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Gravataí - Rio Grande do Sul

Nem 10% do esgoto das nove cidades por onde o rio Gravataí passa são tratados

Eduardo Herrmann, GHX Comunicação
Especial para o Terra

De acordo com os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rio Gravataí é o quinto com a situação mais crítica em todo o Brasil. O que surpreende é que, a partir do afunilamento das águas vindas do Banhado Grande – área de proteção ambiental entre os municípios de Gravataí, Santo Antônio da Patrulha, Glorinha e Viamão, onde o curso toma forma, ainda limpo –, até desaguar no delta do Jacuí, são apenas 40 km de extensão. Como um rio pode se tornar um dos mais poluídos do País em uma distância tão curta?

Rio Gravatai - Rio Grande do Sul
Rio Gravatai - Rio Grande do Sul

O tamanho do problema

Depois de já ter recebido águas dos arroios, ou pequenos cursos de água, de Santo Antônio da Patrulha e Glorinha – cidades pequenas e sem tratamento de esgoto – o rio avança para a agonia. Gravataí, Cachoeirinha, Alvorada, zona norte de Porto Alegre e sul de Canoas contribuem despejando imensas cargas se esgoto orgânico e químico no rio. Apesar de depender do rio Gravataí para o abastecimento de um milhão de pessoas, indústrias e lavouras da região, muitos municípios insistem em usar o curso de água para despejo de esgoto sem tratamento. Nas cidades pelas quais o curso passa, o percentual médio de esgoto doméstico tratado é inferior a 10%.

“Além disso, há locais onde a rede de tratamento de esgoto chega, mas os moradores não fazem a ligação, que deveria ser providenciada no momento em que se faz a obra”, revela o engenheiro civil Paulo Robinson da Silva Samuel, que preside o Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí (Comitê Gravataí). Sérgio Cardoso, presidente da Associação de Preservação da Natureza do Vale do Gravataí (APN-VG), lembra ainda que o crescimento demográfico da região também agravou o problema. “São locais de grande urbanização, que tiveram aumento populacional muito forte e o tratamento de esgoto não acompanhou. Porto Alegre, por exemplo, tem 350 mil de seus cidadãos morando na bacia do Gravataí”, afirma.

Clóvis Braga, presidente da ONG Associação Para Pesquisas de Técnicas Ambientais (APTA), de Canoas, destaca que, além do esgoto doméstico, há grande quantidade de lixo no rio. “A poluição por sólidos é muito forte. Em alguns locais, a população que invadiu áreas próximas ao curso de água trabalha com reciclagem, mas o que é recolhido e não tem serventia acaba indo para o rio”, afirma, criticando a falta de fiscalização pelos órgãos responsáveis. Ele também aponta o dedo ao setor industrial. “Como não são fiscalizadas, muitas indústrias na beira do rio não cumprem a legislação e jogam seus efluentes diretamente no rio.” Como consequência, em determinadas épocas, o nível de oxigênio da água em alguns trechos chega a zero, inviabilizando a vida dos peixes.

Estudo

A fim de resolver essa grave situação, foi concluído em julho de 2012 o Plano Hidrográfico da Bacia do Rio Gravataí, o primeiro a ser finalizado no estado do Rio Grande do Sul. Conduzido pelo Comitê Gravataí, o estudo apresenta fases de diagnóstico, cenários previstos e ações propostas para a melhoria das condições do rio. “Projetamos um cenário futuro no qual o primeiro trecho do rio, antes do banhado, será de classe 1; a área do banhado, de classe especial; depois do banhado, classe 1 de novo e após a urbanização, classe 2”, explica Samuel, do Comitê Gravataí.

Essa classificação da qualidade das águas foi estabelecida pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A classe 1 é a mais adequada para o abastecimento e equilíbrio natural das comunidades, enquanto a classe 4 é a mais crítica, podendo ser destinada apenas para a navegação. A classe especial é a que não sofre qualquer interferência humana.

Hoje, segundo Samuel, o rio Gravataí já está na classe 2 até o arroio Demétrio, um pouco antes da área urbana de Gravataí, local onde já avança para a classe 3. Após Gravataí, chega à classe 4 e nela permanece até a foz. Atingir os objetivos de melhoria estabelecidos pelo Plano Hidrográfico da Bacia do Rio Gravataí deve levar décadas. “Inicialmente, propusemos ações para os próximos cinco anos”, conta Samuel. “O plano então será revisto, como prevê a legislação, e daremos início à fase seguinte de melhorias”, afirma Samuel.

Soluções

O orçamento estimado pelo plano de ações executadas em 2013 foi de R$ 74,2 milhões, dos quais 80%, conforme o presidente do Comitê Gravataí, já foram destinados a obras de saneamento de esgoto. Os demais foram divididos entre ações de monitoramento das águas, aumento da disponibilidade hídrica e educação para o uso consciente do precioso recurso.

Clóvis Braga, da APTA, se mantém cético. “Estamos muito atrasados. O estudo nada adianta se não for colocado em prática, o que demanda recursos e vontade política. Os planos de bacia e de manejo acabam sempre na gaveta, sem qualquer comprometimento”, afirma.

“Os planos de bacia e de manejo acabam sempre na gaveta, sem qualquer comprometimento”

Clóvis Braga, da Associação Para Pesquisas de Técnicas Ambientais (APTA)

Já Sérgio Cardoso, da APN-VG, é mais otimista e prefere destacar as ações que já estão em curso. “Nós teremos, para os próximos dois ou três anos, bons resultados no que diz respeito ao tratamento de esgoto”, garante, referindo-se aos investimentos da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) para a ampliação do tratamento de esgoto nos municípios da bacia. Em Porto Alegre, o órgão responsável pelo abastecimento e tratamento de esgoto é o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Segundo a sua assessoria de imprensa, em outubro de 2014 será inaugurada uma estação de tratamento de efluentes na zona norte de Porto Alegre, região banhada pelo rio Gravataí. Assim, o tratamento de esgoto doméstico nos bairros do norte da capital, que hoje não existe, passará, finalmente, a funcionar. Será um passo importante no sentido de finalmente limitar as fontes de poluição do curso de água.

"Nós teremos, para os próximos dois ou três anos, bons resultados no que diz respeito ao tratamento de esgoto"

Sérgio Cardoso da Associação de Preservação da Natureza do Vale do Gravataí (APN-VG)