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Rio Doce - Minas Gerais

Um dos mais poluídos do Brasil, rio Doce está em processo de desertificação

Ney Rubens / Especial para o Terra
Direto de Belo Horizonte

No disco “Estradas”, de 1980, o cantor e compositor mineiro Zé Geraldo, cantou: “(...) Deixo suas margens ricas sob a sombra lírica da Ibituruna (...) Oh! Meu rio Doce, doce são os seios da morena flor / Cor do seu Ipê / Que vive sob as gameleiras, pés de jenipapo / Junto de você / Leva essa morena no seu leito manso / Faz o seu remanso se vestir de azul / Que eu tô levando a minha mocidade / Pras velhas cidades e praias do sul.”

Trinta e quatro anos depois de lançar esta música, batizada de “Rio Doce”, o artista nascido em Rodeiro, na zona da mata mineira, e criado em Governador Valadares, na região leste do Estado, teria dificuldades para repetir os versos da canção que narra sua partida para a cidade grande. O rio Doce não tem mais gameleiras e pés de jenipapo. Suas margens não são mais ricas. Pelo contrário.

Rio Doce - Minas Gerais
Rio Doce - Minas Gerais
Rio Doce - Minas Gerais

Conhecido nas últimas décadas pelas cheias causadas pelo excesso de chuva, o rio Doce está em processo de desertificação e é o décimo rio mais poluído do Brasil, segundo ranking do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Seus 853 km de extensão entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo estão hoje tomados pelo assoreamento e pelo esgoto doméstico, rural e industrial. Em suas margens restam menos de 1% de mata nativa.

O problema foi agravado, segundo ambientalistas, pela construção da usina hidrelétrica Eliezer Batista, inaugurada em 2005 em Aimorés, na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo. “O cidadão em Aimorés não é feliz. Quando ele olha para o rio Doce, ele é só tristeza, é um cidadão frustrado. A gente tinha um rio, hoje a gente não tem mais”, lamenta Orlando Nunes da Silva, ambientalista parceiro do Instituto Terra, criado em 1998 pelo fotógrafo Sebastião Salgado e sua mulher, Lélia Deluiz Wanick.

“Antes da usina, em dias normais, o rio tinha uma vazão total de 400 mil litros por segundo. Hoje esse volume é de cerca de 16 mil litros. Para um rio com uma calha grande e larga como é o rio Doce isso não é nada. E hoje, as águas são turvas e pesadas. “Nos foram vendidas promessas de que a situação iria melhorar, mas o que se viu foi uma piora expressiva. A temperatura média aumentou e hoje o rio Doce é um rio extenso, mas pobre de tudo”, diz Silva, do Instituto Terra. “Quando a gente tinha rio, tinha muito peixe, mais de seis espécies grandes, além de surubim, dourado, curimatã, cascudo e lagosta. Na cidade havia pelo menos 15 peixeiros no mercado. Hoje não tem mais nada disso”, conta.

Projeto de revitalização

Edson de Oliveira Azevedo, diretor administrativo financeiro do IBIO AGB Doce, agência ligada à Agência Nacional de Águas (ANA) e ao Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais, diz que até existe um plano integrado de recursos hídricos com um diagnóstico da situação da bacia do rio Doce que prevê toda sorte de ações para recuperá-la. “Mas vai demorar muito para o ele ser revitalizado”, afirma. “Sendo bastante otimista, é coisa para os próximos 20 anos, 30 anos”, afirmou.

Segundo Azevedo, o IBIO utiliza verbas arrecadadas com o uso da água para executar o projeto. “Temos também os comitês do rio Doce e de seus afluentes em Minas Gerais. Cada comitê recebe recursos depositados diretamente na conta da ANA, já que o rio é de domínio federal por cortar dois Estados”.

O projeto prevê, entre outras coisas, a recuperação das nascentes e das áreas degradadas, o pagamento por serviços ambientais aos produtores rurais que recuperarem nascentes e matas ciliares, a conscientização para o uso racional da água para irrigação rural e o enfrentamento ao despejo de esgoto sem tratamento.

Um rio indigno de seu nome

O rio Doce tem esse nome porque, segundo historiadores, quando os portugueses passavam com suas embarcações na costa do Espírito Santo, onde o rio deságua, eles viam uma água caudalosa, de cor forte, invadindo o mar. “Eles diziam que era uma água doce. Daí o nome pegou”, explicou Azevedo.

Questionado se nos dias de hoje o rio Doce poderia ser chamado de doce, Azevedo foi taxativo. “Não, ele muito salgado e muito poluído”, sentenciou. “Mas a natureza responde muito bem às ações de revitalização. Eu tenho a esperança de que a gente ainda vai ver esse rio recuperado”, disse.

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