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Rio dos Sinos - Rio Grande do Sul

Poluição que matou 80 toneladas de peixe no rio dos Sinos em 2006 continua lá

GHX Comunicação
Especial para o Terra

Muito querido pela população e com grande importância histórica, o rio dos Sinos definha em praça pública. Poluição, desmatamento, secas e cheias são algumas de suas chagas. Hoje, o rio que passa por dezenas de cidades da Região Metropolitana de Porto Alegre é o 4º curso de água mais poluído do Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A história do rio dos Sinos se confunde com a da imigração alemã no País. Foi a partir da chegada dos primeiros colonos no sul do Brasil, em 1824, que ele começou a ganhar importância. O território, antes ocupado apenas por povos indígenas, recebeu um povoado, que logo se tornou uma vila, desenvolveu-se e décadas depois ganhou status de cidade.

Rio dos Sinos - Rio Grande do Sul
Rio dos Sinos - Rio Grande do Sul

Essa é a origem do município de São Leopoldo, a 30 quilômetros de Porto Alegre. Naquele tempo, a única ligação de São Leopoldo com a capital da província era o rio. Ele tinha, portanto, uma importante função comercial, já que por ali iam e vinham comerciantes tanto para abastecer a vila quanto para vender seus produtos em Porto Alegre.

Com o tempo, porém, o rio viria a pagar o preço desse desenvolvimento. Com a urbanização, passou a receber dejetos de esgoto cloacal, composto pelos refugos de tanques de roupa, pias de cozinha, banheiros e descargas. Na região, fortaleceu-se a indústria, principalmente nas áreas coureiro-calçadista e metalurgia. Muitas das fábricas se instalaram à beira do rio ou de seus arroios, pequenos cursos de água, e passaram a despejar efluentes na água – uma prática que acontece até hoje.

Mas não é só a poluição que preocupa. No ápice das chuvas de inverno, geralmente em julho, a calha do rio não dá vazão as suas águas e quem mora às margens do Sinos sofre com as cheias. Inversamente, no verão, a população costuma passar por racionamento de água, com o recuar do nível do rio. Como não são poucos os problemas, não são poucas as entidades, os ambientalistas e os órgãos públicos em busca de soluções.

A origem do nome

Antes da imigração alemã, os indígenas que povoavam o Vale do Rio dos Sinos chamavam o curso d’água de Cururuaí (rio dos Ratões do Banhado) e Itapuí (rio das Pedras que Gritam). Especula-se que o curso de água passou a se chamar rio dos Sinos por causa de sua sinuosidade, ou seja, pelas curvas que faz em seus 190 quilômetros de extensão. Com nascente no pequeno município de Caraá, no litoral do Rio Grande do Sul, o rio dos Sinos faz o caminho inverso ao usual e corre em direção à cidade de Canoas, onde fica sua foz. Lá, suas águas se somam à bacia hidrográfica do lago Guaíba.

Protagonismo regional

São as águas do rio dos Sinos que abastecem cerca de 1,5 milhão de pessoas da região. A indústria e a agricultura também se utilizam de suas águas enquanto a construção civil se serve da areia de seu leito. O rio também é fonte de lazer, com pequenas praias e vasta flora e fauna que inclui espécies ameaçadas de extinção como o jacaré de papo amarelo, a lontra e o cisne de pescoço preto.

Desastre

No dia 7 de outubro de 2006, cardumes de peixes mortos começaram a aparecer ao longo do rio dos Sinos. Nos dias seguintes, o fato se repetiu, mas em mais lugares e com mais intensidade. O fenômeno continuaria acontecendo até matar cerca de 80 toneladas de peixe no rio dos Sinos, e daria origem a uma das maiores tragédias ambientais do Rio Grande do Sul. A revolta da população foi imediata. Diligências do Ministério Público percorreram o rio e encontraram saídas clandestinas de material químico e orgânico nos arroios Portão e Cascalho, que desaguam no Sinos. Após investigações, a Justiça multou cinco empresas, determinou intervenção na Utresa – empresa de gestão ambiental de resíduos – e condenou seu diretor na época, Luiz Ruppenthal, por crimes ambientais.

