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Capitalismo: entenda as teorias da crise que o assombram

O sistema mostrou que está fadado a passar por ondas de otimismo e crise; saiba como teóricos explicam esses episódios

1 dez 2015 - 08h14
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No começo da economia-política tornada ciência, no século XVIII, seus pais fundadores, os fisiocratas do dr. Quesnay e seus parceiros, os economistas-políticos  ingleses, não se preocuparam com o estudo das crises econômicas. Influenciados pela filosofia natural de Newton, estavam mais interessados em fixar quais eram as leis gerais da economia, então uma ciência nascente. Além disso, viviam num momento de grande otimismo criado pelo pensamento iluminista, época de ascensão econômica e social da burguesia ocidental resultante da Revolução Industrial, quando o sistema fabril, com o aumento espantoso da produção, começou a mostrar sua imensa capacidade de mudar a sociedade, trazendo a prosperidade para muitos.

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As várias versões para uma crise

Antes, quando as crises ocorriam nas sociedades agrárias, muitos as atribuíam a fatores estranhos à economia. Até a má influência da lua foi, por vezes, mencionada por alguns estudiosos como responsável pelos desastres materiais que se abatiam sobre uma comunidade. As desgraças na Antiguidade ou na Idade Média eram relativamente fáceis de serem explicadas. Quase sempre se tratava de uma má colheita, uma estiagem prolongada, uma guerra dinástica, invasão armada, ou outro descalabro qualquer provocado pelo mau humor da natureza quem motivavam a fome e a miséria de uma comunidade. Enquanto o povo em geral, bem como os padres, atribuía a ocorrência da catástrofe a uma danação divina, a uma punição de Deus por algum pecado coletivo cometido.

As crises contemporâneas

Na história das crises contemporâneas, pelo menos nas que se registraram nos dois últimos séculos, a situação é totalmente diferente. A depressão econômica - tal como ocorrera em 1873 e em 1890 - seguida por um rosário de desemprego, inflação e falências, ataca sem nenhuma causa visível. Nem Deus, nem a natureza ou a guerra podem ser responsabilizados por ela. As sociedades industriais, muitas vezes, antes dos abalos se manifestarem, encontram-se num clima de euforia plena quando então, em um instante, como se fora um castelo de cartas, desaba.

Desta forma, as crises, parecem exercer uma espécie de inexplicável maldição pairando sobre a vida moderna, segundo a qual, obrigatoriamente, depois de um período de exuberância e de  progresso a sociedade fatalmente é ameaçada por forças ocultas e pouco inteligíveis, mergulhando então no pessimismo e na desesperança. 

Como se no amplo mar da vida uma enorme onda de otimismo deve ser sempre seguida pelo refluxo da maré baixa do desânimo geral.

Interpretando as crises econômicas

Karl Marx, no Manifesto Comunista de 1848 e, depois, em diversas passagens de O Capital, de 1867, foi talvez o primeiro grande pensador econômico a apontar para a seriedade das crises. Ele transformou seu significado, afirmando que elas, ao contrário do que diziam seus antecessores, não eram algo aleatório ao sistema econômico, mas sim inerentes ao capitalismo. Como o ar é para os pulmões. Faziam parte da própria essência do sistema.

A partir de então, os seus seguidores e os neomarxistas de hoje a tornaram o centro das suas atenções e estudos, a ponto de banalizarem a expressão “crise”, aplicando a palavra para qualquer situação em que a economia tivesse um empenho instável ou momentaneamente fora do curso tradicional, tirando conclusões precipitadas como se fossem sinais do fim próximo do capitalismo.

As diversas interpretações

No século XX, diversas interpretações de raiz marxista sobre a essência das crises, quase todas atentas ao comportamento dos ciclos econômicos (divididos entre um de prosperidade e outro de depressão), foram apresentadas. Entre elas, os estudos do economista soviético Nicolai Kondratiev que assinalava que elas obedeciam a um longo ciclo de 50 ou 60 anos (motivados por transformações tecnológicas), acompanhadas por demoradas depressões que se estendiam por depois por décadas (ver The Major Economic Cycles, 1925).

Coube, porém, a Joseph Schumpeter, um erudito economista austríaco, inspirado no trabalho do soviético, fazer o mais detalhado e original levantamento da constância em que elas ocorrem, associando-as fundamentalmente às inovações provocadas pela tecnologia e pelos inventos científicos.

Foi também de grande relevância, especialmente para a superação delas, a obra de John M. Keynes, talvez o economista mais conhecido do século XX. Keynes escreveu The General Teory of Employment, Interest and Money, ou A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicado em  1936, para equacionar soluções para que o capitalismo saísse da Grande Depressão iniciada em 1929.

