Este sábado, 25 de janeiro de 2014, marca os 30 anos do comício que seria, até então, a maior expressão popular pela derrubada da ditadura instalada no País em abril de 1964. O evento ocorreu na Praça da Sé, região central de São Paulo, e reuniu cerca de 300 mil pessoas –para a época, e até hoje, um verdadeiro feito.

O comício abraçava a campanha das Diretas Já, que pedia o fim da eleição indireta para presidente da República, governadores de Estado, prefeito de capitais e um terço do Senado. Setores de mídia apoiaram a campanha, expressa no Legislativo na emenda constitucional Dante de Oliveira – batizada com o nome de seu autor, deputado federal pelo Mato Grosso, em 1983. A proposta marcava ainda para 15 de novembro de 1984 a eleição para o Planalto.

O comício conseguiu reunir políticos de trincheiras opostas, artistas das mais diferentes vertentes, atletas rivais. Pintou a Sé não só de verde-amarelo, mas também com as cores das correntes políticas que saiam do ostracismo após mais de 20 anos de repressão. A manifestação foi o estopim que faltava para que outras cidades brasileiras levantassem a voz contra o regime. A partir daquele dia 25, o Brasil não seria mais o mesmo.

Marcado para comemorar os 430 anos da capital paulista, o evento, organizado pelo então governador de São Paulo, Franco Montoro, se transformou numa grande manifestação popular por liberdade. O comício reuniu políticos do quilate de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, além do próprio Dante de Oliveira. Lideranças sindicais como Luiz Inácio Lula da Silva e intelectuais como Fernando Henrique Cardoso – ambos eleitos presidentes anos depois – dividiram o mesmo palanque.

Entre os artistas, dividiram o palco com os políticos os músicos Chico Buarque, Alceu Valença, Jards Macalé, Gilberto Gil; atrizes como Cristiane Torloni , Beth Mendes, e Fernanda Montenegro; jogadores de futebol consagrados na época, como os corintianos Sócrates e Vladimir.

Naquele dia também surgiu a musa da campanha. Com 27 anos na época, a cantora Fafá de Belém arrebatou a multidão com “Menestrel das Alagoas”, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Os músicos homenageavam, na letra, o político alagoano Teotônio Vilela, defensor da proposta das Diretas, morto em 1983. Junto com “Coração de Estudante”, também de Nascimento, “Menestrel”, interpretada por Fafá nos comícios seguintes da campanha, seria uma espécie de hino da causa.

Pelas diretas, até metrô de graça

A multidão chegou cedo naquele dia 25 na Praça da Sé. As bandeiras de partidos como o PT, PDT e o PCB já tremulavam na frente do palco horas antes do início das manifestações. E o público chegou em peso, tomando cada espaço da Sé. O repórter de Política do jornal Folha de S.Paulo, à época, o jornalista Carlos Brickman lembrou que, então governador e adepto da campanha, Montoro chegou a liberar o Metrô no dia do comício, sem pagamento de passagem, para atrair mais público. “Ele (Montoro) não era o cara que atraía o público, mas era o que criava condições”, destacou.

Para ele, o clima era o de que a causa seria ganha “no grito”. “A gente acreditava de verdade que, na hora que chegasse em Brasília, a coisa ia mudar”, afirmou. “Duvido que alguém naquela multidão tenha ouvido a rigor o que falaram o Ulysses, o Tancredo, o Brizola. Todos eles eram, digamos, conquistadores de multidões. Mas eu tenho a impressão de que as pessoas estavam mais ouvindo o slogan (das diretas) do que o discurso em si.”

Mesmo com mobilização popular, emenda foi derrotada

Três meses depois do Comício da Sé, em 25 de abril de 1984, dia da votação na Câmara dos Deputados, o projeto de emenda foi rejeitado. Eram necessários dois terços do total de 479 parlamentares, mas a campanha conseguiu 298, ou 22 a menos.

O professor do departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Pedro Fassoni Arruda destacou que, no dia da votação, o Congresso permaneceu cercado por tropas do Exército, ante a alegação do governo de “medida de segurança para que os deputados pudessem votar ‘sem pressão popular’”.

“Com a derrota da emenda, a cúpula do PMDB se afastou do movimento popular e iniciou uma série de negociações com os defensores do Colégio Eleitoral. Ignorando outras tentativas de aprovar eleições diretas, participaram das articulações para o lançamento de uma candidatura indireta”, afirmou o historiador. Nome do PMDB com apoio do colégio formado, em maioria, pelos governistas do PSD, Tancredo lançou-se candidato e venceu em 15 de janeiro de 1985, data que oficialmente encerrou o regime.

