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Rio Tietê São Paulo

Apesar de projeto bilionário, Tietê ainda é o rio mais poluído do Brasil

Thiago Tufano
Direto de São Paulo

O nome Tietê foi registrado pela primeira vez em um mapa no ano de 1748. De origem tupi, Tietê significa "água” (ti) “verdadeira" (eté). Além de dar nome a uma das mais movimentadas vias expressas do País, a Marginal Tietê, o rio que lhe inspirou o nome tem nada menos que 1.010 km de extensão, com nascente na cidade de Salesópolis, na serra do mar, interior de São Paulo. Apesar de cortar todo o Estado paulista e de ser de imensa importância para quem nele vive, o Tietê sofre com gravíssimos problemas de poluição e, de acordo com ranking do IBGE, ocupa o primeiro lugar como o rio mais poluído do Brasil.

Parte de sua poluição vem de 15 dos 34 municípios que compõem a região metropolitana paulista que não tratam seus esgotos. Lançados in natura em córregos e rios que desaguam no Tietê, eles contribuem pesadamente com a poluição do importante curso de água. Efluentes industriais também ajudam com o comprometimento da balneabilidade do rio que é tido, atualmente, como morto – ou incapaz de sustentar vida.

rio de JANEIRO
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rio de JANEIRO
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Desde 1991, foram gastos mais de US$ 3 bilhões, o equivalente, hoje, a R$ 6,6 bilhões, em esforços para limpar o Tietê. Os resultados, porém, não impressionam. O que não quer dizer que a situação não melhorou. “Despoluir não é uma tarefa rápida. Todos os países que conseguiram despoluir rios em regiões urbanas o fizeram lentamente por que não se tira poluição da água, na verdade se deixa de lançar esta poluição e a natureza se encarrega de diluir o que já está lá”, afirma Malu Ribeiro, coordenadora da Rede de Águas da organização não governamental SOS Mata Atlântica. “No caso do Tietê, o lodo contaminado chegou a ser dragado e isso ajudou ao retirar os metais pesados do curso de água”, afirma. O maior problema, porém, continua. Hoje, o Tietê e seu principal afluente, rio Pinheiros vivem situação parecida. Margeados por largas avenidas e destinos de toda sorte de poluição, eles continuam imundos.

Estudos da “SOS Mata Atlântica” atribuem a morte desses dois poderosos rios regionais a duas decisões políticas equivocadas tomadas no começo do século 20. A primeira foi a opção pela marginalização de ambos os corpos de água com a criação das vias marginais, que afastaram a população do contato com os rios. A segunda foi a opção pela alteração do curso da água para controle de enchentes e produção de energia.

“Não se tira poluição da água, na verdade se deixa de lançar esta poluição e a natureza se encarrega de diluir o que já está lá”

Os projetos de retificação e de grandes intervenções nos rios Tietê, Tamanduateí e Pinheiros começaram a surgir no início do século 19. Em 1866, o então presidente da Província de São Paulo, João Alfredo Correia de Oliveira, era um dos que defendia a necessidade de retificar os rios para urbanizar a área de sua várzea. Mas foi só no final daquele século, que a proposta começou a ganhar coro.

Nesta época, uma Comissão de Saneamento apontou o Tietê como o vilão das enchentes que afetavam a cidade. Menos de duas décadas depois, a nova Companhia de Melhoramentos de São Paulo reforçou a campanha com apoio de sanitaristas e engenheiros que defendiam não só a retificação do sinuoso rio, mas também medidas para o desassorear. À frente dos proponentes destas mudanças estava o engenheiro e sanitarista Francisco Rodrigues Saturnino de Brito, autor de diversos estudos sobre o Tietê.

Em 1926, Brito defendeu a preservação das áreas alagadas, as chamadas coroas, como recurso para ajudar na contenção das enchentes e argumentou que essas coroas seriam peça chave na paisagem do parque fluvial urbano por ele imaginado para São Paulo. O projeto idealizado por Brito previa um grande parque metropolitano no leito maior do Tietê. Na foz de cada afluente seria preservada uma ampla área para a construção de um lago. Assim, seriam formados dois lagos de três quilômetros de extensão por um quilômetro de largura com uma ilha no meio. Saturnino julgava ainda a preservação dos rios Tietê, Pinheiros e Guarapiranga como fundamentais à garantia de abastecimento de água não só na capital como em grande parte do interior do Estado.

