Entrevista: Jaime Lerner

Arquiteto, ex-prefeito de Curitiba

Prefeito de Curitiba por três mandatos, o arquiteto Jaime Lerner ajudou a tornar a cidade uma referência mundial em mobilidade urbana. Foi a partir do exemplo da capital paranaense que se disseminou pelo mundo o sistema de ônibus rápidos, adotado de maneira pioneira no Brasil em 1979. Em sua gestão também ganhou força o conceito de sustentabilidade. Nesta entrevista, o consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) para assuntos de urbanismo descreve como considera possível conciliar soluções sustentáveis e o ideal da integração para resolver o problema dos transportes no Brasil.

Como o transporte pode se integrar de maneira sustentável à cidade?

A cidade é uma estrutura de vida, trabalho, mobilidade, lazer, tudo junto. Você não pode separar essas funções. Separando, você afasta as pessoas. Há mais desperdício de energia, entre outras coisas. Quanto mais integrada a cidade for, mais sustentável ela é. E isso é vida. Continuidade é vida.

Onde mobilidade e sustentabilidade podem se encaixar no cotidiano das metrópoles?

É claro que existem as prioridades naturais, como educação, saúde, atenção à criança, segurança; mas três pontos são fundamentais para a qualidade de vida - não só da cidade, mas de toda a humanidade. Esses pontos são, hoje, a mobilidade, a sustentabilidade (que é decorrente da discussão de mobilidade) e a convivência (coexistência).

O transporte público no Brasil tem solução?

É preciso promover a integração entre os vários modos de transporte. Não dá para esperar que o automóvel seja a solução, ou que o metrô seja a solução. (A solução) é a junção de todos os modos de transporte, é isso o que pode dar uma boa solução de mobilidade.

O metrô é mesmo a melhor alternativa nas grandes cidades?

São Paulo tem várias linhas de metrô, mas 84% dos deslocamentos são feitos na superfície. Então é a superfície que precisa ser melhorada. Pode-se dar ao ônibus a mesma performance do metrô - ou seja, dá para "metronizar" o ônibus. E isso pode ser feito em menos de três anos. O Brasil podia dar um grande exemplo na solução de mobilidade em menos de três anos. As ruas pediram isso. Tenho medo que o País de novo vá incorrer no desperdício de jogar dois, três projetos - duas, três linhas de metrô, uma em cada cidade, como se isso fosse resolver - quando pode implantar redes completas nesses bons sistemas de mobilidade nas principais cidades brasileiras.

Você acha que o modelo de Curitiba deve ser seguido?

Eu acho que Curitiba é uma boa referência. Eu não gosto de usar a palavra "modelo" (porque não é o caso), mas é uma boa referência. Só em relação à mobilidade, nós começamos em 1974 um sistema que hoje está sendo aplicado em 156 cidades do mundo inteiro: o BRT. Foi a primeira cidade do mundo a fazer isso. Hoje em Bogotá fizeram um trabalho magnífico; também na Cidade do México, em Seul, Istambul, e várias cidades na Europa, nos Estados Unidos, na China estão usando o sistema - algumas até de maneira melhor.

Nabor Goulart / Divulgação