O que se segue é uma síntese das principais teorias que procuram as razões desses repentinos desabares econômicos.

Karl Marx e a teoria da catástrofe inevitável

Karl Marx denunciava que o capitalismo beneficiava poucas pessoas; autor chegou a prever o fim do sistema
Karl Marx denunciava que o capitalismo beneficiava poucas pessoas; autor chegou a prever o fim do sistema
Foto: John Jabez Edwin Mayall (domínio público) / Wikimedia Commons / Reprodução

Karl Marx, um judeu alemão nascido em Trier, em 1818,  foi o maior estudioso da economia em todo os tempos, e, como é sabido, o maior crítico do sistema capitalista. Denunciou-o como um modo de produção mais sofisticado do que a escravidão no que toca a exploração do homem pelo homem. O capitalismo, disse ele, apesar do enorme progresso técnico e material, beneficiava somente uns poucos: aos capitalistas, os donos dos meios de produção (das fábricas, dos bancos, das minas e das terras). A massa da população, os trabalhadores e os homens do campo, ao contrario, viam-se reduzidos à pobreza e à fome. 

A interpretação da crise econômica feita por ele foi logicamente afetada por essa visão negativa do capitalismo. Marx, por vê-lo como um modo de produção historicamente datado, previu o seu fim. Profetizou que o capitalismo terminaria através de uma Crise Geral que levaria ao desaparecimento da sociedade burguesa. Seus seguidores, especialmente os sociais-democratas alemães, foram além, polemizando em torno da chamada teoria da catástrofe inevitável do capitalismo (Zusamenbruchstheorie) a colossal derrocada social e econômica que seria seguida pela implantação do socialismo, da futura sociedade sem classes.

A concepção da crise em Marx

A razão maior da crise econômica para Marx devia-se a própria irracionalidade do processo produtivo. O capitalismo baseava-se em duas premissas que o conduziam a uma crise permanente. A primeira delas é que a concorrência provocava a anarquia da produção. Muitos capitalistas competindo entre si, quase sem regras, terminavam por jogar no mercado manufaturados em excesso, gerando uma superprodução. Ao não conseguirem vendê-los, porque os salários dos trabalhadores eram baixos e não acompanhavam a alta geral dos preços, dava-se o subconsumo. Os seus lucros então entravam em baixa fazendo com que os investimentos fossem suspensos, provocando quebras em série e desemprego. 

A outra premissa devia-se ao fato de que o sistema produtivo no capitalismo não estava voltado para as necessidades sociais (para atender o consumo básico da população), mas  para satisfazer o lucro dos proprietários, provocando situações inacreditáveis (como por exemplo, num país faminto os produtores de grãos queimarem ou destruírem parte da produção por não considerarem os preços  atraentes).

A evolução do capitalismo, além disso, gerava um outro problema. Devido à concorrência, onde os mais fracos eram eliminados do processo produtivo pelos mais fortes, dava-se uma assustadora acumulação de capital em poucas mãos. Na dialética de Marx, quanto mais o capitalismo avançava, menos gente era proprietária, mais estreitava o número dos poderosos e menos sobrava aos demais.

Para Marx, a convergência da riqueza com o poder sob controle da classe burguesa provocava, num outro extremo social, o aumento da miséria da população e a proletarização dos indivíduos (proletário para Marx era o trabalhador, aquele que não tinha nada a não ser a sua força de trabalho,  a qual  alugava ao capitalista em troca de um salário). 

Para o futuro, a lógica de Marx previa um colapso geral do sistema. A aceleração da riqueza por um lado e da miséria por outro levaria uma aguda luta de classes, resultando no fim do capitalismo. Este, devastado, seria superado por um outro sistema produtivo, mais justo e mais igualitário, erigido pela sociedade socialista. O capitalismo estaria condenado pela história porque trazia em si mesmo o germe da sua destruição.

O processo de superação do capitalismo, evidentemente, não se faria sem uma intensa batalha na qual os capitalistas e seus aliados sociais tentariam evitar o seu desaparecimento. A conseqüência lógica disto seria uma Revolução Social radical que implantaria, através da Ditadura do Proletariado, o modo de produção socialista, no qual a propriedade privada dos meios de produção seria abolida, substituída pela propriedade coletiva.  

Esta visão terminal do capitalismo começou a ser revisada no final do século XIX e começo do século XX pelos chamados revisionistas, isto é, seguidores de Marx que acreditavam ser preciso fazer alterações na teoria do mestre porque a realidade européia não confirmara suas previsões sombrias.

