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O sangue salgado

“Pois eles perderam o ritmo/o pulso do mar/em seu sangue salgado”, Jon Stallworthy (1935-2014)

6 fev 2016 - 08h00
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Do planalto da Anatólia em linha reta até ao Magreb, o céu praticamente desconhece nuvens, as noites estreladas são propícias a que se observem as formas formidáveis do zodíaco. É um gigantesco lençol negro cravejado por pequenos, ou minúsculos, brilhos que fizeram com que os diamantes fossem um dos mais ambicionados cristais comprados para enfeitar as favoritas do harém do sultão, do califa, do emir ou do pachá. Ter um diamante é ter uma estrela nas mãos.

Todavia, este mundo de belezas noturnas, quando o sol se põe, é sucedido pelo terrível ardor do deserto. Milhares e milhares de quilômetros acham-se cobertos por pedras e areia, em que somente os beduínos e camelos conseguem sobreviver. Eles e os escorpiões.

Foi por lá que os deuses brotaram. Primeiro às centenas, como na Babilônia, na Caldéia, Fenícia e na Assíria, depois, reduzindo-se com o tempo a um só deles (fosse Javé, Deus ou Alá) que espalharia a fé pelos cantos da Terra. O Levante passou a ser o palco dos profetas, dos místicos, magos e loucos.

Em sua homenagem ergueram com pedras e muito suor zigurates, pirâmides, templos e basílicas. Também foi no Oriente Médio que se inventou a escrita, primeiro a cuneiforme e bem mais tarde a alfabética (o maior presente que os fenícios, nação de navegadores e mercadores, deixaram ao restante da humanidade).

Não houve em sua longa e sangrenta história conquistadores que não ambicionassem o controle daquelas terras e cidades, tão ricas em jóias e sagradas pelas crenças, cada um ao seu modo fizera expelir o sangue dos nativos. Pior ficou para eles com a descoberta do petróleo, atraído a cobiça dos colonialistas. Debaixo da areia havia um mar negro.

Hoje o mundo inteiro, estarrecido e enternecido vê, ao vivo, mais uma espantosa diáspora das tantas que se deram no passado. Milhares de familiares fogem da anarquia e da morte. São sírios, afegãos, somalis, líbios, etc., praticamente não há etnia que não se faça presente nas precaríssimas embarcações, que na fantasia de alguns é uma Arca de Noé de minúsculo porte com que tentam atingir o monte Ararat, a Europa. Os que não conseguem, os mais infelizes, caindo no mar, sentem o gosto do sal a entrar pela boca e inundar seus pulmões e logo o seu sangue. O sangue salgou.

Fonte: Especial para o Terra
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