Oliveira defende, no entanto, que não só o comício da Sé, mas o conjunto de comícios realizados em capitais derrubou o regime.

“Esses comícios, como o da Sé, foram uma espécie de frente única das oposições e de fato mobilizaram a opinião pública em várias cidades. Mas há que se destacar que torturadores daquela época ainda não foram responsabilizados, fora que ainda temos um aparelho de Estado fortemente militarizado. São elementos de continuidade, eu diria, apesar de toda essa mobilização do passado”, ponderou.

Professora titular do Departamento de História da Universidade de São Paulo, Zilda Iokoi destacou que multidões como a da Sé foram registradas “em um tempo que não tinha gente nas ruas reclamando”.

“Estive em todas as passeatas, em todos os comícios que vieram na sequência. Eram sindicatos, partidos, organizações que ainda não tinham legalidade, moradores de rua, estudantes e intelectuais participando, uma verdadeira cerimônia cívica. De um lado, havia a pré-disposição da sociedade civil de que bastava de arbítrio – os assassinatos (do jornalista) Vladimir Herzog e (do operário) Manuel Fiel Filho eram fatos considerados --; de outro, havia as pressões internacionais e o fracasso do projeto politico da ditadura, aliado a uma inflação imensa”, declarou.

“Sem a ocupação do espaço público com a população na rua, não se consegue transformação. E na Sé, nossa Igreja, sempre tão conservadora, de repente se abriu como um espaço de acolhimento pela ação de Dom Paulo Evaristo Arns – um dos líderes, anos antes, do culto ecumênico, na mesma praça, em memória do Herzog”, completou a historiadora, para concluir: “De repente, a Praça da Sé virou o lugar da liberdade: era assim que todos, ali no comício, se entendiam.”

A fotógrafa Ana Carolina Fernandes era estagiária do jornal O Globo no início de 1984, quando os comícios pelas eleições diretas para presidente da República começaram a se multiplicar pelo Brasil. Na reta final, ela esteve presente no comício da Candelária, no Rio de Janeiro, e acompanhou a votação da emenda constitucional em 25 de abril de 1984. Faltaram 22 votos para que o sonho dos brasileiros naquele momento se concretizasse.

Em Brasília, no dia da votação, ela se recorda da decepção provocada pela derrota da emenda Dante de Oliveira. “Foi uma coisa assim bem frustrante. Triste, foi mais triste. Porque foram só 22 votos. Tinha muito essa esperança de passar aquela emenda", afirma.

Porém, mesmo com o resultado desfavorável, ela conta que ficou um sentimento de que a luta não havia acabado. "Eu acho que essa coisa de eles cantarem o hino ali (no Congresso) foi uma coisa tipo assim, a luta continua. A sensação que ficava é que a luta continuaria. Foi só uma batalha. Mesmo naquele momento que se perdeu por 22 votos, havia a esperança, acima de tudo".

De acordo com ela, ficou uma certeza. "Se não fosse ali ia ser seis meses depois. Todo mundo ia continuar na rua e o País exigia as Diretas Já. Não era mais um pedido, era uma exigência".

video

Em 1984, durante a campanha das Diretas, a cantora Fafá de Belém estava com 27 anos. Engajada, participou de mais de duas dezenas de comícios, pelo Brasil, a favor da aprovação da emenda Dante de Oliveira, que permitiria eleições diretas no País após 20 anos de regime militar. No final do ano anterior ganhou de presente de Milton Nascimento e Fernando Brant a música Menestrel das Alagoas, em homenagem ao senador alagoano Teotônio Vilela, que lutou pela anistia aos presos políticos e estava engajado no movimento por eleições livres. O senador morrera em novembro de 1983. A música seria, a partir de então, um dos hinos da campanha, na voz de Fafá.

Fafá se recorda da emoção de participar do comício da Praça da Sé, em 25 de janeiro de 1984. Lembra que foi criada em uma família de políticos, em Belém, mas garante que nunca fez parte de nenhum grupo político.

"Eu sempre tive a causa da democracia. Sou um ser livre. E é essa liberdade que me faz caminhar.”

Ela ainda traz na memória um certo deslumbramento por ter vivido aquele momento. Quando viu a Praça da Sé lotada, não se conteve.

"Eu não imaginava aquilo. Para mim era um encontro pelas Diretas. E foi monumental, realmente foi monumental”, afirmou. A cantora lembra que no momento da execução do Hino Nacional, que deu as mãos ao ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, cassado durante o regime militar. "Ele era para mim um dos maiores mitos", recorda.