Síntese da Teoria da Crise

Modo de Produção Capitalista:         

Anarquia da Produção (superprodução e lucros decrescentes)

Acumulação de Riqueza (concentração da propriedade) versus aumento da miséria social (proletarização das massas) = colapso do capitalismo

Revisando Marx

Destacam-se no campo da economia-política como os principais revisionistas de Marx, Eduard Bernstein, um alto membro da social-democracia alemã, e os economistas Tugan-Baranowsky e Rudolf Hilferding. Fazendo largo uso das estatísticas da época, em estudos acurados, demonstraram que a evolução do capitalismo não aumentara a miséria dos trabalhadores como Marx previra. Ao contrário, a prosperidade foi tamanha que não só não esmagou os pequenos negócios como beneficiou também os operários fabris, que melhoraram muito seu padrão de vida a partir de 1880. Lênin, estudando este fenômeno, denominou os trabalhadores com melhor rendimento de "aristocracia do operariado", sentindo-os mais próximos da classe média do que seus companheiros de fábrica, abandonado assim qualquer inclinação pela revolução social. 

Rudolf Hilferding, por sua vez, no seu O Capital Financeiro (Das Finanzkapital, 1910), mostrou que acumulação do capital e a fusão de empresas não provocava - devido à adoção das sociedades por ações - a redução do número de proprietários e que, necessariamente, não conduzira à miserabilidade das massas.

A conclusão que eles chegaram é que o capitalismo tinha capacidade de expandir-se ilimitadamente. Nenhuma crise terminaria com ele. O socialismo seria implantado pelo aumento da consciência e da força do movimento operário, não porque uma força cega qualquer colocaria o capitalismo de joelhos. Não haveria nenhuma revolução socialista nos países industrializados do Ocidente porque as massas ascenderam socialmente e se integravam nos direitos gerais da cidadania. Desde então a teoria do colapso geral foi vista por muitos como uma transposição para ao campo da economia da supersticiosa idéia do Juízo Final vinda do cristianismo.

Os partidos socialistas europeus deveriam, como consequência, enrolar as bandeiras revolucionárias e participar das eleições entrando nos parlamentos. Trocando a revolução pela reforma, sepultariam a idéia da ditadura do proletariado preconizada por Marx, substituindo-a pela aceitação da democracia parlamentar como o melhor caminho para obter-se melhorias gerais. O capitalismo pareceu-lhes corrigível.

A “destruição criadora” de Schumpeter

Para Schumpeter, toda a inovação implica numa “destruição criadora”
Para Schumpeter, toda a inovação implica numa “destruição criadora”
Foto: CC Attribution / Volkswirtschaftliches Institut, Universität Freiburg, Freiburg im Breisgau / Wikimedia Commons / Reprodução

Uma outra interpretação da crise econômica, basicamente de viés  tecnológico, surgiu em 1911, exposta pelo economista austro-americano Joseph Schumpeter  no seu A Teoria do Desenvolvimento Econômico. O capitalismo, para ele, desenvolvia-se em razão de sempre estimular o surgimento dos empreendedores, isto é, de capitalistas ou inventores extremamente criativos - os inovadores - que eram os responsáveis por todas as ondas de prosperidade que o sistema conhecia. Para Schumpeter, eram eles os heróis da modernidade. O progresso dependia essencialmente desta vanguarda audaz e inventiva que quase sempre surgia em grupos (Henry Ford, por exemplo, era ligado a Thomas Alva Edison).

Nas etapas iniciais do capitalismo, na época do capitalismo concorrencial, o papel do empresário inovador misturava-se com o do capitalista. Ele é quem engendrava o inusitado que poderia ser o lançamento de um produto até então  desconhecido (como por exemplo o telefone ou o automóvel), ou uma nova técnica de produzir (como fordismo ou o taylorismo). Ou ainda, a descoberta de uma nova fonte de matéria-prima ou mesmo a conquista de outro mercado até então não desbravado.

O empreendedor e o monopólio

Qualquer dessas situações, mesmo que iniciada num só setor produtivo, provocava uma onda geral de transformações. O empreendedor, numa primeira etapa, compensava-se com enormes lucros porque coube a ele a primazia do novo negócio. Estabelecia-se assim o que Schumpeter chamou de o lucro do monopólio, que gradativamente diminuía quando outros competidores se aproveitavam da inovação entrando no mercado, explorando o caminho já aberto.

