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Polícia

'Aprendemos a ficar de boca calada', diz moradora da Maré

Dona Maria José Pereira, há 50 anos vivendo na comunidade Nova Holanda, no complexo da Maré, já foi baleada por traficantes e, ainda assim, negou tudo em depoimento com medo de represálias

30 mar 2014 - 13h29
(atualizado às 16h42)
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Forças de Segurança ocuparam o Complexo de Favelas da Maré neste domingo
Forças de Segurança ocuparam o Complexo de Favelas da Maré neste domingo
Foto: Reuters

Enquanto mais de mil policiais desembarcavam ao longo das 15 favelas que formam o complexo da Maré, Dona Maria José Pereira, 66 anos, aposentada, varria a calçada de casa em aparente tranquilidade na comunidade Nova Holanda, um dos redutos do tráfico de drogas e onde há 50 anos ela chegou com o marido, Manoel Pereira, vinda de Nova Cruz, no interior do Rio Grande do Norte. 

Nesta mesma calçada, há um ano, ela teve a pior experiência de quem vive em comunidades dominadas pelo poder paralelo no Rio de Janeiro: foi baleada na perna por um traficante da região. Levada às pressas a um hospital de Bonsucesso, também na zona norte, ouviu do médico que “você teve a maior sorte do mundo, poderia ter atingido sua veia femoral. Você teria, nesse caso, cinco minutos de vida apenas”. 

“Mas você acha que eu denunciei? Fui dar o depoimento e neguei tudo, disse que não sabia de nada”, afirmou, antes de dar a explicação contundente. “Aqui nós aprendemos a ficar de boca calada”. É desta forma que a maioria dos moradores reagem a qualquer abordagem de jornalistas dentro do processo de pacificação da região – após este primeiro momento, o Exército assumirá o local até a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). 

<a data-cke-saved-href="http://noticias.terra.com.br/brasil/upps-sob-ataques/" href="http://noticias.terra.com.br/brasil/upps-sob-ataques/">veja o infográfico</a>

Ela não se deixa fotografar, tampouco mostrar o rosto em depoimentos em vídeo, mas aceitou falar com a reportagem do Terra para relembrar sua história junto do marido quando ambos deixaram o Nordeste em busca de uma nova vida. “Isso tudo aqui começou lá pela década de 80. Mas é aquela coisa, eu não posso ficar falando com vocês, ninguém sabe como vai ser o dia de amanhã”, resumiu.

Cerca de um mês após ser baleada "logo após colocar o pé para fora de casa", a idosa disse que recebeu a notícia de que o próprio poder paralelo da favela Nova Holanda, reduto da facção Comando Vermelho, tratou de matar o homem que teria sido o responsável pelo tiro que quase tirou-lhe a vida. "É uma pena vivermos dessa forma, com tanta violência".  

O marido, seu Manoel, consente com a cabeça e relembra as dificuldades da chegada ao local. “Isso aqui era só barraco de madeira e lama, muita lama. Hoje eu tenho esse sobrado, moramos com nossos dois filhos aqui do lado e espero que agora com um pouco mais de  paz. Quem sabe, né”, resumiu o pedreiro aposentado e esperançoso.

Ocupação da Maré

Reduto do crime organizado do Rio de Janeiro, o complexo de favelas da Maré, na zona norte da capital fluminense, foi ocupado nas primeiras horas deste domingo pelas forças de segurança do Estado no primeiro passo para a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) na região que compreende 15 favelas no total, com aproximadamente 130 mil moradores.

Segundo a Secretaria de Estado de Segurança, “as comunidades foram recuperadas pelas forças policiais sem encontrar resistência, o que permitiu o domínio dos pontos planejados dos territórios em 15 minutos”. Policiais continuam nas comunidades em operações de busca de criminosos, apreensões de armas, drogas e objetos roubados.

Participam da operação 1.180 policiais militares de várias unidades, entre elas o Batalhão de Choque e do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), além de policiais da Corregedoria Interna da PM. O Bope ocupa as favelas Nova Holanda e Parque União, enquanto que o Batalhão de Choque as outras 13 favelas. Da Polícia Civil, o efetivo no local é de 132 pessoas. Uma base móvel do Instituto Félix Pacheco está instalada no 22º BPM (Maré) para fazer a identificação biométrica de suspeitos.

Além disso, os policiais militares usam 14 blindados disponibilizados pela Marinha e um blindado do Batalhão de Polícia de Choque. Agentes do Comando de Operações Táticas da Polícia Federal e do Núcleo de Operações Especiais da Polícia Rodoviária Federal apoiam a operação.

De acordo com a Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, as comunidades que fazem parte do Complexo da Maré e serão ocupadas são: Praia de Ramos, Parque Roquete Pinto, Parque União, Parque Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Conjunto Nova Maré, Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau, Bento Ribeiro Dantas, Vila dos Pinheiros, Conjunto Pinheiros, Conjunto Novo Pinheiros (Salsa&Merengue), Vila do João e Conjunto Esperança.

O intuito da secretaria de Segurança Pública do Estado é abrir espaço para a entrada do Exército no local, que a exemplo do que ocorreu no complexo de favelas do Alemão, fará a ocupação do local até que o efetivo da Polícia Militar forme o novo efetivo para atuar na Maré – o acordo foi feito junto com ao Ministério da Justiça por intermédio do secretario José Mariano Beltrame e o governador Sérgio Cabral.

Fonte: Terra
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