A cantora conta que naquela época também tinha muita admiração por Fernando Henrique Cardoso, que se elegeria presidente da República 16 anos depois. Ela afirma que também teve uma relação bastante estreita com o ex-presidente Lula, que surgiu no comando dos metalúrgicos no ABC paulista e também acabou por se eleger duas vezes à presidência da República. "Íamos com ele comer frango frito no São Judas Tadeu", lembra, se referindo a um restaurante tradicional de São Bernardo do Campo.

"As reuniões do PT aconteciam na minha casa, na sala da minha casa, quando eles eram ilegais. E eu nunca me filiei ao PT", diz ela. A cantora conta que no início da campanha, sofreu um pouco de preconceito. Lembra que não foi convidada pelo comando do PMDB para o comício da Sé e que sua presença só se deu por conta da intervenção de Lula. "Foi ele que bancou a minha presença". O principal idealizador do comício da Sé foi o então governador paulista André Franco Montoro, do PMDB.

Sobre a participação da classe artística, ela afirma que foi fundamental.

"O povo nunca acredita na classe política. Isso é uma coisa histórica. Então os jogadores de futebol, os artistas, os intelectuais. Nós éramos a ponte que dizia 'vambora'. E não tivemos nenhum incidente. Mudamos o Brasil."

Para Fafá, naquele fim de tarde, um dos momentos mais marcantes foi justamente a chegada à praça.

"Um grupo foi lá para casa, nós fomos para o centro da cidade, para a sede do PT, e saímos todos de mãos dadas. E foi lindo. Aí vinha do outro lado, Fernando Henrique, Ruth (Cardoso). Era um grande encontro."

Uma das imagens que marcaram a presença da cantora no comício foi a soltura de uma pomba branca, já ao final do comício.

"Foi emocionante. Foi o Henfil que trouxe a pomba e conversou com alguém que eu não sei quem era. Ele disse que eu ia encerrar cantando. 'Você vai encerrar cantando por causa de Teotônio'. E aí foi lindo. A partir daí virou uma marca. Cantando Menestrel. A partir daí eu fiz todos os comícios. Pagando passagem em muitos".

Passados 30 anos, ela diz que aquele foi um momento único. "A questão não era aparecer, era estar na causa. Essa que é a diferença, esse que é o olhar. Quando eu cheguei tinha Lygia Fagundes Teles, Nélida Piñon, Ignácio de Loyola Brandão, Thiago de Mello. Eu cheguei no meio. Eu tinha só 27 anos. Tive muito olhar torto, enciumado, porque eu ganhei um protagonismo que eu não busquei. Com o tempo a gente vai entendendo as coisas, porque eu não entendia. Do outro lado, (ganhei) um carinho muito grande de pessoas que eu tinha um respeito enorme".

Aos 39 anos, o jornalista Carlos Brickmann era um repórter experiente em 1984. Coube a ele assinar a matéria de capa da Folha de S.Paulo do dia 26 de janeiro daquele ano, um dia após o comício que levou milhares de pessoas à Praça da Sé, marco zero paulistano, conforme atesta a própria manchete do jornal: "300 mil nas ruas pelas diretas".

Em seu texto, o resumo do que foi aquela tarde e noite no centro da capital paulista.

"O povo acabou sendo o melhor desta grande festa, colorida, descontraída, emocionante, sem incidentes, como São Paulo talvez jamais tenha visto em toda a sua história, de 430 anos."

Brickmann afirma que naquele tempo, a imprensa teve um papel importante na mobilização. Como exemplo, cita uma ilegalidade promovida pelo governador de São Paulo Franco Montoro.

"Vou te dar um exemplo que é claro. O governador Montoro, que era um dos organizadores, provavelmente o maior deles, não era o cara que atraia o público, mas era o cara que criava condições. O Montoro liberou passagem de metrô. Era de graça. Gente, cá entre nós. É totalmente ilegal. Nenhum de nós falou isso. Teve um dia que o metrô não cobrou passagem. Ficou por conta do governo do Estado. Ninguém falou porque estava todo mundo a favor.”

O repórter afirma que era consenso geral que com alguma pressão a emenda Dante de Oliveira, que previa eleições diretas para presidente da República, fosse aprovada pelo Congresso Nacional. "A gente acreditava de verdade que ia ganhar isso no grito. A gente acreditava..."