Tal processo de introdução do novo não era e nunca é feito sem dor. Ele destruía o anterior, o que era antigo. A invenção do transporte a vapor, por exemplo, os trens e os navios, fez por  desaparecer a vasta rede preexistente de diligências, de carruagens, de clippers e demais embarcações à vela  Como também, no século XIX,  a adoção dos teares mecânicos na indústria têxtil, primeiro na Inglaterra e, depois, em grande parte da Europa, arruinou o trabalho artesanal, infelicitando milhares de famílias ao reduzi-las (tal como a informática e a robotização estão cancelando definitivamente milhares de postos de trabalhos nos escritórios e nas fábricas).

No entender de Schumpeter, toda a inovação implica numa “destruição criadora”. O novo não nasce do velho, mas sim brota ao seu lado e supera-o. Pode-se derramar lágrimas pelos que foram massacrados pela expansão da tecnologia mais recente, mas isso não detém o progresso nem altera o seu resultado final.

Na chamada fase do capitalismo trustitificado (ou monopolista) ocorre uma significativa alteração. O agente da inovação não é mais o proprietário, o capitalista, mas sim alguém contratado pela grande corporação para elaborar os futuros projetos transformadores. Há uma ruptura entre o papel do capitalista e o do empreendedor.  O capitalista agora é, acima de tudo, um aglutinador de mão-de obra altamente qualificada. Quando então ocorre a crise do sistema?

Tanto no capitalismo concorrencial do passado, como no trustificado dos nossos dias, ela decorre da exaustão dos efeitos da inovação. Quando, por exemplo, um novo produto chegou aos limites mais extremos do mercado, saturando-o. Os lucros que até então ele gerava declinam, provocando uma reação negativa em cadeia, fazendo os negócios refluírem.

Sucedem-se então as falências, as concordatas, e o desemprego. Há um enxugamento do mercado. A estagnação só será rompida quando outra inovação for introduzida, impulsionando a retomada do crescimento geral. Todavia, nunca se sabe por quanto tempo se estende um período ruim desses, quase sempre inflacionário, mas Schumpeter afirmou que o comportamento natural da economia capitalista era cíclico (ele estudou-o detalhadamente no seu Ciclos Econômicos, de 1939, obra importante, mas que foi obscurecida pela presença fulgurante da "Teoria Geral" de Keynes)

As ondas de prosperidade                                    

1790-1844: primeira fase da Revolução Industrial; expansão do sistema fabril, carvão e ferro

1845-1890: difusão da máquina a vapor, navegação a vapor e estradas de ferro. Fabricação do aço

1895-1945: expansão da eletricidade, da química e dos motores à combustão

Síntese da “destruição criadora”

Empresário -> Inovação (invenção/ novo produto/ fonte de matéria-prima /ou método de produção) -> Difusão da inovação (destruição do antigo e afirmação do novo) -> Exaustão e Crise  

Keynes e a superação da crise

Com a súbita quebra da bolsa de valores de Nova York, em outubro de 1929, deu-se a mais calamitosa débâcle econômica e social do século XX. É certo que ocorreram outras quebradeiras no passado, mas nenhuma delas atingiu as proporções do Big Crash que devastou as finanças e o comércio do mundo inteiro. Uma das que causou maior escândalo ocorreu na França em 1720, quando o Controlador Geral das Finanças, John Law, não conseguiu garantir os papéis da Companhia dos Mississipi, empreendimento colonial que ele idealizara para explorar o Novo Mundo. 

Pânico em Wall Street (outubro de 1929)
Pânico em Wall Street (outubro de 1929)
Foto: Wikimedia Commons / Reprodução

Nos primeiros anos da década de 1930, os Estados Unidos chegaram a contar 14 milhões de desempregados enquanto na Alemanha eles somaram mais de 6 milhões. A extensão e a profundidade dessas crises fizeram com que as teorias conhecidas até então (as denominadas “clássicas”, não marxistas) se mostrassem impotentes em resolvê-las. Na mentalidade liberal “ortodoxa” então vigente, as crises eram entendidas como coisa temporária, simples “ajustes de mercado”, sem maiores consequências do que algumas falências e concordatas. Seriam uma purgação saudável do sistema visando eliminar os incompetentes ou ineptos.

A Grande Depressão, como passou a ser chamada, estendeu-se, porém, por muitos anos e foi a principal responsável econômica pela eclosão da Segunda Guerra Mundial, não só favorecendo a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, em 1933, como desencadeou pelo mundo todo uma onda de regimes autoritários de inclinação fascista. Em tal cenário desesperador é que emergiu a teoria keynesiana.

Nascido em Londres em 1883, John Maynard Keynes era um eminente economista inglês que elaborou uma sofisticada fórmula para salvar o capitalismo da estagnação geral em que se encontrava. De 1930 até 1936, ele publicou uma série de artigos e livros (o mais famoso deles foi A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, de 1936) procurando mobilizar seus colegas economistas e influenciar os políticos para que seguissem sua receita.