Mas o projeto de Saturnino de Brito foi descartado pela administração seguinte que preferiu implantar o “Plano de Avenidas”, elaborado pelo engenheiro – mais tarde prefeito de São Paulo – Francisco Prestes Maia, então coordenador da Comissão de Melhoramentos do Rio Tietê. Este é o plano que, grosso modo, permanece até hoje. Ou seja, sem preservação da várzea dos rios e com projeto que privilegiou a construção de duas extensas avenidas marginais, 20 pontes de concreto armado desenhadas de forma a não comprometer a ocupação das margens por loteamentos públicos, bem como a instalação de um grande terminal ferroviário às margens dos rios.

Com isso veio a ocupação intensa da região e a industrialização com o despejo de toneladas de efluentes diários e em menos de 20 anos, mataram o rio e a qualidade de vida na capital. Ao alterar o curso natural dos rios e a dinâmica da bacia hidrográfica do chamado Alto Tietê alterou-se os rumos e a qualidade de vida de um sem número de gerações paulistas. Muito ainda terá de ser investido para recuperar os rios e garantir sustentabilidade.

Projeto Tietê

Em 1991, uma petição reuniu mais de 1,1 milhão assinaturas de cidadãos paulistas para que projetos de despoluição fossem enfim colocados em prática. O governo de São Paulo então finalmente deu início a um projeto de despoluição batizado de “Projeto Tietê”, a ser executado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), e que até 2016 terá investido US$ 3,6 bilhões – o equivalente, em abril de 2014, a cerca de R$ 7,9 bilhões.

Os valores estratosféricos se explicam não só pelo tamanho do problema, mas também por razões menos objetivas, como a burocracia. Para a coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, brigas políticas e falta de sincronia entre diferentes instâncias de governo também aumentam custos. “A compartimentação da legislação brasileira permite que o manejo do lixo caiba aos municípios enquanto o manejo da água e esgoto se divida entre estado e município, diz Ribeiro. “No estado de São Paulo, oito municípios não são operados pela Sabesp e isso dificulta a sincronização de obras. Disputas políticas também podem atrasar programas”, diz Malu.

Ainda assim, duas das quatro fases do Projeto Tietê já foram concluídas com relativo sucesso, a terceira está em curso e a quarta em planejamento. Na primeira fase, de 1992 a 1998, o investimento feito foi de US$ 1,1 bilhão e resultou na construção de quatro estações de tratamento de esgoto (ETEs): ABC, Parque Novo Mundo e São Miguel, além da ampliação da ETE Barueri. Segundo o governo, essas estações recebem os dejetos de diversas cidades e bairros, não apenas da região em que está localizada. Na ETE Barueri, por exemplo, é tratado mais de 50% do esgoto da cidade de São Paulo.

Nesta mesma etapa houve ainda ampliação do sistema de coleta e afastamento de esgotos. De acordo com a companhia, cinco milhões de pessoas foram beneficiadas e houve a ampliação de coleta de 70% a 80%. O tratamento do esgoto coletado aumentou de 24% a 62%. Houve também melhoria na qualidade da água do Alto Tietê, com a redução da mancha de poluição. Para Malu, do SOS Mata Atlântica, porém, há críticas a serem feitas, em especial ao modelo adotado, focado em megaobras como as estações de tratamento, as quais não teriam sido suficientes.

“Se (a primeira fase do) projeto fosse começar hoje, seria mais proveitoso apostar em pequenas soluções. Mas a cultura da época era a da megaobra então foram construídas grandes estações de tratamento”, diz Malu. Segundo ela, hoje, parte dessas estações não está funcionando com plena capacidade porque o esgoto não consegue chegar até a estação. Algumas estariam obsoletas. “Hoje estamos com 84% de coleta de esgoto e a meta até 2016 é chegar a 87%. O processo é lento e complicado, mas devemos chegar a isso no futuro porque, sem isso, não teremos água. As mudanças climáticas pelas quais estamos passando forçarão a cidade a se readaptar”, explicou a especialista.

Já na segunda fase, que foi de 2000 a 2008, o investimento foi de US$ 500 milhões e o destaque foi a construção dos 60 quilômetros do emissário do rio Pinheiros, que leva os esgotos da região da represa Billings até a ETE Barueri. Foram realizados 198 quilômetros de interceptores, 1,4 mil quilômetros de redes coletoras e 290 mil ligações de esgoto. Segundo a Sabesp, cerca de 3,5 milhões de pessoas foram beneficiadas e houve a ampliação de coleta de 80% para 84% enquanto o tratamento saltou de 62% para 70%. Com o emissário Pinheiros, houve ainda a consequente redução de carga poluidora na Billings. Triplicou a vazão tratada nas ETEs da 1ª para a 2ª fase.