Mais próximo da votação, em abril, o sentimento já era outro:

"A gente sabia que ia perder. Isso não tinha dúvida. Tomamos uma surra porque não foi possível superar algumas bobagens que foram feitas. Não tinha como romper o regime militar naquela votação. Tinha de demorar um pouquinho mais. Demorou um pouquinho mais. Mas não foi muito. Porque caiu na indireta mesmo. O que deve ter sido humilhante, né?”

Sobre o comício, ele disse duvidar que alguém naquela multidão tenha prestado a atenção aos discursos políticos como os de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de ele os qualificar como oradores natos. "O Tancredo nem tanto. O Ulysses era um orador legal e o Brizola era muito bom. Muito bom. O Lula não era tão bom quanto é hoje, mas já era bom também. Todos eles eram, digamos, conquistadores de multidões. Mas eu tenho a impressão que as pessoas estavam mais ouvindo o slogan do que o discurso em si. E eles já sabiam o que era o discurso. Eles sabiam. E estavam muito emocionados...", afirma.

Sobre a sua presença na Praça da Sé, Brickmann conta que foi muito difícil ficar alheio ao que estava acontecendo.

"Eu estava em um esforço muito grande, que era tentar cobrir e não me empolgar. Foi difícil. Foi muito difícil não sair cantando o Hino Nacional com o pessoal. Foi uma das vezes que eu vi o Hino Nacional usado corretamente. O pessoal estava cantando o Hino Nacional por um motivo nacional. Eu não, eu era repórter, tinha de anotar. Eu estava com vontade. Isso foi uma coisa de autocontenção bastante difícil. Agora, estava muito emocionante".

O jurista Miguel Reale Júnior ocupava a cadeira de secretário de Segurança Pública do governo Franco Montoro (PMDB) em janeiro de 1984. Na sua lembrança, o governador foi o maior entusiasta e organizador do comício da Sé.

"Foi a Praça da Sé que mostrou para onde estavam indo os ventos. Foi ali que amadureceu, se consolidou a convicção de que o povo brasileiro estava cansado do regime militar, estava cansado da ditadura. Que queria eleições diretas, porque queria democracia. Queria decidir o seu próprio destino."

Ele se recorda que comandou um gabinete de crise no dia do comício. Para os organizadores, nada poderia sair errado, sob o risco de retaliações do governo militar. Reale Júnior lembra que antes do comício, o governo Montoro bancou duas manifestações também na Sé. Ambos foram desaconselhados pelo regime. Mas como tudo saiu bem, durante a organização do comício, sequer foram questionados pelos militares.

"Houve pressão anterior em alguns movimentos anteriores que eu autorizei como secretário de segurança. Um deles foi à tarde de oração, com Dom Paulo Evaristo Arns, que era um movimento contrário à carestia, ao decreto 2.045, ao arrocho salarial. Eu fui convidado pelo general, que ligou para o Montoro e ele pediu para que eu fosse lá conversar. Cabia a mim autorizar ou não autorizar a reunião. Falei com o general Ari Pires, do comando do Segundo Exército. Se acontecesse alguma coisa, ele iria me responsabilizar pessoalmente. Ele era contrário. E eu disse, 'vou autorizar'".

O jurista se lembra que passado algum tempo, Joaquinzão (Joaquim dos Santos Andrade), presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, resolveu fazer uma manifestação também na Praça da Sé, contra o arrocho salarial. Na organização, aconteceu algo impensável para aquele tempo.

"Eu tive encontros sigilosos com o Sindicato dos Metalúrgicos. Naquela época, Sindicato dos Metalúrgicos ter encontro com o secretário de Segurança era contraproducente. Mesmo sendo o secretário de Segurança do Montoro. Junto com o Almir Pazzianoto, tínhamos encontros secretos. E aí, houve todo um acerto. A reunião seria em um dia de semana às 6 da tarde. Aí eu consegui com o Medeiros e o Joaquinzão que o encontro fosse às 19h. Para dizer para o general que não estava se aproveitando do fluxo de ir e vir do Metrô e da Praça da Sé”, lembra.

“Aí aconteceu algo inesperado que era fazer um entendimento entre a PM e a segurança do Sindicato dos Metalúrgicos. Isso era inimaginável em 83, em pleno regime militar. Liguei para o general para dizer que tinha tudo corrido bem, que o País caminhasse para manifestações pacíficas de contestação. Quando houve as Diretas o general já não ligou mais".

