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Impeachment

Nomeação de Lula como "superministro" de Dilma faz 1 ano

16 mar 2017 - 15h22
(atualizado às 16h29)
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Foto: Getty Images

Há um ano, a última tentativa de Dilma Rousseff de estabilizar seu governo e salvar seu mandato fracassou espetacularmente. Após meses de turbulência, a presidente decidiu nomear o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu mentor e padrinho político, como um "superministro" da Casa Civil para tentar pacificar a base aliada e, assim, frear o andamento do processo de impeachment.

A nomeação de Lula para um posto-chave já vinha sendo especulada há meses. Petistas saudosos do ex-presidente e descontentes com a atuação de Dilma celebraram, apontando que o governo iria agregar a capacidade de articulação política e de comunicação de Lula - qualidades que faltavam em Dilma. O presidente do PT, Rui Falcão, deu o tom do que se esperava de Lula ao chamá-lo de "o ministro da esperança".

Mas ao olhar apenas para os possíveis ganhos, o governo Dilma e os petistas acabaram ignorando o alto risco dessa estratégia, que no mínimo iria escancarar ainda mais a incapacidade político-administrativa da presidente. A desgastada Dilma arriscava virar uma líder decorativa. Críticos disseram que Lula estava assumindo um "terceiro mandato". O ex-presidente chegou fazendo exigências e falando em povoar os ministérios com nomes do seu antigo governo e em mudar a política econômica.

Só que em vez de capacidade de articulação, o ex-presidente acabou trazendo seus próprios problemas ao coração de um governo fragilizado. A nomeação veio na esteira de uma série de encrencas de Lula com a Justiça. Doze dias antes, ele havia sido levado coercitivamente pela Polícia Federal para prestar depoimento. Na semana anterior à nomeação, o Ministério Público de São Paulo apresentou uma denúncia contra o ex-presidente e pediu sua prisão.

Nesse contexto, a indicação foi encarada como uma tentativa de afastar Lula da Justiça comum e blindá-lo com o foro privilegiado reservado aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Jornais resgataram uma antiga frase proferida por Lula nos anos 80: "quando um pobre rouba, vai para a prisão; quando um rico rouba, vira ministro". Críticas também vieram da imprensa internacional. O The New York Times escreveu que "os brasileiros estão enojados de seus líderes, com razão."

Dilma havia subestimado o desgaste da imagem pública de Lula. Mas a rejeição das ruas não desempenhou um papel decisivo no fracasso da cartada. Esse papel foi reservado ao juiz Sérgio Moro, o responsável por analisar os casos da Operação Lava Jato na primeira instância.

A noite dos grampos

Com uma atuação dura nos tribunais, mas até então publicamente discreta, Moro tomou a decisão que incendiou de vez a controvérsia. Horas depois do anúncio pelo Palácio do Planalto, jornalistas que normalmente cobrem a atuação da Lava Jato foram avisados de que Moro havia decretado o fim do sigilo sobre uma série de gravações de telefonemas do ex-presidente.

Entre essas conversas estava um diálogo que acabou sendo considerado pela imprensa a "arma fumegante" e uma prova de que a nomeação de Lula era uma tramoia para livrá-lo da Justiça comum - e a conversa envolvia justamente a então presidente Dilma. Uma leitura dramática dos diálogos pelos apresentadores do Jornal Nacional ajudou a potencializar tudo.

A conversa mais reveladora foi captada no mesmo dia da nomeação de Lula. Nesse diálogo de apenas 1 minuto e 35 segundos, Dilma disse a Lula que estava enviando um emissário para lhe entregar o termo de posse. A presidente disse ainda que ele deveria usar o documento "em caso de necessidade", o que sugeria que o termo era também uma espécie de salvo-conduto caso uma ordem de prisão fosse expedida.

A reação foi imediata, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar em diversas cidades. A oposição aumentou o volume das críticas. O jornal alemão Süddeutsche Zeitung resumiu o episódio todo com a frase: "Atualmente nada mais é inimaginável no Brasil".

No meio do escândalo, passou praticamente despercebido que a gravação desse diálogo específico ocorreu duas horas depois de uma ordem do próprio Moro para interromper as interceptações.

Também surgiram questões sobre a legitimidade da divulgação de conversas envolvendo a presidente. Com a nomeação de Lula, esperava-se que Moro remetesse as investigações contra o ex-presidente ao STF. Antes disso, ele resolveu tornar público o que tinha.

No entanto, as críticas ao juiz acabariam sendo diluídas em meio à tempestade que o caso gerou no governo. Os grampos telefônicos fizeram com que diversos juízes federais concedessem liminares para barrar a posse de Lula por suspeita de obstrução da justiça.

Efeito devastador

Lula chegou a tomar posse no dia seguinte, mas, pouco depois, o ministro do STF Gilmar Mendes, um notório crítico dos petistas, tomou a decisão de suspender a nomeação até que o caso fosse analisado. Até hoje o STF não revisou a liminar em plenário ou respondeu à pergunta se Lula poderia ter sido ministro ou não.

Moro chegou a receber um puxão de orelhas de outro ministro do STF, Teori Zavascki, então relator da Lava Jato. O juiz paranaense fez uma espécie de mea culpa ao apresentar "respeitosas escusas" ao tribunal pela polêmica gerada pelo caso. A partir daí, críticas pontuais à atuação de Moro se tornaram mais comuns no meio jurídico e em alguns setores da imprensa, mas sua imagem junto à opinião pública continua bastante favorável.

Para Dilma, o efeito do episódio foi devastador. O fracasso em trazer Lula ao governo ajudou a desagregar ainda mais o que restava de sua base aliada. O então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), ganhou mais força para reiniciar o processo de impeachment, que vinha se arrastando desde dezembro de 2015.

Na mesma semana, entidades antes hesitantes, como a Ordem dos Advogados Brasil (OAB), anunciaram seu apoio ao impeachment. Sem Lula no governo, dezenas de deputados que ensaiavam uma reaproximação com base nas promessas do ex-presidente de dar um novo rumo ao Planalto se voltaram de vez contra Dilma.

Um dia depois do imbróglio, a Câmara finalmente elegeu os integrantes da comissão especial responsável por analisar o processo de afastamento de Dilma. Pouco menos de um mês depois, o caso foi levado ao Plenário da Câmara, onde uma votação arrasadora praticamente selou a sorte da presidente.

O episódio ainda rendeu problemas legais para Dilma. No momento, ela e Lula são alvo de um inquérito no STF que apura as circunstâncias da nomeação e a suspeita de que eles atuaram para obstruir o trabalho da Justiça.

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