PUBLICIDADE

Professores contam como estão aplicando no Brasil o que aprenderam na Finlândia

7 dez 2016 - 18h06
Compartilhar
Exibir comentários
Professores brasileiros debatem como pôr em prática os métodos finlandeses nas salas de aula brasileiras
Professores brasileiros debatem como pôr em prática os métodos finlandeses nas salas de aula brasileiras
Foto: BBC / BBC News Brasil

Todos saíram do Brasil com destino à Finlândia. Alguns, inclusive, decolaram no sol da Paraíba e desembarcaram em meio a muita neve em Helsinque.

Mas nenhum dos professores brasileiros que foram fazer um treinamento em Educação no país nórdico reclamou do frio. Em conversa com a BBC Brasil, eles falaram, empolgados, sobre como estão implementando - ou pretendem implementar - o que aprenderam no país nórdico em suas salas de aula tropicais.

Damione Damito, por exemplo, criou um podcast para divulgar as práticas que viu na Finlândia para os colegas.

"Muitos me escrevem contando que, em um determinado ponto do programa, pensaram: 'Espera, essa é a minha realidade também, acho que dá, sim, para fazer na minha sala de aula'", conta Damito, que é professor do Instituto Federal de São Paulo.

Os brasileiros também elogiaram o fato de o sistema educacional finlandês se preocupar, segundo eles, mais com a autoestima e o avanço individual de cada aluno do que com a posição do país nos rankings internacionais de educação.

No último estudo Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), divulgado nesta semana, a Finlândia aparece em quinto lugar no ranking de ciências, quarto em leitura e 12º em matemática, entre 70 países. O Brasil, por sua vez, ficou em 63º lugar, 59º lugar e 65º lugar, respectivamente.

Os docentes brasileiros participaram de aulas, workshops, visitas a escolas, encontros técnicos e eventos culturais. Eles foram selecionados pelo programa Professores para o Futuro, do Ministério da Educação, e pelo projeto Giramundo, patrocinado pelo governo do estado da Paraíba, para passar alguns meses estudando a educação finlandesa no país. As duas iniciativas devem continuar em 2017.

Veja os principais trechos dos depoimentos dos três a respeito do aprendizado:

'As iniciativas finlandesas podem ser aplicadas de maneira simples, sem muitos recursos' Damione Damito, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), viajou pelo projeto Professores para o Futuro.

Damione Damito criou um podcast para repassar conteúdo que aprendeu na Finlândia aos colegas de profissão
Damione Damito criou um podcast para repassar conteúdo que aprendeu na Finlândia aos colegas de profissão
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

"Eu fui para a Finlândia em 2015. No programa em que estava, todos precisam desenvolver um projeto de pesquisa. O meu foi o , que segue no ar porque há cada vez mais demanda.

Esse meio é interessante porque o professor se sente parte de uma rodinha de discussão. Fora que ele tem um potencial muito grande de atingir professores a custo muito baixo,

De início, muitos acham que não dava para replicar (os métodos finlandeses) aqui. Mas no podcast eu e outros participantes damos dicas de como fazer isso. E muitos me escrevem contando que, em um determinado ponto do programa, pensaram: 'Espera, essa é a minha realidade também, acho que dá, sim, para fazer na minha sala de aula'.

A ideia é mostrar que as iniciativas finlandesas podem ser aplicadas de uma maneira simples, sem muitos recursos. Sinto que os professores queriam mudanças mas não sabiam como colocá-las em prática. Então havia essa demanda. Em seis meses, tivemos 7 mil downloads únicos, sem divulgação.

Recebemos resposta positiva de professores de todo o Brasil e de outros países de língua portuguesa, como Portugal e Cabo Verde. Já gravamos alguns episódios em inglês também, que foram usados como referência de multiplicação de conteúdo pelo governo finlandês.

Os assuntos que geram mais discussão no podcast são a metodologia centrada no aluno e os PBL*. Apesar de tantas dificuldades que enfrentamos aqui, se o professor se esforçar para usar essa metodologia, as aulas serão mais legais para os alunos e até para eles mesmos.

Na Finlândia, fiquei muito impressionado logo de cara em como o ambiente de aprendizagem interfere no processo. Uma das salas das crianças têm bolas em vez de cadeiras - isso as acalma quando estão muito agitadas. Tudo é feito para o aluno gostar de estar em sala de aula. Elas têm sofá, pufe, pia, dá pra escrever em qualquer parede. Há paredes de vidro e em diferentes formatos. Tudo porque eles têm em mente que os alunos são diferentes e têm demandas diferentes. Eu me sentia muito confortável lá.

Mas eu esperava encontrar muita tecnologia, e não é bem assim. Tem o básico, um retroprojetor, iPad em algumas aulas. O importante, no entanto, não é isso.

