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Jogos Olímpicos: o festival cósmico

No início, os Jogos Olímpicos eram considerados uma época sagrada, onde todos juravam obedecer uma trégua em seus conflitos

4 ago 2016 - 11h51
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Durante 1.170 anos os gregos e bem mais tarde os romanos, reuniram-se no vilarejo de Olímpia para desafiarem uns aos outros para todos os tipos de provas e lutas. A época dos Jogos Olímpicos era considerada sagrada, jurando todos obedecer uma trégua. Era o momento em que as armas descansavam, mas as pernas, mãos e músculos, se mexiam. O poeta Píndaro, morto em 438 a.C., foi um dos mais celebrados cantores dos feitos daquela época.

Um soberano do verso

O doríforo (escultura de Policleto)
O doríforo (escultura de Policleto)
Foto: Reprodução

“O homem é o sonho de uma sombra/ Mas quando é atingido pela luminosidade de Zeus acerca-se dos homens um brilhante resplendor/ e doce como mel torna-se a sua vida”. (Píndaro – Píticas,VIII, 95-7, século V a.C)

O poeta era um assombro. Andava pelas cortes de reis e de tiranos como se fosse um deles. De fato, Píndaro sentia-se também um rei, era um dos grandes, um soberano dos versos. Foi também uma raridade, um homem de letras financeiramente bem-sucedido. Dizem que tuteava os monarcas da Sicília ou da Grécia a quem por vezes dizia coisas que ninguém ousaria sequer pronunciar. Nascido em Tebas, provavelmente em 522 a.C., arrastava sua lira para todos os lugares. Parece que mesmo ao ter pregado a rendição para os persas, quando, em 480 a.C. as forças de Xerxes invadiram a Hélade, ele não deixou de ser bem acolhido. Píndaro, um ultraconservador, um aristocrata, talvez imaginasse que o domínio estrangeiro de um imperador asiático pusesse fim às plebeias democracias da sua época.

As três graças de um homem

As três graças do homem
As três graças do homem
Foto: iStock

Mas não eram os tronos, nem as cortes, muito menos a política, que o fascinavam. Acima de tudo ele amava era o agón, a ir assistir os jogos olímpicos. Caminhando pelas palestras, onde os atletas se preparavam para as provas, e misturando-se a eles nos ginásios onde os exercícios se davam - escutando ao fundo os relinchos nervosos dos cavalos de corrida, é que ele sentia-se em casa. Para Píndaro, um homem, em sua vida, podia ser atingido por uma das três graças: ser poeta, ser bonito ou vencer uma competição. Ver aquelas máquinas musculares em ação, besuntadas em óleos e em essências, competindo, se distendendo, dando o máximo de si, era para ele, um abençoado pela lira de Orfeu, testemunhar um momento sublime da existência humana.

A vitória olímpica é a melhor

Quando Agláia, a graça da glória, fazia com que um dos atletas vencesse, nada mais importava para ele no restante da sua vida. Ali, ainda arfando, suando, erguendo no pódio a testa ornada com a coroa dos ramos da oliveira, o homem chegava ao seu êxtase máximo. Alcançava os céus. Sentia-se como os deuses deviam sentir-se no Olimpo. Ele mesmo era um deus!

Que interessavam afinal as guerras? Se valor nelas houvesse, porque tantos gritos, tanto sangue, tanto pavor nos olhos dos combatentes, e tão lúgubre o manto da morte que cobria os caídos. Não! A vitória em Olímpia (ou nos outros jogos disputados em Delfos, em Nemea e Corinto, também chamados de ístmicos) ofuscava tudo o mais.  Era no momento de bem-aventurança do atleta que Píndaro era atingido pelo “transe anímico”, provocado por Eufrósina, a graça da sabedoria poética. A musa enviava-lhe sinais, palavras soltas aqui e ali como gotas, imagens que apareciam e sumiam no mesmo instante, por vezes ao dia, outras, na calada da noite.

Repentinamente aquele turbilhão começava a tomar forma. Intuía o próprio som da harpa que sempre o acompanhava e que estranhamente inundava o ambiente com sua presença mágica. O transe então amansava, o encanto se fora – o poema estava pronto. Um deles dizia:

“A água é o melhor de tudo/ e o ouro que brilha como durante a noite no resplandecente fogo/ constitui a fama de riqueza de um grande senhor/ mas, coração, se queres falar de prêmios não busque seu brilho num astro qualquer dos mais quente dos desertos do céu”. 

Apolo
Apolo
Foto: iStock

As exigências de Zeus

Recomposto, Píndaro marchava para outro jogo, para uma outra parte da Grécia, para novos campos do agón, atrás do soberbo combate travado pelos homens, entre si e contra si mesmo, para imortalizá-los nas suas Odes. O herói dele era o imenso Hércules que, segundo dizia uma das tantas lendas, organizara a primeira diaulos, a corrida a curta distância que fizera disputar entres seus cinco irmãos, nos arredores de Olímpia, na Elida peloponésica. Não demorou para que Zeus, vaidoso, exigisse que aqueles super-homens, que tentavam imitá-lo duelando entre si nas provas pedestres ou equestres, erguessem um templo para celebrá-lo. E assim foi feito.

Com o passar dos anos, provavelmente desde que fora registrada a primeira disputa, em 776 a.C., um complexo fantástico de construções religiosas, palácios e alojamentos, foram erguidos em Olímpia. Para a estátua do supremo todo-poderoso contratou-se ninguém menos do que o divino Fídias. Aprontado o colosso em ouro e marfim, o próprio escultor, embevecido, pediu ao tronitoante que lhe enviasse de imediato um sinal. Lá dos altos, dos mais elevados cimos, partiu então um raio que esburacou o chão do templo. Até Zeus maravilhara-se!

Ser homem é superar-se

Em Olímpia, por doze séculos seguidos (até a supressão dos jogos em 393 por Teodósio), os homens rivalizaram-se, exibiram-se, vangloriaram-se, arremedando os deuses na sua interminável busca de glória num festival cósmico, onde o sobrenatural e sobre-humano se congraçaram. Os atletas, na verdade, eram os filhos de Sísifo condenados para sempre a terem que se superar, a fracassarem, a novamente se levantarem, e, altivos, tentarem alcançar de algum modo a linha da chegada com decência e honra. Por isso entende-se Nietzsche ter dito pela boca do profeta Zaratustra ser o homem uma ponte e uma corda. Sempre uma ponte a ter que atravessar, sempre uma corda a esticar e a romper.

Fonte: Especial para Terra
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