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Educação mambembe: crianças de circo peregrinam por escolas

Como é a vida nômade de uma família circense, que a cada dois meses muda de cidade, de escola, e até de país e de idioma

25 mar 2015 - 10h47
(atualizado às 12h33)
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(da esq. para dir.) André e Sandra Garcia, e Ashley e Cecília Delgado
(da esq. para dir.) André e Sandra Garcia, e Ashley e Cecília Delgado
Foto: Daniel Favero / Terra

Quem é pai ou mãe sabe a ansiedade que o primeiro dia de escola provoca em uma criança. Agora, imagine se isso ocorresse cinco ou seis vezes por ano. Criar rotina em uma vida conhecida pelas constantes mudanças é um desafio tanto para os pais quanto para as crianças que vivem no circo, a exemplo do Tihany que faz temporada em Porto Alegre.

Pelo lado bom, as constantes mudanças propiciam uma experiência de vida única e invejável para qualquer viajante. Eles também não parecem se sentir sozinhos por conta da vida em comunidade com pessoas das mais diferentes origens - são mais de 20 nacionalidades. Além disso o pouco tempo em que ficam em cada cidade é o suficiente para consigam desenvolver laços de amizade verdadeiros e que perduram por toda uma vida. Uma prova disso foi quando a filha de uma das artistas do circo cortou o cabelo para doar a uma outra criança que tinha raspado a cabeça por conta de uma quimioterapia contra um câncer. 

Cecília, Ashley, Sandra e André
Cecília, Ashley, Sandra e André
Foto: Daniel Favero / Terra

A história de vida de um artista de circo se divide entre antes e depois do circo

Sandra Garcia viveu isso há 26 anos quando deixou Belo Horizonte para juntar ao marido, um mágico, que trabalhava no circo. Deste relacionamento nasceu André Garcia, hoje com 15 anos. Ele foi alfabetizado no México, mas desde 2010 o circo onde sua família trabalha, o Tihany, viaja pelo Brasil. Isso fez com que ele tivesse que se readaptar ao idioma que sempre ouviu dentro de casa com os pais brasileiros, mas não na sala de aula. 

“Ele foi alfabetizado em espanhol no México e quando a gente voltou para o Brasil, ele teve que se readaptar. A gente já falava português dentro de casa, mas ele não escrevia em português, sabia escrever bem em espanhol, então teve a ajuda de uma professora”, conta Sandra Garcia, que trabalha como figurinista do circo

A colombiana Cecilia Delgado se uniu ao circo quando o espetáculo passou por Bogotá, sua cidade natal há 15 anos. Sua filha, Ashley, 12 anos, nasceu quando a mãe já estava viajando com o circo. Com pai americano, a menina nasceu no México, mas foi alfabetizada no Brasil. Por conta disso ela fala muito bem português, e parece bem ambientada com a nossa cultura, tendo sido cativada por pessoas que passaram pela sua vida. 

A prova mais contundente aconteceu em Campinas, no Estado de São Paulo, quando Ashley e Cecilia conheceram Bruna. A menina passava por um tratamento contra o câncer e tinha raspado a cabeça por causa da quimioterapia. Ashley convenceu a mãe a deixa-la cortar o cabelo loiro para que pudesse dar a amiga.

Motorhomes onde vivem parte das famílias que trabalham no circo
Motorhomes onde vivem parte das famílias que trabalham no circo
Foto: Daniel Favero / Terra

Especialistas em encontrar escolas

As turnês pelas cidades duram entre dois e três meses. Dias antes de uma nova mudança os pais começam uma busca frenética pela próxima escola. “Acaba no domingo o show de cada temporada, e a gente viaja na segunda-feira. Mas dias antes a gente começa procura pela internet por uma escola perto do hotel ou do circo”, conta Cecília.  “Quando termina em uma cidade, a gente já está com a cabeça na próxima escola, procurando um colégio mais ou menos parecido, como aconteceu aqui em Porto Alegre. Por isso eles perdem muito pouco tempo de aula, três ou quatro dias”, completa Sandra.

Apesar de não trabalharem no circo, as crianças acabam se tornando a atração na escola assim que os colegas descobrem que são filhos de artistas de circo. Tanto que Ashley, por exemplo, pedia para que a mãe não contasse a ninguém.

“Quando ela era mais nova, ela pedia para que eu não dissesse que somos do circo no colégio, porque a escola inteira vinha perguntar”, conta Cecilia. “É só nos primeiros dias que eles são a sensação, mas terminam gostando muito deles, acabam se apegando, quando tem que ir pedem para que não vá embora, convidam para casa, muitas amigas dela já vieram de outras cidades para visita-la. Teve uma amiga que era de Salvador e que foi visita-la em Brasília no dia do aniversário”, lembra.

Ashley e André se dizem acostumados com a vida que levam
Ashley e André se dizem acostumados com a vida que levam
Foto: Daniel Favero / Terra

Vida em uma comunidade multicultural 

O circo é um microcosmo internacional. São mais de 20 nacionalidades diferentes convivendo muito próximas. O espanhol e o inglês são os principais idiomas, e a língua é o principal determinante na formação dos grupos. 

Parte dos artistas vivem em trailers no terreno onde o circo está instalado e outros ficam acomodados em hotéis. Mas seja qual for a escolha da família, os pais fazem um grande esforço para criar o mínimo de rotina.

“Tem que ter rotina, que estudar todos os dias. Tem ainda os ensaios no caso dele (André), que são sempre pela noite. É uma rotina muito parecida com a de qualquer pessoa, o que muda é de um terreno para outro”, conta. Na programação entram ainda as aulas de reforço escolar, uma vez que dependendo da escola, muda o conteúdo que é visto em cada cidade.

“Às vezes é complicado porque quando você chega na escola o conteúdo está meio adiantado, ou passaram uma matéria que você não viu, ou a escola é atrasada, ou você chega em uma cidade que já está no período de provas”, conta Ashley.

No entanto, eles contam que recebem apoio das escolas, que ajudam na adaptação e com os livros, por exemplo, para evitar a compra de um material novo a cada dois ou três meses.

“Eles se adaptam muito mais rápido. Eu estava falando com a professora em uma reunião que tive no colégio: quando é uma criança normal fica aquele suspense daquele primeiro dia de aula, e para eles não tem isso, porque eles passam por isso de cinco a seis vezes por ano. Então, para eles não tem essa aflição do primeiro dia de aula, para eles isso é mais normal”, afirma Sandra.

Mas mesmo assim, a opinião dos dois adolescentes se divide quando indagados sobre a vontade de continuar no circo. Ashley diz que quer uma vida mais normal “talvez medicina” quando crescer. Mas já André é fiel às raízes, “quero seguir como a mágica”, assim como o pai.

Fonte: Terra
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