Te peço, não me diga 'não'. Desejo tanto te dar um presente. Sabe, li em uma revista de videogames que saiu a fita de Donkey Kong 3 e não vejo a hora de poder comprá-la para você. Aquela de Secret of Mana 2 não chegou ainda".

Por seu perfil, traçado à base de horas quase infinitas de investigações, é possível imaginar o modo como Messina Denaro estava vestido e de que maneira chegou ao estádio de Palermo na partida de maio deste ano. Obrigatória (e "camuflante") camisa do time local, calça Giorgio Armani (ou Versace), relógio Rolex, sapatos de alto nível, perfume caro. Denaro pode ter estacionado calmamente um Smart, carro de locomoção simples nas grandes cidades por seu tamanho compacto - mas também símbolo de status na Itália - ou pode ter arriscado um pouco mais, indo ao jogo dentro de um esportivo Porsche de muitos cavalos. Não se pode separar exatamente o que é lenda do que é realidade na vida do boss Denaro, mas, por suas conhecidas extravagâncias, ele foi apelidado de "O Playboy" - estilo diametralmente oposto aos velhos capi da organização, sempre envoltos em mistérios e vidas que remontavam à origem rural da Máfia.

"Bilhetinhos"

Apesar do estilo reluzente na hora de se vestir, as quase duas décadas em que vive como foragido da Justiça só estão sendo possíveis graças aos arcaicos sistemas da malavita. Denaro não possui telefone, computador ou qualquer outro meio de comunicação eletrônica. As ordens aos demais mafiosos são passadas pelos tradicionais "bilhetinhos"(pizzini), frases quase telegráficas, tomadas por códigos e senhas para esconder nomes, ações e datas escritas em pequenas nesgas de papel.

O sistema é usado historicamente pela organização, que montou, ao longo dos anos, um verdadeiro mecanismo postal paralelo para possibilitar a comunicação dentro da pirâmide de poder. Os pizzini passam por muitas mãos até chegar ao destino, como forma de eliminar qualquer modo de descobrir seu paradeiro. O chefe, seguindo a tradição, nem mesmo os escreve de próprio punho: dita as ordens a um comandado direto. Poucas vezes ao ano, acreditam os investigadores.

Perseguição

A importância de capturar Matteo Messina Denaro é cada vez maior para as forças da lei que estão em seu encalço. Do ponto de vista legal, a Divisão Antimáfia acredita que é Denaro o fiel depositário dos preciosos arquivos de Totó Riina, papéis que podem conter nomes importantes dos círculos de poder italiano envolvidos com a máfia nas últimas décadas - políticos, empresários, juízes, jornalistas, homens de boa posição e boa reputação. Além disso, prender Denaro significaria um golpe emblemático ao sistema siciliano.

Empenhados nessa tarefa, os 007 italianos circundaram algumas pessoas nas províncias de Trapani (da cidade natal do mafioso, Castelvetrano) e Agrigento nos últimos meses. Em mãos, uma mala escura, lacrada à chave. Dentro, notas de euro empilhadas somando um total de 1,5 milhão, dispostas a serem dadas como prêmio a quem trouxer informações sobre o paradeiro do chefe fugitivo. Os espiões negam a oferta, confirmada pela revista L'Espresso sob a assinatura do jornalista Lirio Abbate, um dos maiores conhecedores de máfia e crime organizado italiano. Só o tempo poderá dizer se o cheiro do dinheiro levará ao cativeiro de Matteo Messina Denaro. O boss não pode fazer outra coisa se não esperar - possivelmente, diante de uma TV, jogando o mais novo lançamento do mundo dos games.

Fonte: Redação Terra
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