O ex-secretário credita a Montoro boa parte do sucesso daquele comício. "Era fundamental ter a figura do governador como patrocinador da reunião. Era a autoridade se impondo como catalizador, como convocador da reunião. Depois a figura dele. O Montoro era uma figura carismática. Ele era o próprio entusiasmo. E um homem de muita crença, muita sensibilidade. Ele sentiu que era o momento. E ele estava absolutamente convencido do sucesso. Mas evidentemente, não poderia antever que o sucesso fosse dessa grandeza. Então a nação estava madura. Foi um momento de explosão dessa exigência de democratização".

Do gabinete de crise, ele disse que houve momentos de tensão. "Era um acompanhamento tenso na expectativa de que eventualmente pudesse acontecer algo que tisnasse aquela tarde, qualquer coisa que pudesse acontecer. Uma baderna, uma briga, um trombadinha. Alguma coisa dessa poderia ser explorada negativamente".

No pouco tempo em que esteve presente na Praça, Reale Júnior disse ter se impressionado com Ulysses Guimarães. "O que me chamou a atenção eram os olhos do Ulysses. Ele estava lacrimejando. Estava absolutamente embevecido".

E ficou uma certeza: "Se não fosse o movimento das Diretas, nós não teríamos tido depois a eleição do Tancredo. A derrota da emenda, pela força da base do regime militar tinha como contraponto a rua. A manifestação das Praças. Se não fosse a manifestação das Praças a emenda era derrotada e não haveria nenhum processo de continuidade de abertura".

Aos 68 anos de idade, a ministra Marta Suplicy tem poucas memórias pessoais do comício que levou milhares de pessoas à praça da Sé no dia 25 de janeiro de 1984. A emoção de ver os brasileiros se unindo em torno da redemocratização do País, no entanto, ainda está bem viva na lembrança da mulher que engatinhava na política ao lado do então marido, o senador Eduardo Suplicy. Marta conta que, naquele momento, nem ela e nem ninguém tinha consciência da proporção que a campanha pela Diretas tomaria.

"Tenho uma emoção muito forte de lembrança daquilo, de que eu estava num acontecimento histórico. Nós já tínhamos tido alguns comícios, acho que até uns 50 comícios pequenos no País todo. Então São Paulo tinha esse frenesi de que algo estava acontecendo, mas quão forte era não tinha essa clareza", conta.

Marta reconhece que arregimentar tantas pessoas em torno de uma causa não foi um processo fácil, especialmente no início da década de 1980, quando a comunicação não era tão facilitada como hoje. "Era um momento, que eu me lembre, de grande efervescência no País. Mas diferentes regiões entendiam de diferentes formas e não se comunicavam com tanta facilidade como hoje. A gente tem que lembrar isso também".

Segundo Marta, a pressão popular pelo voto direto foi a grande responsável pelo fim do regime militar que, por sua vez, não esperava que a campanha tivesse tanto impacto. "Quando a gente chegou lá e foi aquilo, eu acho que todos ficamos muito surpreendidos, o povo e os políticos, porque ficou claro que o País estava pronto para uma mudança. E quem dirigia o País não tinha a mais leve noção de que isso estava tão forte assim. Nem nós, né? "

Marta ainda conta que, apesar de não esperar pela adesão de tantos brasileiros, todos tinham em mente que o processo desembocaria na redemocratização. "Era para dizer 'ninguém mais quer o que está aí, a gente quer mudança, a gente quer votar'. Eu acho que exatamente esse espírito de democratização levou as pessoas às ruas. Uma fartura do que estava acontecendo no País mas, ao mesmo tempo, a vontade de dizer 'olha, nós somos um povo que quer votar'. E essa foi a força do movimento. Não era uma coisa violenta, era de dizer 'a gente quer outra coisa'. E aquilo estava maduro, né? (O regime) caiu porque estava maduro mesmo".

Três meses depois do comício, a emenda Dante de Oliveira foi derrotada na Câmara dos Deputados. Marta Suplicy lembra que a sensação inevitável foi de frustração, mas ao mesmo tempo serviu para fortalecer a campanha. "Deu um sentimento muito grande nas pessoas de frustração, mas ao mesmo tempo as pessoas entenderam que o caminho não era em linha reta, era um caminho tortuoso. Então, por isso, acho que deu, deu sim, mas percebeu-se que era o caminho que a gente ia poder chegar no voto", disse.

Expediente:

Reportagem:
Gustavo Gantois
Janaina Garcia
Vagner Magalhães

Fotos:
Marcelo Pereira
Vagner Magalhães

Fotos históricas:
Agência Estado

Vídeos:
Marcelo Pereira
Vagner Magalhães
TV Cultura São Paulo

Arte:
Fábio Condutta

Edição:
Gustavo Azevedo