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Europa

É verdade que na Suécia só se trabalha 6 horas por dia e mesmo assim se produz mais?

9 jan 2017 - 18h06
(atualizado às 18h53)
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Trabalho das mulheres nas fábricas de munições não era apenas longo, mas também perigoso
Trabalho das mulheres nas fábricas de munições não era apenas longo, mas também perigoso
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"A Suécia vai introduzir oficialmente a jornada de trabalho de seis horas". Foi o que afirmou um vídeo visto recentemente pelo correspondente da BBC em Estocolmo, Keith Moore.

O material já foi visto cerca de 40 milhões de vezes no Facebook e explica ainda que os trabalhadores do país vão continuar recebendo o mesmo salário, uma vez que os especialistas descobriram que as pessoas produzem em seis horas o mesmo que produziriam em oito.

A notícia foi divulgada em vários países e, como Moore mora na Suécia, ficou entusiasmado. Mas também se surpreendeu com o fato de que não tinha sido avisado da diminuição de sua jornada de trabalho.

"Vou morar na Suécia!!", comentou Sandra Andersson no Facebook. "Mas, espera... eu já moro na Suécia. Não há jornada de trabalho de seis horas no meu emprego, mas de nove e dez horas na maior parte do tempo. Mas me dão café grátis para que eu não durma depois de trabalhar seis horas", acrescentou.

"Ou é uma piada ou meu chefe é um comediante, pois sou sueco e definitivamente não estou trabalhando nem vou trabalhar apenas seis horas por dia", afirmou Eric Bergman. Ou seja: a verdade não é bem assim na vida real.

Desilusão e experiência

O correspondente da BBC entrevistou Kerstin Ahlberg, do Departamento de Direito do Trabalho da Universidade de Estocolmo, para o programa "More or Less", da BBC. "Há experiências, mas não há uma tendência geral para a jornada de trabalho de seis horas", explicou a especialista.

"O que a lei diz na Suécia é que o tempo de trabalho não deve ultrapassar 40 horas semanais, a não ser que sejam necessárias horas extras e, neste caso, o limite é de 48 horas semanais", acrescentou.

Uma das experiências citadas por Ahlberg está acontecendo em um lar para idosos na cidade de Gotemburgo, onde os patrões estão observando se há uma melhora no cuidado com os moradores e nas condições de trabalho para os funcionários.

Os administradores reduziram as horas de 80 enfermeiras assistentes - desde fevereiro elas trabalham seis horas por dia recebendo o mesmo salário.

O grupo de controle, para comparação, é formado por enfermeiras de outro lar para idosos que fazem os turnos normais.

Os resultados preliminares da experiência mostram que parece existir uma diferença a favor das enfermeiras que trabalham menos horas.

As que trabalharam menos horas passaram mais tempo com os idosos, levando-os para caminhadas, jogando com eles, lendo para eles com mais frequência do que as enfermeiras do outro asilo.

Além disso, as enfermeiras que trabalham seis horas afirmaram que se sentem mais saudáveis, mais atentas e calmas.

Esses dados são bons, mas não muito precisos. Para uma comparação mais clara, há a média de número de faltas por problemas de saúde: 15 dias entre as trabalham menos, e 31 dias entre as que tinham jornadas de oito horas diárias.

Gastos

A julgar por essa experiência, a diminuição da jornada de trabalho foi boa tanto para as enfermeiras como para os idosos.

O resultado é que todos estão mais felizes e mais bem cuidados durante seis horas. Mas o que acontece depois? As enfermeiras não podem simplesmente ir embora e deixar os idosos sozinhos.

A resposta é contratar mais enfermeiras. E isso resulta em mais gastos seja para o dono, no caso de um negócio particular, ou para o governo, caso seja um serviço público.

O aumento nos gastos foi a razão de a experiência quase ter sido encerrada. Outra iniciativa parecida em Kiruna, no norte do país, foi cancelada depois de 17 anos.

Mas apesar das desistências, há empresas que já implementam a jornada de seis horas, como foi o caso de algumas no setor de tecnologia e até um centro de serviço da Toyota em Gotemburgo, onde isso teve início há 13 anos.

Ao observar que os clientes estavam insatisfeitos com as longas esperas e que os mecânicos estavam estressados e cometendo erros, o diretor-geral na época, Martin Banck, mudou o turno de 7h às 16h para duas jornadas - das 6h às 12h e das 12h às 18h -, com o mesmo salário e menos tempo de descanso.

Mas existe um detalhe crucial: e os lugares que precisam de pessoas trabalhando 24 horas por dia?

Todos ficaram felizes, os lucros aumentaram em 25% e a mudança foi implementada de forma permanente.

Experiências

E a ideia da jornada mais curta não é nova.

"Aconteceram várias experiências no século 19 com um número diferente de horas de jornada de trabalho, e depois os efeitos foram examinados", contou John Pencavel, professor emérito de Economia da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

"Houve um exemplo famoso na década de 1890, quando o dono de uma fundição de ferro em Manchester e o sindicato local fizeram um acordo para reduzir as horas de trabalho de 54 horas por semana para 48 horas. O efeito na produção foi pouco e, depois de tentar durante um ano, os dois lados concordaram que a mudança deveria ser permanente."

Esse sucesso convenceu o governo daquela época a reduzir as horas de outra fábrica, desta vez em Londres. E na Alemanha fizeram o mesmo em uma das grandes indústrias óticas do país.

Mas muitos patrões continuaram com a jornada mais longa, por medo de uma queda na produção.

O resultado foi que, no fim do século 19, muitos trabalhadores ainda estavam cumprindo a jornada de 54 horas semanais.

O efeito guerra

A grande mudança chegou com a Primeira Guerra Mundial, com pesquisas feitas em fábricas de munições.

"A maioria dos trabalhadores era mulher e algumas tinham que encher as bombas com explosivos. O explosivo afetava o fígado das trabalhadoras, que ficavam com as mãos e o cabelo amarelados. Em alguns casos, esse trabalho levava à morte", explicou Pencavel.

"Desde o começo da guerra, a semana de trabalho tinha sido estendida a 70, 80 e 90 horas por semana. E havia alguns que se perguntavam se isso era realmente conveniente."

O governo britânico estava tão preocupado que formou uma comissão de médicos e acadêmicos para investigar. Parte do estudo se concentrou nas horas de trabalho e no nível de produção e, diferente do estudo do século 19, essas pesquisas eram feitas com o rigor científico necessário.

O pesquisador principal era Horace Vernon, acadêmico da Universidade de Oxford que havia trabalhado em uma fábrica de munições.

"Ele descobriu que a produção não era maior durante as semanas mais longas. Por isso concluiu que reduzir as horas tinha pouco ou até nenhum efeito negativo na produção", lembrou o economista.

Depois da Segunda Guerra Mundial, a tendência era a redução nas horas de trabalho. Assim, as pesquisas sobre a relação entre o tamanho das jornadas e a produção caíram no esquecimento.

Saúde

Mais recentemente, os estudos deixaram de lado a quantidade produzida e se concentraram mais na relação entre horas de trabalho e saúde.

"Trabalhar por muitas horas já foi associado com declínio cognitivo e doenças cardiovasculares", lembra Pencavel.

No entanto, esses estudos se concentraram em pessoas que trabalham cerca de 50 horas por semana.

Com isso, a pergunta também passa a ser: reduzir a semana de trabalho para 30 horas não seria demais?

"Me surpreenderia encontrar alguma organização que não se beneficie com a jornada de trabalho de seis horas, mas imagino que para algumas não seria apropriado. Cada uma deve tentar o que é melhor para ela", opinou o economista.

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