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O Passe Livre de hoje e o soviete de Natal de 1935

14 set 2013 - 06h13
(atualizado em 29/9/2013 às 20h56)
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Pelo país inteiro circulavam boatos de um iminente levante nos quartéis promovidos pela gente de Luís Carlos Prestes. Este viera clandestinamente de Moscou e se instalara no Rio de Janeiro para coordenar a revolução programada para os fins de 1935. Uma revolução comunista absolutamente original, pois dispensava a participação popular. A vanguarda era composta por capitães, tenentes, sargentos e cabos que aderiam mais pelo prestígio de Prestes e pelo gosto pela desordem que desde 1922 assolava as casernas brasileiras.

Quase ninguém tinha mínima ideia do que era marxismo, talvez com exceção do capitão Agildo Barata, então preso no cassino dos oficiais no 3º RI da Urca, no Rio de Janeiro.

O intento, todavia, começou em Natal (RN), situada há 2,6 mil quilômetros ao norte da capital federal. O motivo para a insurreição do 21º batalhão de caçadores, no dia 23 de novembro, num sábado à noitinha, foi o recebimento de uma mensagem errada. Prestes foi pego de surpresa, mas não o governo de Getúlio Vargas, que de tudo sabia graças a um infiltrado.

21º Batalhão de Caçadores, Natal, 1935
21º Batalhão de Caçadores, Natal, 1935
Foto: Wikimedia

O peculiar do amotinamento é que ele foi feito por sargentos, cabos e praças. A notícia logo se espalhou pela capital potiguar fazendo com que o governador Gurjão, do Rio Grande do Norte, e o prefeito escapassem. Em minutos sumiram as autoridades. Com o chefe de policia preso pelos rebeldes, Natal ficou ao deus-dará.

Para fazer às vezes de algum mando, formaram um Comitê Popular Revolucionário com o sapateiro Praxedes, um sargento-músico, o Quirino que liderara o quartelaço, dois funcionários e, claro, um estudante de nome João Galvão. Ninguém tinha a mínima ideia do que fazer a não ser enviar três colunas, uma para o Recife, outra para Mossoró e a outra para Caiacó, no sertão.

Três coisas então se deram: o "confisco" do dinheiro do Banco do Brasil, o assalto e a pilhagem das lojas na avenida Tavares Lira pela miuçalha destravada e eufórica e os passeios de bonde, devido à recente lei do passe livre. "Era um carnaval exaltado", disse Hélio Silva sobre o levante.

Passe livre
A medida de tornar as viagens grátis encontrou óbvia resistência do diretor da empresa Bond&Share, um inglês que mandara os bondes serem recolhidos das ruas. O "ministro da viação", João Galvão, exigiu dele que os veículos voltassem à circular ameaçando-o com fuzilamento caso não o fizesse imediatamente. No outro dia estavam todos trafegando.

O singular deste episódio, que durou quatro dias, os únicos de um governo comunista em toda história do Brasil – o soviete de Natal –, é que quem precisava do elétrico para ir trabalhar, o pessoal do bairro Rocas, não conseguia lugar. Sem ter o que fazer, estudantes, desempregados e os desocupados de sempre passavam o dia inteiro dentro deles, indo de um fim-de-linha a outro. Operários, portuários, estivadores, costureiras, lojistas, enfim, o pessoal que tinha de estar no batente, nunca conseguiu, naqueles dias de folia vermelha, nem fresta nos vagões abarrotados.

As fotos mostram os veículos atulhados de populares como se fossem cachos de uva, até no teto tinha gente. Como se viu recentemente no Brasil, os fantasmas do sapateiro José Praxedes e dos rebeldes de Natal, com o sargento Quirino à frente, quase oito décadas depois, resolveram novamente vir a levantar a bandeira do "passe livre".

Bibliografia
Cortez, Luiz Gonzaga. A Revolta Comunista de 1935 em Natal - Relatos de Insurreição que gerou o primeiro soviete nas Américas. Natal, RN
Costa, Homero de Oliveira. A Insurreição Comunista de 1935 – Natal, o primeiro Ato da Tragédia. Natal, RN - s/d.
Lopez, Ivanaldo. Natal do Meu tempo. Natal, Cia. Editora do RN - CERN, 1985.
Oliveira Fº, Moacyr. Praxedes: Um Operário no poder. A Insurreição de 1935 vista por dentro Rio de Janeiro, Alfa-ômega, 1985.
Silva, Hélio. 1935. A Revolta Vermelha. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira. 1969.
Fonte: Especial para Terra
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