É o ensino conectado com a realidade, é a aprendizagem ser significativa. Uma turma que acompanhei foi visitar um balé. Aprendeu conceitos de física como inércia e movimento com os passos de dança, vendo a bailarina rodar no próprio eixo. O professor de artes falou do contexto do espetáculo e o de história, do enredo.

Além do podcast, venho implementando aqui algumas práticas na minha sala de aula. Minha maior dificuldade é realmente na postura dos próprios alunos. Eles estão acostumados ouvir, anotar e a ver o professor transferindo conhecimento. Mas nesse projeto, os alunos viram protagonistas e encontram dificuldades.

Aos poucos, essa postura deles vem mudando. Estão se habituando a trabalhar baseados em projetos que eles mesmos definem, estão se adaptando e se empolgando."

*PBL é a sigla de metodologias chamadas de "problem-based learning" e "project-based learning" (ensino baseado em problemas ou em projetos). Neles, diferentemente das aulas mais tradicionais, problemas fictícios ou reais são o ponto de partida do aprendizado. Os alunos aprendem na prática e buscam eles mesmos as soluções do desafio.

Vilma Leitão diz que alunos finlandeses são "prioridade total" no processo de aprendizado
Vilma Leitão diz que alunos finlandeses são "prioridade total" no processo de aprendizado
Foto: BBC / BBC News Brasil

'Sei que não se alcançam mudanças radicais a curto prazo, mas vou trabalhar para desenvolver autonomia dos alunos' Vilma Raquel Medeiros Leitão, professora de inglês e espanhol do Ensino Fundamental e Médio em Patos (PB), que ficou na Häme University of Applied Sciences (HAMK), na cidade de Hämeelinna.

"Fiquei na Finlândia dois meses, e, logo nos primeiros dias, me chamou muito a atenção fato de o aluno ser prioridade total no processo, pois é ele próprio quem conduz e gerencia sua aprendizagem. Eles valorizam menos conteúdos ligados ao programa e mais o acompanhamento de como cada criança ou adolescente vai identificar e desenvolver suas competências.

Desde muito cedo, são observadas as necessidades e deficiências de cada aluno e elaborados planos individuais de estudos. Assim, todos têm o suporte necessário para superar possíveis dificuldades. Esse apoio vem do professor e de uma equipe formada por especialistas da escola que orienta os estudantes para que eles se tornem autônomos, motivados e confiantes.

Entendo que na educação não se alcançam mudanças radicais a curto prazo, mas vou adaptar as metodologias e práticas que observei na Finlândia à realidade da educação brasileira.

Vou procurar desenvolver a autonomia do aluno e incentivar o uso de ferramentas digitais numa perspectiva didática. Também vou mostrar a meus colegas a importância de se trabalhar com os alunos em grupo e com o chamado PBL para se criar um ambiente de aprendizagem efetivo, dinâmico e atraente para os alunos."

Alunos são encorajados desde cedo a mostrar habilidades a colegas e melhoram autoestima, diz Alexandre D'Andrea
Alunos são encorajados desde cedo a mostrar habilidades a colegas e melhoram autoestima, diz Alexandre D'Andrea
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

'Aprendi que professores são mais facilitadores da aprendizagem do que detentores absolutos do conhecimento' Alexandre D'Andrea, professor do curso de Gestão Ambiental e de Engenharia Elétrica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, em João Pessoa. Ficou na Häme University of Applied Sciences (HAMK).

"Um ponto importante que aprendi na Finlândia é que os professores atuam mais como facilitadores do processo de aprendizagem do que propriamente como detentores absolutos do conhecimento. Eles guiam os alunos, que têm liberdade de escolher as disciplinas pelas quais mais se interessam e desenvolver diversos trabalhos extraclasse.

Também me chamou a atenção o que eles chamam de positive feedback, ou reforço positivo, no qual os alunos desde cedo são encorajados a mostrarem as suas habilidades para os colegas e para o professor, aumentando gradativamente a sua autoestima. Com isso, ganham independência e autonomia na vida adulta e se tornam profissionais mais criativos e produtivos.

Aqui no Brasil estou aprimorando a adoção do chamado PBL, usando um problema ou fenômeno como ponto de partida para o desenvolvimento de habilidades e competências na sala de aula ou fora dela, como em visitas de campo.

Também tenho trabalhado com grupos de estudantes desenvolvendo projetos em ambientes naturais, como florestas e áreas protegidas. Além disso, faço palestras na região metropolitana de João Pessoa para multiplicar meu aprendizado para outros professores da rede pública."

Docentes fizeram parte de programas do governo federal e do governo da Paraíba, que continuam em 2017
Docentes fizeram parte de programas do governo federal e do governo da Paraíba, que continuam em 2017
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil
BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade