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A sangrenta batalha da 1ª Guerra Mundial travada frente à costa da América do Sul

3 dez 2016 - 11h02
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Foto: Cortesía Germán Bravo Valdivieso / BBC News Brasil

No domingo 1° de novembro de 1914, às 16:30 da tarde, foram ouvidos os primeiros canhões na Baía de Coronel, no sul do Chile.

É uma guerra europeia frente à costa sul-americana.

A frota alemã, integrada por cinco cruzadores e dirigida pelo almirante Maximilian von Spee, forma uma espécie de cerco na Baía de Coronel, deixando as quatro embarcacões inglesas, comandadas por Sir Christopher Cradock, fora de águas neutras.

O cruzador alemão S.M.S Scharnhorst é o primeiro a abrir fogo contra o encouraçado britânico H.M.S Good Hope, que começa a queimar rapidamente.

O mesmo aconteceria em seguida com o H.M.S Monmouth, que foi alvejado por duas embarações alemãs.

Relatos da época dão conta de que as labaredas dos navios ingleses alcançaram 60 metros, algo como um edifício de 20 andares.

Quando caiu a noite, a frota de von Spee já era tida como vencedora. As embarcações britânicas que conseguiram se salvar retornaram avariadas ao porto de Coronel. Nesse momento, três navios alemães já haviam partido vitoriosos para a cidade de Valparaíso.

A batalha de Coronel ou "do Dia de Todos os Santos", foi o acontecimento bélico mais sangrento na costa chilena por seu grande número de mortos (1.590).

Germán Bravo Valdivieso, historiador chileno
Germán Bravo Valdivieso, historiador chileno
Foto: Germán Bravo / BBC News Brasil

O historiador naval Germán Bravo Valdivieso, autor do livro "A Primeira Guerra Mundial na costa do Chile: uma neutralidade que não foi assim", explica à BBC Mundo que esta derrota não foi "só mais uma" para os britânicos.

"Esta é a primeira derrota do Reino Unido depois de mais de um século invictos, e com a qual perderiam logo o controle do Pacífico Sul", disse à BBC Mundo.

A derrota foi um golpe duro. Nem sequer o almirante Cradock conseguiu sair vivo das águas. A Armada do Chile enviou um transporte marítimo em busca de náufragos, mas não foram encontrados sobrevivientes.

Brincadeira interrompida

Uma testemunha da época, ainda que muito jovem, foi o já falecido avô de Manuel Gutiérrez González, historiador chileno, que se interessou em investigar mais sobre esse episódio.

Manuel González Espinoza tinha 7 anos quando presenciou a batalha do setor de Buen Retiro, na cidade de Coronel.

Seu pai, Manuel González Thompson, era administrador das minas de carvão de Buen Retiro e por conta disso sua casa ficava no topo de um morro com ampla vista para o mar.

As lembranças de Manuel González Espinoza começam quando brinvacava à tarde com seu irmão menor, Francisco.

A brincadeira foi interrompida por um chamado apressado de seu pai, que os levou à varanda e pediu que olhassem para o horizonte.

"Percebi um ruído, logo vi as labaredas no horizonte, perto da ilha Mocha, onde era possível ver o combate", contou Manuel González há exatos 18 anos ao neto Manuel Gutiérrez.

As chamas dos navios alcançaram 60 metros
As chamas dos navios alcançaram 60 metros
Foto: Cortesia de Germán Bravo Valdivieso / BBC News Brasil

Ainda que não exista uma localização precisa de onde a batalha ocorreu, historiadores como Germán Bravo estimam que pode ter ocorride entre 10 e 20 milhas (entre 16 e 32 quilômetros) da costa.

"Pode ter acontecido ali pela dificuldade que os britânicos tiveram de ver os navios alemães no pôr do sol e ao se confundirem com a costa", conta Bravo à BBC Mundo.

Com essas distâncias estimadas, as labaredas das embarcações avariadas, como o H.M.S Good Hope o el H.M.S Monmouth, podiam ser facilmente avistadas.

