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Volta pós-impeachment: Lugo é favorito para vencer eleição no Paraguai em 2018

14 out 2016 - 05h36
(atualizado às 07h58)
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Após sofrer impeachment, Fernando Lugo pode voltar à presidência paraguaia em 2018
Após sofrer impeachment, Fernando Lugo pode voltar à presidência paraguaia em 2018
Foto: BBC / BBC News Brasil

Quatro anos após ser derrubado em um impeachment relâmpago, o ex-presidente Fernando Lugo deseja voltar ao comando do Paraguai em 2018.

Bastante popular, o ex-bispo desponta como favorito para vencer as eleições de 2018 em seu país, mostram pesquisas de opinião - cenário que hoje parece impossível para a presidente cassada Dilma Rousseff no Brasil.

O ex-bispo, atualmente senador, tem percorrido o país realizando "encontros ciudadanos" (reuniões cidadãs), em clara pré-campanha. Sua candidatura, porém, ainda dependerá de uma autorização da Justiça paraguaia, já que há controvérsia sobre a possibilidade de um ex-presidente concorrer novamente (veja abaixo).

Em entrevista à BBC Brasil, Lugo confirmou a intenção de se candidatar e disse que "hoje não há dúvida" de que seu julgamento "foi um "equívoco". Embora seu processo e o de Dilma tenham tido durações bem diferentes, ele considera que em ambos os casos não se levou em conta os argumentos de defesa.

"A política não é racional. Não valem os argumentos. Tudo que nós fizemos como argumentação, resposta e defesa, não vale. O que dizem 23 (senadores - votos necessários para aprovar o impeachment no Paraguai) se faz. Acredito que algo similar ocorreu com Dilma. Na América Latina, a irracionalidade sobressai", afirmou.

Sua candidatura é defendida pela Frente Guasú - uma aliança de partidos de esquerda - e por movimentos sociais, campesinos e estudantis. Eles apostam na mobilização popular para vencer a disputa jurídica. Alguns dizem que um eventual impedimento da candidatura pode desencadear conflitos no país.

Para Lugo, o apoio que tem hoje é "sentimental, não racional".

"Em junho de 2012, quiseram enterrar um modelo (político) e uma pessoa. Hoje, porém, há um grande reconhecimento, afeto e carinho da população sobre o que foi o governo de 2008 a 2012", continuou o ex-presidente.

A popularidade do senador é realçada pela baixa aprovação do atual governo de Horacio Cartes, rico empresário eleito pelo tradicional Partido Colorado que também almeja mais cinco anos como presidente.

Embora a economia paraguaia siga crescendo, descolada da crise dos vizinhos, continua alta a desigualdade social. A pobreza, pior no interior, salta aos olhos também em Assunção - as ruas são em sua maioria esburacadas, sujas, e apenas a duas quadras do palácio presidencial há uma favela, la Chacarita.

"Estamos convocando uma grande assembleia para poder desenhar um país que seja de todos e de todas e não de grupos privilegiados que excluem, como foi feito historicamente e como se está fazendo nesse momento", crítica Lugo.

Em seu modesto gabinete, ele fala rodeado por uma Bíblia, um mapa do Paraguai, e um quadro de José Gaspar Francia, líder da independência que governou ditatorialmente de 1814 a 1840.

Questionado sobre a possibilidade de voltar a governar num momento de fortalecimento da direita em países como Brasil e Argentina, Lugo desconversa.

"Lula vai voltar (em 2018). Cristina (Kirchner, ex-presidente argentina) vai voltar. É jovencita".

"Aprendi muito"

A eleição de Lugo em 2008 rompeu com seis décadas de hegemonia do Partido Colorado, que comandava o país desde 1947.

Eleito com o apoio de outra força política tradicional, o Partido Liberal, acabou perdendo os aliados, em meio a discordâncias sobre os rumos do governo.

Após as mortes de 16 pessoas, entre camponeses e policiais, durante ação de despejo de trabalhadores sem terra de uma propriedade no interior do país, Lugo foi responsabilizado pelo conflito e cassado pelo Congresso, em um processo que durou menos de 48 horas.

A duração bem maior do julgamento de Dilma Rousseff, que levou meses e resultou na cassação definitiva no final de agosto, é constantemente citada pelos apoiadores de Lugo para reforçar a suposta ilegalidade de sua destituição. Para esses aliados, o chamado "massacre de Curuguaty" foi armado para viabilizar um "golpe parlamentar".

Assim como no caso de Dilma, a falta de habilidade política do ex-bispo também é apontada como um dos motivos de sua queda.

"Ele se comunicava muito bem com as pessoas comuns, mas não sentava para negociar com políticos. Sempre criticava a classe política, como se fosse um sacerdote falando em um púlpito de igreja", observa Fernando Masi, sociólogo do Cadep (Centro de Análisis y Difusión de la Economía Paraguaya).

À BBC Brasil, Lugo disse ter "aprendido muito" com o impeachment, e que agora trabalha em uma aliança para "garantir um governo mais duradouro".

Lugo x Cartes

A alta popularidade de Lugo contrasta com a alta rejeição do atual presidente.