Para ele, a crise aprofundava-se pela recusa dos capitalistas em investir. A palavra chave era investimento, termo que o economista entendia não apenas como aplicar um dinheiro, mas comprar equipamentos (bens de capital), acelerar a capacidade produtiva e ampliar os bens de capital. E por que eles se negavam a isso? Analisando a situação ao redor deles num momento de prenúncio de uma recessão, não viam nenhuma perspectiva de retorno lucrativo no que ousassem aplicar.

Todo o desempenho dependia então das expectativas futuras do sistema. Para decidir-se, ele era obrigado a levar em conta a evolução e o comportamento do mercado, quanto pagaria de salário e qual seria o preço das matérias-primas necessárias e tudo mais que toca a produção. Havendo sérias dúvidas a respeito da segurança do retorno investido, ele optava por não correr o risco. Era preferível guardar o dinheiro, entesourando-o na expectativa de uma melhora adiante.

O capitalista afinal era um ser arredio que queria sempre acumular e acumular mais. Se as circunstâncias não permitissem, ele ficaria no aguardo. Enquanto isto, ao não se determinar, a sociedade padecia de todos os modos. A ausência de investimento trazia consigo um corolário de desgraças e punha em risco até a sobrevivência do capitalismo devido à intensificação das lutas sociais, dos protestos, das greves e das ameaças revolucionárias.

A intervenção do estado

Em meio às circunstâncias dramáticas de uma crise econômica generalizada, caracterizada pela falta de demanda efetiva (ninguém encomendava nada, ninguém comprava coisa nenhuma), Keynes pregou a necessidade do estado tomar para si as rédeas de uma arrancada. Caberia a ele - já que o mercado estagnado por si só não o fazia -  assumir a função da demanda. 

Ao encomendar grandes obras públicas e estimular determinados projetos de impacto (auto-estradas, pontes, ginásios, represas, etc) o estado fazia com que o indiretamente o setor privado voltasse a ter vida. Ao empregar trabalhadores desocupados nas obras publicas, rompia-se com o bolsão do desemprego e fazia com que o mercado consumidor recebesse um novo e forte sopro de vida.

Reduzindo o número dos desempregados, as fábricas, voltando a produzir,  superavam a capacidade ociosa anterior. Keynes disse que se inspirou nos faraós do Egito antigo que, através da construção das pirâmides, mantinham a atividade econômica entre os intervalos das colheitas, ocupando as massas em empilhar pedras para glorificar o seu soberano.

Keynes ensinou, para o horror de conservadores e deleite de heterodoxos, que havia certa racionalidade no desperdício de dinheiro público em obras inúteis, como a construção de pirâmides ou em enterrar garrafas com dinheiro para que os desempregados as procurassem. Os exemplos são dele mesmo, mas o que se passava à sua volta, na época, em matéria de obras públicas, não era menos inusitado.

Um novo quadro mais otimista tomava conta da sociedade com a intervenção do estado. A poupança dos capitalistas, que se encontrava entesourada, voltava a ser aplicada. As engrenagens econômicas começavam a girar novamente e conseguia-se sair da crise. Restabelecia-se a confiança no futuro e os investimentos eram retomados. É evidente que havia um custo. O estado era obrigado a recorrer ao déficit público e a uma moderada inflação, mas era um preço módico para romper com a profunda depressão em que o sistema como um todo se achava.

Neoliberais contra keynesianos

Esta função do estado como elemento fundamental para superar a estagnação foi considerada uma verdadeira heresia. Na época e até hoje os principais pensadores neoliberais (von Mises,  Hayek, Milton Friedman,  entre outros) condenam Keynes por ter dado relevância ao papel do estado, pois para eles qualquer intervenção estatal era inaceitável. O mercado, por si só, para os liberais ortodoxos (igualmente denominados de "neoliberais") tem notáveis capacidades de se auto-regular sem que necessite a intromissão externa do estado. Apelar para ele, mesmo em momentos de aperto, seria como entregar a chave do cofre a um arrombador.

Nos anos 30 e, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países capitalistas, apesar das críticas dos ortodoxos, continuou seguindo os ensinamentos de Keynes. Deve-se à revolução keynesiana a notável prosperidade que se conheceu nos Estados Unidos e na Europa nos últimos 50 anos.     

Síntese da superação da crise

Estagnação econômica (ausência de investimento) -> Colapso do mercado (ausência de demanda) -> Estado (ativação da demanda) -> Retomada do crescimento (rompimento da estagnação)

Fonte: Terra
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