A revanche

Mas a estratégia do Almirante von Spee, somada a uma série de eventos que poderiam ser considerados de "azar", fizeram com que a vitória alemã não durasse muito tempo.

"O almirante Von Spee queria chegar à Alemanha com seus navios e poderia ter pulado as Falklands, mas quis tomá-las e instalar um governador, destruindo as instalações", conta à BBC Mundo Germán Bravo.

Nas Malvinas-Falklands, von Spee estava seguro de que seus navios eram suficientes para afundar a frota britânica, mas estava errado.

Novas embarcações britânicas haviam chegado à regiçao: o H.M.S Invincible e o H.M.S Inflexible. Isso daria vantagem aos britânicos.

A Baía de Coronel atualmente
A Baía de Coronel atualmente
Foto: Felipe Roa Paredes / BBC News Brasil

O S.M.S Scharnhorst, o navio alemão que durante a batalha de Coronel foi o primero a abrir fogo, recebeu a revanche britânica.

Nesta embarcação ficaram presos o almirante Maximilian von Spee e os 795 homens que afundaram.

A batalha, desta vez no Oceano Atlântico, também resultou em milhares de mortos.

A batalha das Malvinas-Falklands deu a vitória absoluta aos britânicos e somente um navio alemão conseguiu escapar do combate: o S.M.S Dresden.

Esse navio afundaria em março de 1915 no Arquipélago de Juan Fernández, sul do Chile, pelos próprios alemães, quando se viram encurralados pela frota britânica.

Os mais de 300 tripulantes alemães sobreviventes desse barco seriam mais tarde internados por quatro anos em uma ilha do centro-sul do Chile chamada Quiriquina.

Quase neutralidade

Um tema de discussão no Chile durante a Primeira Guerra Mundial foi sua neutralidade.

"O Chile se declarou neutro, mas ajudou abertamente às forças aliadas, inclusive o Ministro Plenipotenciário Britânico tinha muitos vínculos com a Armada do Chile", assegura Germán Bravo.

"Mas o que mais podiam fazer os chilenos? Se o Chile intervisse teria que apoiar a um ou a outro e com ambas nações tinha vínculos estreitos. Por exemplo no Exército com os alemães e na Marinha com os ingleses", acrescenta.

Mas não apenas a neutralidade foi questionada. Os chilenos e os britânicos que viviam no Chile se mostravam muito preocupados com a guerra que presenciavam em suas próprias costas.

"Em 1914 meu avô era um menino, mas depois da batalha, já adolescente, soube que as pessoas tinham muito medo que os conflitos afetassem o tráfego de carvão", conta Gutiérrez.

Durante mais de um século a mineração foi a principal atividade econômica nas regiões de Coronel e Lota, devido às vastas jazidas encontradas ali.

Rastros que falam

Construção inglesa na cidade chilena de Coronel
Construção inglesa na cidade chilena de Coronel
Foto: Felipe Roa Paredes / BBC News Brasil

Mais de um século depois, na cidade de Coronel permanecem alguns rastros, sobretudo da forte influência britânica, refletida em algumas construções.

Com o auge das minas de carvão, os britânicos estiveram muito presentes na região, desde o final do século 19 até aproximadamente 1930.

O censo chileno de 1907 ressalta que entre os imigrantes de Lota e de Coronel (que representavam 10% da população), 8% eram cidadãos ingleses.

Atualmente, o bairro Maule de Coronel conserva fachadas com estilo inglês.

Também na Praça 21 de Maio, na mesma cidade, está um relógio de quatro esferas, doado pelo empresário do carvão Federico Schwager, que o trouxe da Inglaterra em novembro de 1881.

Nessa mesma praça um memorial de pedra pela Batalha de Coronel tem desenhado em relevo os dois navios afundados. Em frente ao monolito uma emotiva frase pelas vítimas diz: "seu único sepulcro é o mar".

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