Malu, da SOS Mata Atlântica, considera a opção pelo emissário equivocada pela mesma razão que critica a construção das mega-estações de tratamento. “De novo, o ideal seria ter construído pequenas estações pela cidade. Assim não seria preciso deslocar o esgoto em 60km para ele ser tratado”.

Na terceira e penúltima fase, iniciada em 2010 e com encerramento previsto para 2016, 1,5 milhão pessoas serão beneficiadas com rede de coleta. O tratamento de efluentes passará a incluir outras 3 milhões de pessoas e o investimento será de US$ 2 bilhões. Serão 580 quilômetros de coletores e interceptores, 1.250 quilômetros de redes coletoras, 200 mil ligações domiciliares e aumento de capacidade de tratamento das estações em 10.500 litros por segundo. A coleta subirá de 84% a 87% e o tratamento, de 70% a 84%.

Já a quarta e última etapa deve garantir a universalização do saneamento nas áreas regulares atendidas pela Sabesp. Essa etapa está em fase de planejamento e financiamento e, de acordo com a companhia, estará concluída até o fim desta década.

Resultados

Com a primeira e segunda fases (1992-2008), o esgoto gerado por uma população de 8,5 milhões de pessoas passou a ser tratado, segundo a Sabesp. Ou seja, em menos de 20 anos, a companhia passou a tratar os dejetos de uma população equivalente à de Londres. Um estudo da SOS Mata Atlântica mostra que a mancha de poluição no Rio Tietê diminuiu em 160 km entre 1992 e 2008. No começo dos investimentos, a poluição chegava até a barragem de Barra Bonita, a 260 km da capital. Com o fim da segunda etapa, em 2008, essa mancha recuou até Salto, a 100 km de São Paulo.

Segundo o Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), que faz a dragagem do fundo do Tietê, de janeiro de 2011 a março de 2013, foram retirados 17 mil pneus de dentro do rio. Uma quantidade suficiente para equipar 4.250 veículos. Milhões de bitucas de cigarro, outro dejeto com grande potencial poluidor – uma bituca produz contaminação semelhante a um litro de esgoto – também são frequentemente dragadas. O grosso das 77 milhões de bitucas descartadas todos os dias na Grande São Paulo acaba no rio já que poucos sabem se desfazer delas da forma correta.

“Felizmente, o projeto, como um todo, está sendo cumprido com rigor”, diz Malu, em balanço sobre o Projeto Tietê. Ela lembra, porém, que ainda há muito a ser feito. “A questão das moradias irregulares preocupa e pode atrasar cronogramas”, afirma. O governo promete universalizar o saneamento básico até 2018, mas se as moradias irregulares não forem contempladas, o retorno de tanto investimento pode não ser o esperado. “Temos invasões com mais de 40 mil pessoas. Isso pode ser um grande complicador, não basta só tecnologia e obras”, lembrou a especialista.

Efeitos da poluição

Entre os problemas mais perceptíveis causados pela poluição dos rios Pinheiros e Tietê estão o mau-cheiro e a degradação visual das regiões banhadas por eles. Além disso, há também os riscos elevados para saúde, com doenças de veiculação hídrica, perda de qualidade de vida decorrente de um ambiente degradante e insalubre, perda da identidade cultural, de autoestima e depreciação de patrimônio, com danos expressivos à economia e à sustentabilidade da região. “O odor é o principal incômodo”, diz Malu Ribeiro, coordenadora da Rede de Águas da organização não governamental SOS Mata Atlântica. “Não dá nem para chamar de rio”, crava.

Expectativa e crise

Com a grave crise de desabastecimento que tomou São Paulo e sua região metropolitana de assalto nos começo de 2014, especialistas já tratam como real a possibilidade de o governo recorrer às águas dos rios paulistas para abastecer a cidade nos próximos anos. “(Este desejo) vai deixar de ser uma vontade de ambientalista pra ser uma necessidade”, diz Malu, do SOS Mata Atlântica. A partir de 2018, por exemplo, muitos acreditam que esses corpos de água já estejam reintegrados à paisagem urbana.

“Rios limpos e sem odores poderão ser usados para navegação. A limpeza também diminuirá doenças de veiculação hídrica. Queremos que as margens dos rios e os rios se tornem espaços sociais. Provavelmente não iremos nadar nesses rios, nem nossos filhos, nem netos, mas eles poderão ter cidades mais saudáveis”, afirma Malu.