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Ásia

Mortes por excesso de trabalho refletem desafios do Japão para mudar cultura de hora extra

3 jan 2017 - 09h06
(atualizado às 09h59)
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A morte de uma funcionária da Dentsu atraiu a atenção para um problema antigo
A morte de uma funcionária da Dentsu atraiu a atenção para um problema antigo
Foto: Getty Images

Mortes por excesso de trabalho são um problema tão antigo no Japão que há até uma palavra para designá-las: karoshi.

Agora, o governo e a iniciativa privada estão tomando uma medida para tentar diminuir o problema: trabalhadores poderão sair do trabalho mais cedo uma vez por mês.

O plano "Sexta-Feira Prêmio" incentiva empresas a liberarem seus funcionários às 15h da última sexta-feira do mês, a partir de fevereiro. Ainda não se sabe quantas companhia vão aderir.

A ideia ganhou força após o suicídio de uma funcionária da Dentsu, maior agência de publicidade do país, que costumava fazer mais de 100 horas extras mensais.

Sua morte foi apontada como um caso de karoshi e gerou uma investigação, levou ao pedido de demissão da presidente da companhia e causou muita preocupação em relação à cultura de trabalho japonesa.

Mas, com cerca de 2 mil mortes anuais ligadas ao excesso de trabalho no Japão, muitos dizem que o plano é apenas um pequeno passo rumo a uma mudança de atitude.

E não é a primeira vez que isso é visto como um problema no país, nem se trata da primeira tentativa de remediá-lo.

Descanso forçado

O governo já tentou - sem sucesso - fazer com que os japoneses aproveitem todo seu tempo de folga, porque, segundo o Ministério do Trabalho, eles usam só metade do que têm direito.

O número de feriados foi elevado para 16 por ano - em parte, para forçar as pessoas a descansarem.

O governo também encorajou a adoção de horários flexíveis, permitindo que funcionários públicos entrassem e saíssem mais cedo do escritório durante o verão.

Outra tentativa foi cortar a energia nos escritórios tarde da noite - algo que a Dentsu está tentando agora.

Isso contribuiu para mudar a ideia de que trabalhar além do horário é algo bom e fez alguns trabalhadores passarem a ir para casa na hora certa em alguns dias e a anunciarem a mudança nas redes sociais para encorajar outros a fazerem o mesmo.

Ainda assim, a carga horária não foi muito reduzida. Cerca de 22% da população trabalha mais de 49 horas por semana, de acordo com dados de 2014 do Instituto de Política do Trabalho e Treinamento do Japão.

Os dados colocam o país atrás da Coreia do Sul, com 35% dos trabalhores cumprindo uma jornada assim, e na frente dos Estados Unidos, onde o índice é de 16%.

Por que mudar?

Para o governo e empresas, há um interesse próprio, já que a economia do Japão está estagnada há mais de duas décadas.

A situação ficou pior com uma redução do consumo e da taxa de natalidade, dois fatores agravados pelo fato da maioria dos trabalhadores passar a maior parte do tempo útil em uma mesa de escritório.

A produtividade e a eficiência também estão sendo prejudicadas à medida em que os trabalhadores estão sempre à disposição. Dessa forma, as empresas não investem em tecnologias que economizam mão de obra.

Toshihiro Nagahama, economista-chefe do Instituto de Pesquisa de Vida Dai-ichi, disse que o consumo privado poderia subir 124 bilhões de yens (R$ 3,24 bilhões) em cada "Sexta-Feira Prêmio" se 100% dos empregados incluídos no programa forem para casa às 15h.

Mas ele diz não saber quantas pessoas de fato farão isso, o que pode minar o impacto positivo na economia caso muitos ignorem a ideia.

Mas por que companhias e empregados não adeririam ao plano? Bom, ser o primeiro a mudar seria difícil. As empresas estão enfrentando custos elevados, e os trabalhadores japoneses se sentem culpados de deixar colegas para trás.

"Há senso aguçado de trabalho em equipe e uma preocupação em não desapontar os colegas", disse Magahama.

Menos lealdade

Ter menos mão de obra ainda é especialmente difícil para pequenas empresas e negócios que estão batalhando para reduzir seus custos. O fato de muitas empresas serem familiares também torna antecipar o fim do expediente algo ainda mais complicado.

Mesmo com a "Sexta-Feira Prêmio", Nagahama acredita que muitos empregados compensarão as horas de trabalho em outros dias da semana ou se comprometerão com tarefas no horário de folga recém conquistado.

E não está claro se o governo do Japão implementará a ideia em sua própria estrutura - apesar do ministro da Economia, Trabalho e Indústria, Hiroshige Seko, ter dito que não marcará compromissos depois das 15h nestes dias.

Ainda que mudar uma cultura de trabalho tão enraizada seja difícil e que muitas tentativas anteriores tenham fracassado, ironicamente, o esforço atual pode ter a seu favor um declínio na lealdade dos trabalhadores às empresas.

Afetados pela reestruturação dos contratos de emprego que duravam a vida toda e faziam seus pais trabalharem em apenas uma companhia, os jovens podem achar que a chance de ir para os izakayas (bares) mais cedo em algumas sextas-feiras é o estímulo que faltava para adotar uma rotina de trabalho mais equilibrada.

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