Embora nesse caso específico e extremo a indústria tenha sido a grande culpada, atribuir a poluição do rio apenas à indústria seria errado e improdutivo. “Sabemos que o culpado não é só o setor industrial. A fiscalização geral poderia ser mais rígida, por exemplo”, diz a bióloga Viviane da Silva Diogo, diretora-executiva do Consórcio Público de Saneamento Básico da Bacia Hidrográfica do Sinos (Pró-Sinos), órgão público composto por 26 municípios da bacia do Sinos e criado após a tragédia de 2006. Viviane se refere ao esgoto cloacal, composto pelos refugos de tanques de roupa, pias de cozinha, banheiros e descargas, cujo tratamento e fiscalização é de responsabilidade do poder municipal. Hoje, enquanto aguardam a entrega de obras de ampliação de seus parques de tratamento de esgoto, municípios como Sapucaia do Sul e Esteio despejam cerca de 85% de seus efluentes in natura no Rio dos Sinos. São Leopoldo, tida como cidade que mais trata esgoto na região, não chega aos 30% de tratamento do volume produzido.

Os vilões do rio dos Sinos

O Secretário Municipal de Meio Ambiente de São Leopoldo, Henrique Prieto, conhece o rio dos Sinos como poucos. Ele é presidente e fundador do Instituto Martim Pescador, que atua na preservação e na educação ambiental, e que descobriu os primeiros cardumes de peixes mortos em 2006. Prieto também foi prefeito de São Leopoldo na década de 1970, ápice da indústria coureiro-calçadista, base da economia da região. “Acompanho a vida desse rio. Com 27 anos fiz minha primeira expedição a remo. Naquele tempo, conheci uma realidade. De lá para cá, fiz muitas outras expedições, então tenho uma visão do passado e do presente”, conta. “Na década de 1970, as grandes responsáveis pela poluição eram as empresas. Mas, nesse ínterim, surgiram órgãos fiscalizadores e legislações específicas (para coibir a poluição industrial). Os maiores poluidores hoje são os municípios, que não tratam adequadamente o esgoto”, afirma.

"Os maiores poluidores hoje são os municípios, que não tratam adequadamente o esgoto"

Henrique Prieto, secretário municipal de Meio Ambiente de São Leopoldo

Para o engenheiro agrônomo Arno Kayser, presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (Comitesinos), não há um único vilão. “É uma bacia relativamente pequena, mas com altíssima concentração urbana. Há indústrias, cidades com tratamento de esgoto insuficiente, atividade agrícola que drena muita água do rio e desmatamento das matas ciliares”, enumera.

Atualmente, dois importantes trabalhos em andamento buscam oferecer soluções para salvar o Rio dos Sinos. Ambos tem sofrido com atrasos. O Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos está sendo concluído a partir de uma mobilização do Comitesinos e deve ficar pronto em julho. Parceiro no desenvolvimento do estudo, o Pró-Sinos se encarregará de apresentar um plano de saneamento do rio. “Teremos um diagnóstico da situação e propostas do que nós queremos em um horizonte de 20 anos”, explica Viviane, diretora-executiva do Pró-Sinos.

Altas e baixas Além da poluição, moradores de cidades banhadas pelo Sinos convivem com outros problemas que já são velhos conhecidos. No alto verão, por exemplo, em época pouca chuva, o nível do rio costuma baixar, aumentando assim a concentração de matéria orgânica e diminuindo o nível de oxigênio da água. São condições ideais para que algo como o que aconteceu em 2006 volte a acontecer. Sem falar no racionamento de água, que passa a ser uma ameaça constante. E a situação seria pior não fosse a transposição de águas da bacia do rio Caí, na barragem do Salto, em São Francisco de Paula, que já acontece.

Já no inverno, época de chuvas fartas, o problema se inverte. É comum as cheias desalojarem centenas de famílias, mesmo com o acionamento de um sistema de diques. Sistema, aliás, que teve impacto ambiental razoável para ser construído. “Participei diretamente, como prefeito, da implantação dos diques. Foram obras necessárias, mas que tiveram um custo ambiental. Não sei se hoje faríamos como no passado”, afirma Henrique Prieto, que ressalva que, sem os diques, o número de desabrigados seria maior.

Assim, Viviane Diogo, do Pró-Sinos, defende que as intervenções sejam cada vez mais raras e, quando forem inevitáveis, que sejam feitas visando reduzir ao máximo o impacto ambiental. “A gente vê o crescimento da população sobre as áreas de banhado, que têm uma função importante na retenção de água. É preciso trabalhar para manter o ambiente natural. Intervenções podem ser necessárias, mas apenas em casos extremos”, diz a bióloga. “Os banhados davam um equilíbrio ecológico que não temos mais. Se chove nas cabeceiras, a água vem com violência, e não há o que diminua o ritmo”, explica Prieto.

"Se chove nas cabeceiras, a água vem com violência, e não há o que diminua o ritmo"

Henrique Prieto, secretário municipal de Meio Ambiente de São Leopoldo