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Polícia

5 problemas crônicos das prisões brasileiras ─ e como estão sendo solucionados ao redor do mundo

9 jan 2017 - 08h42
(atualizado às 09h02)
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Mortes em prisões de Manaus e em Boa Vista chamaram atenção para urgência na reforma de sistema.
Mortes em prisões de Manaus e em Boa Vista chamaram atenção para urgência na reforma de sistema.
Foto: iStock

Em novembro de 2012, o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que "preferia morrer" a "ser preso" no Brasil.

"Do fundo do meu coração, se fosse para cumprir muitos anos em alguma prisão nossa, eu preferia morrer", disse ele na ocasião.

"Quem entra em um presídio como pequeno delinquente muitas vezes sai como membro de uma organização criminosa para praticar grandes crimes", acrescentou.

Desde então, a situação pouco mudou ─ piorou, na verdade, segundo as mais recentes estatísticas oficiais.

A tal ponto que, na virada do ano, rebeliões em unidades prisionais de Manaus terminaram em tragédia, com 60 presos mortos, a maior desde o Carandiru.

Na sexta-feira passada, outros 33 detentos foram mortos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, a maior de Roraima.

Esse cenário não é exclusivo do Brasil. Outros países também enfrentam problemas semelhantes.

Mas iniciativas colocadas em prática no exterior para melhorar as condições de vida e a segurança nas prisões vêm obtendo resultados promissores.

A BBC Brasil listou cinco problemas crônicos das prisões brasileiras ─ e como estão sendo solucionados ao redor do mundo.

1) Superlotação

Um dos principais problemas do sistema penitenciário brasileiro é a superlotação. Com a quarta maior população carcerária do mundo, o Brasil possui, segundo o Ministério da Justiça, 622 mil detentos, mas apenas 371 mil vagas.

A cada mês, penitenciárias de todo o país recebem 3 mil novos presos.

E desde 2000, a população carcerária praticamente dobrou de tamanho.

Especialistas ouvidos pela BBC Brasil acreditam que a solução desse problema estaria na combinação de penas alternativas ─ e mais curtas, dependendo do crime cometido ─ e julgamentos mais rápidos.

"Para melhorar a situação atual, o Brasil deve, em primeiro lugar, reduzir o número de prisioneiros, começando pelos que estão presos aguardando julgamento. Se a prisão é um lugar para a reabilitação, elas não podem estar repletas de pessoas que ainda não foram consideradas culpadas", diz à BBC Brasil Alessio Scandurra, coordenador do Observatório Europeu das Prisões, sediado em Roma.

"Inevitavelmente, as penitenciárias acabam se tornando lugares para estocar gente, verdadeiros armazéns humanos, e não promovem a reinserção social", acrescenta.

Atualmente, três em cada dez presos brasileiros esperam ser julgados pelos crimes que cometeram atrás das grades.

Na Suécia, por exemplo, 80% dos prisioneiros são condenados a menos de um ano de prisão. Juízes também vêm dando penas menores especialmente para crimes relacionados a drogas.

O mesmo ocorre na Noruega. No país escandinavo, a condenação máxima ─ com raras exceções, como genocídio ou crimes de guerra ─ é de 21 anos.

O extremista norueguês Anders Behring Breivik, autor confesso de um ataque armado em 2011 que resultou na morte de 77 pessoas, foi condenado à pena máxima.

A pena (em média, 100 dias por cada vida que ceifou), foi considerada excessivamente branda em vários cantos do mundo ─ mas muitos noruegueses, incluindo pais que perderam seus filhos no massacre, se mostraram satisfeitos com o veredicto.

O que muitos fora da Noruega talvez não sabiam é que, a cada cinco anos, serão feitas avaliações sobre o comportamento do preso e o potencial de sua reabilitação, e a pena pode ser estendida em igual período, indefinitivamente.

Mas se as autoridades perceberem que Breivik não está se recuperando, ele pode permanecer na prisão para sempre.

Já o Estado americano do Oregon reduziu o tempo de prisão para quem comete infrações de menor gravidade, como falsidade ideológica e porte de maconha para consumo próprio.

Outros Estados do país também vêm fazendo o mesmo, revendo penas mínimas e reclassificando infrações.