Pesquisa divulgada em agosto pelo jornal paraguaio "Ultima Hora" sobre a eleição de de abril de 2018 mostrava o ex-bispo disparado na frente dos demais potenciais concorrentes, com 40% de intenções de voto em Assunção e 50% nas outras principais cidades do país. Já Cartes tinha menos de 10%. No Paraguai, a disputa se encerra em apenas um turno.

Outro levantamento recente mostrou que mais de 70% dos entrevistados avaliam o governo atual como ruim ou péssimo.

Para a senadora do Partido Colorado Blanca Ovelar, o próprio processo de impeachment fortalece o ex-bispo.

"Lugo mostrou sua humildade, aceitou sua destituição, se retirou do palácio com sandálias. Fica a ideia de um presidente vitimizado pelo julgamento político", acredita.

Ovelar, que foi a candidata colorada contra Lugo em 2008, apoiou a eleição de Cartes em 2013, mas hoje faz parte da dissidência a ele dentro do partido.

Na sua opinião, embora Cartes discurse pela redução da pobreza, não faz o suficiente na prática. Um dos limitadores para a expansão dos gastos sociais é a baixa carga tributária do país, de menos de 13% do PIB. Apesar disso, o presidente se opõe a elevar impostos sobre a exportação de soja, setor quase isento atualmente (Paraguai é o quarto maior exportador mundial).

"No imaginário coletivo, se instalou que Lugo se importa com os pobres e que Horacio (Cartes) não. Isso está instalado", resume Ovelar.

Dados do Ministério da Fazenda paraguaio mostram que os gastos sociais do país saltaram no governo Lugo, de 7,7% do PIB em 2008 para 11,7% em 2012, e recuaram em seguida (11,2% em 2014, dado mais recente). Segue sendo uma das taxas mais baixas da América do Sul.

O ex-bispo, que se beneficiou da alta da arrecadação em um momento de valorização das commodities exportadas, ampliou significativamente transferências de renda do Tekoporã (Bolsa Família do Paraguai) e despesas com saúde.

Para Fernando Lugo, tanto em seu caso quanto no de Dilma, não foram levados em conta os argumentos de defesa
Para Fernando Lugo, tanto em seu caso quanto no de Dilma, não foram levados em conta os argumentos de defesa
Foto: BBC / BBC News Brasil

Aliado de Cartes, o senador do Partido Colorado Victor Bogado minimiza o valor das consultas de opinião, lembrando o recente resultado do plebiscito sobre o acordo de Paz na Colômbia, que contrariou as pesquisas. Ele diz que o governo é marcado pela transparência e obras de infraestrutua.

O sociólogo Fernando Masi reconhece avanços nessas áreas, mas diz que estão aquém do que diz o "marketing político", gerando insatisfação na população.

Outra crítica comum ao atual presidente é de que usaria seu dinheiro para comprar apoio político e que governaria de forma autoritária. Apesar de comandar o país, mantém ativos os negócios, tendo adquirido nos últimos anos meios de comunicação e empresas de outros setores, como hotéis.

"Assim como Lugo, Cartes não tem bom diálogo com os políticos. A diferença é que também não tem carisma. Ele não conversa com os ministros, mas ordena como um patrão", nota Masi.

A BBC Brasil procurou a assessoria do governo Cartes para que pudesse responder às críticas, mas não obteve retorno.

"Naturalmente, quando você é uma liderança política forte, gera também uma oposição forte. O dinheiro é importante, mas não é determinante na política", rebateu o aliado Bogado.

Reeleição é possível?

A Constituição paraguaia prevê que o presidente e seu vice "não poderão ser reeleitos em nenhum caso".

A interpretação que tem predominado é que a proibição atinge ex-presidentes. Aliados de Lugo argumentam que a leitura literal do artigo não fala em ex-mandatários.

O plano é inscrever sua candidatura e depois enfrentar na Justiça Eleitoral e na Corte Suprema os questionamentos de opositores.

O senador Carlos Filizzola, da Frente Guasú, diz que, quando Lugo foi deposto, optou por não resistir, temendo conflitos. Ele acredita que agora a situação pode ser outra se a candidatura for impedida.

"Vai ser muito difícil barrar uma candidatura que está crescendo. Creio que dessa vez, com o apoio que tem, as pessoas vão sair às ruas para protestar. Pode haver um conflito grave", disse à BBC Brasil.

Horacio Cartes também quer se candidatar e vem tentando convencer o Congresso a alterar a Constituição, permitindo a reeleição. Lugo, porém, tem se oposto à proposta, argumentando que a mudança só poderia ser feita com a convocação de uma Assembleia Constituinte pelo próximo presidente, em 2019.

"Tenho certeza absoluta, Lugo não será candidato se não tiver a emenda (constitucional). Ele não poderá nem inscrever a candidatura", diz Bogado.

Questionado se acredita ser possível que o ex-bispo seja autorizado a concorrer, o sociólogo Fernando Masi ri e responde: "Tudo é possível no Paraguai".

Ele ressaltou, no entanto, que o Judiciário do país está sujeito a muitas pressões: "A Justiça não é independente no Paraguai. Está muito ao arbítrio do que dizem os políticos mais fortes e os poderes econômicos".

À BBC Brasil, Lugo disse que respeitará a decisão da Justiça.

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