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Governo corre para limpar lagoa da Tijuca a tempo dos Jogos Olímpicos Rio 2016

Marcus Vincíuis Pinto
Direto do Rio de Janeiro

A cidade olímpica é um canteiro de obras. Prédios, instalações olímpicas, novas linhas de ônibus e metrô são apenas algumas das estruturas sendo erguidas. Mas tudo isso, dentro de 30 meses, pode cheirar muito mal. Isso porque, no que se refere ao projeto de dragagem e limpeza de rios e canais próximos da estrutura do evento, está tudo parado. E basta se aproximar de uma das lagoas da região do Parque Olímpico para sentir o mau cheiro do atraso. O Terra navegou na lagoa da Tijuca acompanhado do biólogo Mário Moscatelli, que tem um projeto de recuperação da área de mangue e de parte do sistema lagunar do Rio. “Hoje, um dos maiores patrimônios ambientais da cidade do Rio, o sistema lagunar da Baixada da Jacarepaguá, é uma latrina. Só aqui, na lagoa da Tijuca, tem 6 milhões de metros cúbicos de lama e lixo”, conta.

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A grande chance de transformar esses locais são os Jogos Olímpicos. E de acordo com Moscatelli, foi a iminência desse grande evento que finalmente fez surgir a vontade política, o dinheiro e os projetos para reverter a situação do sistema lagunar. Acontece que a licitação feita pela Secretaria de Estado do Ambiente para esta missão, no valor de R$ 650 milhões, ficou emperrada no judiciário por cinco meses – de julho de 2013 a dezembro.

Na época, uma das empresas derrotadas entrou com pedido de anulação da licitação por suspeita de formação de cartel por parte das vencedoras. E foi só no apagar das luzes de 2013 que o desembargador Luiz Sveiter finalmente revogou a liminar que proibia a realização de uma nova licitação para escolher quem tocaria a recuperação das lagoas. “Havia uma briga na justiça, mas ela acabou”, diz o secretário estadual de meio ambiente, Índio da Costa, que assumiu o cargo em fevereiro de 2014. “Já assinei o contrato com as empresas vencedoras e elas começam as obras no máximo no mês de julho. Não houve discussão sobre valores no Tribunal de Contas e tudo está correto”, confirmou o secretário ao Terra. As obras finalmente começaram em 5 de junho.

“O prazo é de 30 meses e faltam 29. Um mês a mais, um mês a menos é só questão de acelerar um pouco”

Índio da Costa garante que há tempo necessário para que tudo fique pronto. “O prazo é de 30 meses e faltam 29. Um mês a mais, um mês a menos é só questão de acelerar um pouco”, afirma. Ele parece não perceber que entre junho de 2014 e julho de 2016 há 25 meses, e não 30 – ou seja, será mesmo preciso acelerar.

“As dragagens deveriam ter começado há dois anos, em janeiro de 2012. Mas como no Brasil tudo se empurra com a barriga, chegamos no limiar”, critica o biólogo Mário Moscatelli. “Obra de dragagem não é ciência perfeita. Você tem que comprar máquinas e não é qualquer empresa de fundo de quintal que pode fazer e que dá conta de um passivo ambiental tão grande como esse”, afirma. “Não sei se vamos passar vergonha. Apesar de já estarmos passando vergonha nos aeroportos e em toda a infraestrutura que já deveria estar pronta e não está. O Rio não ficou sabendo que ia ser sede da Olimpíada na semana passada. É uma esculhambação”, diz. Índio da Costa é mais otimista. “Não tenho nenhuma dúvida de que vai tudo certo. Até 2016 a Lagoa estará refeita, dragada e com uma nova cara.”

Panorama geral

Basta uma volta de barco pela Lagoa da Tijuca para ver que o panorama não é animador. É fácil ver que degradação tomou conta não só desta lagoa, mas também da lagoa de Jacarepaguá, que margeia o futuro Parque Olímpico, a lagoa de Camorim e a de Marapendi, a menos degradada das três. Para começar, a água é verde abacate, fruto das cianobactérias que se multiplicam quando se chega a esse grau de degradação.