2) Reincidência

A reincidência ─ ou seja, voltar a praticar o crime ─ é um problema global.

Prisão de segurança máxima de Halden, na Noruega, não tem grades nas janelas e cozinhas são equipadas com objetos pontiagudos
Prisão de segurança máxima de Halden, na Noruega, não tem grades nas janelas e cozinhas são equipadas com objetos pontiagudos
Foto: Prisão de Halden / BBC News Brasil

Mas no Brasil tem dimensões muito maiores. Segundo estatísticas oficiais, 70% dos que deixam a prisão acabam cometendo crimes novamente.

A solução para esse problema, na avaliação de especialistas, passa pelo tratamento recebido pelos detentos.

Sendo assim, medidas socioeducativas dentro das prisões são indispensáveis para reintegrá-los à sociedade.

Um relatório sobre reincidência realizado pelo Departamento de Justiça dos Estados em 2007 mostrou que um encarceramento mais rígido aumenta, na verdade, as chances de um ex-detento voltar a cometer crimes.

Enquanto isso, indica o estudo, prisões que incorporam "programas cognitivos-comportamentais baseados na teoria de aprendizagem social" são mais efetivas em manter ex-detentos longe das grades.

A Noruega, por exemplo, segue o modelo chamado de "justiça restaurativa", em oposição à concepção tradicional da justiça criminal - a justiça punitiva-retributiva, que vigora no Brasil.

Esse sistema propõe reparar os danos causados pelo crime (não somente às vítimas, mas também à sociedade e ao criminoso) em vez de punir pessoas. Foca-se, assim, em reabilitar os prisioneiros.

Um dos exemplos mais notórios disso no país é a prisão de segurança máxima de Halden.

Ali não há grades nas janelas, as cozinhas são equipadas com objetos pontiagudos e guardas e prisioneiros mantêm uma relação de amizade. As celas também possuem TV de tela plana, minirrefrigerador e banheiro privativo.

Descrita como a penitenciária mais "humana do mundo", Halden busca preparar os detentos para a vida fora da prisão por meio de programas vocacionais: marcenaria, oficinas de montagem e até um estúdio para gravação musical. Os prisioneiros também têm aulas de natação e de tênis.

Iniciativas parecidas também existem na Alemanha e na Holanda.

Em muitas prisões dos dois países, detentos não são obrigados a usar uniforme e podem exercer controle parcial sobre as suas vidas. Por outro lado, são forçados a trabalhar e a estudar. Eles também desfrutam de certa privacidade ─ os guardas, por exemplo, batem antes de entrar nas celas ─ e mantêm o direito ao voto. Celas solitárias são raramente usadas.

Já nos Estados Unidos, alguns Estados vêm colhendo os frutos dos programas de reintegração social oferecidos aos internos.

No Texas, o Prison Entrepreneurship Program (PEP, ou Programa de Empreendedorismo na Prisão, em português) ensina aos detentos habilidades importantes em um ambiente empreendedor ─ como criar um plano de negócios e buscar financiamento.

Como resultado, a taxa de reincidência entre os presos que fizeram o curso é de apenas 7%, contra 76% da média nacional.

Além disso, praticamente todos eles conseguiram emprego após deixar a prisão.

Dos 1,1 mil graduados, 165 abriram o próprio negócio ─ e pelo menos dois deles já têm patrimônio superior a US$ 1 milhão (R$ 3,22 milhões).

No Estado americano de Delaware, os detentos podem reduzir o tempo de prisão em 60 dias a cada ano se completarem com sucesso os programas para evitar reincidência

E, na República Dominicana, um sistema implantado em algumas prisões conseguiu reduzir em dez vezes ─ de 50% para 5% ─ a taxa de reincidência.

Em vigor desde 2003, o modelo consiste na alfabetização compulsória dos detentos. Além disso, outros programas educacionais foram reforçados.

3) Saúde precária

Estudos mostram que detentos brasileiros têm 30 vezes mais chances de contrair tuberculose e quase dez vezes mais chances de serem infectados por HIV (vírus que causa a AIDS) do que o restante da população.

Além disso, estão mais vulneráveis à dependência de álcool e drogas.

