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Rio das Velhas - Minas Gerais

Morar às margens do rio das Velhas era privilégio, hoje é vergonha, diz morador

Ney Rubens / Especial para o Terra
Direto de Belo Horizonte

O motorista de ônibus Célio José Apolinário mora há mais de meio século em uma propriedade simples às margens do rio das Velhas, na comunidade de Pinhões, em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte. O rio, velho companheiro, já foi motivo de orgulho e alegria. Hoje, porém, só traz vergonha. “Quando eu era criança, nadava e brincava no rio. Hoje, um mergulho já é o suficiente pra pegar uma doença e até morrer”, diz Apolinário. “Quando a gente fala que vive na beira de um rio as pessoas se interessam, mas quando elas descobrem que é o rio das Velhas, riem da gente”.

Apolinário fazia a limpeza do pequeno pasto de sua propriedade quando a reportagem chegou. No local ele cria seis vacas, três cavalos, galinhas e porcos. Uma bela horta completa seu pequeno sítio. “A água do rio só serve para molhar as plantas – e isso só de vez em quando”, explica. Ele precisa recorrer a um poço artesiano e à água distribuída pela empresa de saneamento da cidade para dar de beber aos animais.

Diante do rio, Apolinário mostrou a água suja e as margens tomadas por lixo industrial e residencial e disse que em dias de correnteza forte até dá para ver alguns peixes – “todos mortos”. “Não vemos um peixe vivo nestas águas há mais de 20 anos”, afirmou.

Rio das Velhas - Minas Gerais
Rio das Velhas - Minas Gerais
Rio das Velhas - Minas Gerais

O rio das Velhas

Com 801 quilômetros, o rio das Velhas é o maior afluente em extensão da bacia do rio São Francisco. Nasce no município de Ouro Preto, a 100 quilômetros de Belo Horizonte, e deságua no Velho Chico no distrito de Barra do Guaicuy, município de Várzea da Palma, região central de Minas Gerais.

A história da ocupação da bacia do Rio das Velhas começa na última década do século 17, quando bandeirantes utilizaram o caminho do rio para investir rumo ao interior do país em busca de ouro e pedras preciosas. Nesse processo de interiorização, os primeiros povoados de Minas começaram a se estabelecer. De acordo com o professor Apolo Heringer Lisboa, ex-coordenador do Projeto Manuelzão, criado em 1997 por professores na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para revitalizar o rio das Velhas, há duas lendas que explicam o nome do curso de água.

“A primeira diz que quando os bandeirantes chegaram ao rio, os índios mais novos correram e restaram apenas as índias velhas, que já não conseguiam correr devido à idade”, explica. “A segunda versão conta que o rio, na realidade, se chama rio das Velhas Tribos Descendentes, já que ele corre por regiões tidas como berços da civilização mineira, como é o caso de Lagoa Santa”, afirma. Com o tempo, o “tribos descendentes” teria caído em desuso até restar apenas rio das Velhas.

Além de Lagoa Santa, outros 51 municípios que abrigam uma população superior a 4,8 milhões de habitantes, segundo dados Censo 2010, são banhados pelo rio das Velhas. O grosso da população atendida está na região metropolitana de Belo Horizonte, que embora ocupe apenas 10% da área territorial da bacia, reúne mais de 70% dos atendidos por ela.

Poluição e tratamento

Segundo o Comitê da Bacia do Rio das Velhas e a Companhia de Abastecimento de Àgua e Esgoto de Minas Gerais (Copasa), o esgoto doméstico lançado sem tratamento na água é a principal fonte de poluição do rio das Velhas.

De acordo com Walter Vilela Cunha, secretário do comitê da bacia do rio das Velhas e gestor da meta 2014 do projeto de sua despoluição, 86% de todo o esgoto coletado na região metropolitana de Belo Horizonte e que deságua no Rio das Velhas é tratado. “Faltam 14% que deságuam sem tratamento”, admite. “Mas para atingir 100% de tratamento, é preciso urbanizar uma série de cidades e isso é de responsabilidade das prefeituras”, afirma. “A expectativa é que até o fim de 2014 chegaremos a 90% de esgoto tratado – os 10% restantes devem ser contemplados até o final de 2016”.

Segundo Cunha, nas cidades onde a Copasa já tem a concessão de tratamento de esgoto e fornecimento de água, todas as estações estão operando ou em fase final de construção. Cidades de grande porte ainda sem sistema de tratamento, como é o caso de Nova Lima, Sete Lagoas e Caeté, podem atrasar a solução mais completa do problema em até três anos. .

Além do esgoto doméstico lançado in natura, ou seja, sem tratamento, no rio das Velhas, outro grave problema ambiental na bacia é o desmatamento nos topos de morros, encostas, vales de rios e matas ciliares. Segundo levantamento do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, extensas áreas de vegetação nativa deram lugar, nos últimos anos, às monoculturas. Também foi verificada a retirada de vegetação, às vezes em áreas de preservação ambiental, para expansão da urbanização por meio da implantação de grandes condomínios, principalmente na região metropolitana de Belo Horizonte. Como consequência mais grave, há o assoreamento, que compromete o fluir do rio, diminui a vazão de sua calha e dificulta a diluição da poluição.

Em outros pontos, principalmente na região do Quadrilátero Ferrífero, região central de Minas Gerais famosa pela produção de minério de ferro, a água do rio das Velhas apresenta concentração de metais como cobre, manganês e níquel e sólidos descartados por mineradoras desativadas e em operação, além de dragas que retiram areia do leito do rio.

Cianobactérias

Grande parte do rio das Velhas está tomada por cianobactérias, um tipo de alga que se espalha sem controle e que tem como causa a concentração de poluentes gerada por descargas de esgoto domésticos e industriais tanto de centros urbanos quanto de regiões rurais e com forte atividade agrícola. Segundo pesquisa coordenada por Marcus Vinícius Polignano, presidente do Comitê da Bacia do Rio das Velhas e do Projeto Manuelzão, um voo realizado no segundo semestre de 2013 revelou que a situação do curso de água é mais preocupante no trecho que vai de Santana de Pirapama, a 137 quilômetros de Belo Horizonte, até a foz no encontro com o rio São Francisco, cerca de 300 quilômetros adiante. “A principal preocupação com o aumento das florações de cianobactérias em mananciais de abastecimento de água é a capacidade que esses micro-organismos têm de produzir e liberar toxinas (cianotoxinas) que podem afetar a saúde humana, tanto pela ingestão de água quanto por contato em atividades de recreação no ambiente,” disse Polignano em entrevista ao site do Projeto Manuelzão. Enquanto estas questões básicas não forem endereçadas, são poucas as chances de o rio das Velhas voltar a orgulhar mineiros como Célio José Apolinário.