Em volta se vê de tudo. Pneus, por exemplo, Moscatelli e sua equipe de dez homens conseguiram contar 180 em apenas um dia de trabalho. Há ainda tambores de máquina de lavar roupa, televisão, sofás, ventiladores, vasos sanitários e muitas garrafas plásticas de todos os tipos e tamanhos. Por incrível que pareça, há vida animal. Nas águas do complexo lagunar se vê jacarés, capivaras, garças e, em alguns pontos mais bem cuidados, alguma ave. “Também tem peixe, mas é tilápia e tilápia sobrevive até no inferno”, diz Moscatelli. “Tudo o que é possível jogar no rio as pessoas jogam. Hoje, um dos maiores patrimônios ambientais da cidade do Rio, o sistema lagunar da Baixada da Jacarepaguá, é uma latrina”, reforça Moscatelli, que atribui parte do problema à falta de educação das pessoas.

“Também tem peixe, mas é tilápia e tilápia sobrevive até no inferno”

A lagoa da Tijuca mostra duas realidades do Rio. De um lado, os prédios de classe média alta, que pagam pelo trabalho de conservação de parte da lagoa para diminuir o mau cheiro e valorizar os imóveis. A equipe deles tem 10 homens trabalhando diuturnamente para instalar redes de proteção nos mangues contra o lixo e fiscalizar a caça ilegal.

Do outro, estão as comunidades que não tem esgoto tratado e acabam despejando o lixo que produzem diretamente nos rios. Ele então segue para as lagoas e delas invade o mar, poluindo os balneários mais famosos do Brasil. “É a vingança da natureza. A natureza não se protege, ela se vinga. No verão, isso é pior quando você tem bastante luz, cocô à vontade e água quente” explica.

Um dos grandes problemas da área, seja ela ocupada por comunidades pobres ou condomínios de luxo, é a falta de saneamento básico. “Nessa região, você tem entre 800 mil e 1 milhão de pessoas e só metade, segundo as estatísticas oficiais, tem tratamento de esgoto. Os outros 400 mil ou 500 mil não tem. Toda a bacia hidrográfica da cidade que desemboca em algum sistema lagunar faz dele um valão de merda. Embora se fale de saneamento sendo realizado, o que se pode ver quando se adentra na lagoa e se chega perto de comunidades como rio das Pedras, por onde passa um dos rios que desemboca na Lagoa, é que a água passa do verde abacate para o pret. Essa água não tem mais oxigênio. O borbulhamento é o resultado do gás sulfídrico e do metano”, explica.

O Rio de Janeiro corre contra o tempo. Embora a recuperação da baía de Guanabara, da lagoa Rodrigo de Freitas e das lagoas de Jacarepaguá façam parte do projeto do item 5.3 do Plano de Gestão e Sustentabilidade do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos, há atrasos importantes. A baía da Guanabara, local das provas de vela que já recebeu críticas de várias federações internacionais, deve ter 80% de suas águas limpas até 2016.

Já para a lagoa Rodrigo de Freitas, que segundo Moscatelli é a Disneylândia perto do panorama das lagoas de Jacarepaguá, ainda precisa controlar a emissão de esgoto local e ter um plano de emergência em caso de mortandade de peixes. “E que a Lagoa deixe de ser o penico da zona sul do Rio” afirmou o biólogo. Mas o fato é que até agora pouca coisa foi feita na região que vai receber 70% dos esportes dos Jogos Olímpicos de 2016

A política ainda pode atrapalhar um pouco mais todo o processo. Índio da Costa (PSD-RJ) mal entrou no governo e já tem data para deixar o cargo: junho. “Vou ser candidato, mas a equipe que entrou comigo vai dar continuidade ao trabalho. É o mesmo governo, Cabral e Pezão”, disse. Índio assumiu o cargo em janeiro quando Carlos Minc, do PT, deixou o cargo. “A sequência independe de questões partidárias. O Estado continua trabalhando em uma direção e está avançando”, garante. Mas o tempo é cada vez mais curto e a situação das Lagoas é cada vez pior.

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