Nos Estados Unidos, a Geórgia investiu US$ 5,7 milhões (R$ 18,3 milhões) em programas de combate ao abuso de álcool e drogas, reduzindo, assim, a probabilidade de que o prisioneiro volte a cometer crimes depois de ganhar a liberdade.

Já na Suécia, há um programa específico composto de doze etapas para tratar presos com algum tipo de vício, o que, segundo especialistas, está na raiz de muitos crimes. Um funcionário cuida de cada preso.

Mas especialistas suecos acreditam que não basta combater o vício. Nils Oberg, chefe do Serviço de Prisão e de Liberdade Condicional da Suécia, contou ao jornal britânico The Guardian acreditar que vários casos de reincidência de crimes estão ligados a Transtorno de Deficit de Atenção, depressão e outros distúrbios, e o país passou a oferecer tratamento qualificado para estes problemas.

Segundo o The Guardian, desde 2004, a população prisional da Suécia - país com 9,5 milhões de habitantes - caiu de 5.722 para 4.500, e algumas prisões tiveram de ser fechadas por falta de presos.

Nos EUA, a saúde mental dos presos também foi identificada como um problema a ser enfrentado.

Um relatório de Departamento de Justiça dos Estados Unidos publicado em 2006 revelou que cerca de 56% dos detentos de presídios estatais, 45% de presídios federais e 64% das cadeias comuns sofriam algum tipo de problema de saúde mental ─ o que pode prejudicar sua reintegração à sociedade.

A Geórgia, por exemplo, investiu outros US$ 11,6 milhões (R$ 37,2 milhões) na expansão de tribunais para julgamentos rápidos, focados em detentos com histórico de abuso de drogas ou de doença mental.

4) Má administração

O sistema prisional brasileiro sofre com a má administração.

Prisões geridas tanto pelo poder público quanto pelo capital privado enfrentam problemas como superlotação, condições insalubres e rebeliões.

O Estado americano da Carolina do Sul vem conseguindo reduzir a população carcerária, economizando mais de US$ 5 milhões (R$ 16 milhões) por ano em recursos públicos, depois de adotar uma estratégia conhecida como "reinvestimento de Justiça".

A partir do uso de modelos matemáticos, as autoridades reúnem dados para entender o que há por trás dos custos do sistema prisional ─ por exemplo, por que o número de presos está crescendo.

Elas desenvolvem, então, políticas para solucionar esses problemas, como penas alternativas para crimes de menor gravidade ou acompanhamento obrigatório de prisioneiros em liberdade condicional.

A partir daí, acompanham o progresso para ver quais reformas estão funcionando.

Em última análise, o objetivo é evitar que os prisioneiros voltem a cometer crimes.

Também nos Estados Unidos, o Estado de Ohio aprovou uma lei que exige o uso de um conjunto padrão de ferramentas de avaliação de risco em todo o sistema prisional.

Essas ferramentas ajudam a prever os fatores de risco criminais dos infratores bem como a probabilidade de reincidência. Elas também permitem às autoridades saber quem pode ser solto com supervisão.

Por sua vez, um bom exemplo do impacto da pressão externa vem da Suécia. No país, os contratos para a prestação de serviços de educação aos presos são licitados a cada três anos.

5) Falta de apoio da sociedade

Especialistas alertam, ainda, para a falta de apoio da sociedade na reintegração dos presos.

"Em todo o mundo, e talvez em maior grau no Brasil, discursos políticos que apelam para um endurecimento do combate ao crime ganham votos, não o oposto", afirma Scandurra, do Observatório Europeu das Prisões.

"E por causa disso, mesmo políticos que sabem muito bem que esse tipo de política é cara e fadada ao fracasso, a acabam apoiando porque têm medo de perder eleitores", acrescenta.

No Estado americano de Minnesota, uma ONG conduz entrevistas para saber se os detentos têm acesso a auxílio-moradia, acompanhamento psicológico e plano de saúde.

Desde 2014, a Transition from Jail to Community Initiative (Iniciative de Transição da Prisão para a Comunidade) vêm fornecendo esses tipos de serviços a quem acabou de deixar a prisão.

A iniciativa envolve não só assistentes sociais, mas também policiais e juízes.

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