PUBLICIDADE

Não-índios retiram últimos pertences da Raposa Serra do Sol

30 abr 2009 - 11h05
(atualizado às 11h07)
Compartilhar

Famílias de agricultores brancos que devem, por ordem judicial, deixar a Raposa Serra do Sol até o fim desta quinta-feira, ainda trabalham para conseguir retirar todos os seus pertences em tempo hábil. Magoados com o governo federal e com a Justiça, muitos deixarão a área com o futuro ainda incerto. É o caso do agricultor Aílton Cabral, 66 anos, que levará aproximadamente 600 animais (bois, porcos, galinhas) provisoriamente para as terras de um primo, enquanto discute na Justiça o valor da indenização a ser paga pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e aguarda a indicação pelas autoridades de uma área compatível para assentamento.

"Eu estou sendo escorraçado. Desde o início, o governo adotou uma forma truculenta, vil e covarde de tratar a questão", reclamou Cabral. "Essa era uma área muito boa para a criação. Conseguir outra igual é muito difícil. Prometeram uma terra, mas até hoje não tenho para onde ir", acrescentou.

Os brancos casados com índias podem permanecer na área desde que concordem com a vida em coletividade e abram sua área para uso comum. Mas nem todos que estão nessa situação quiseram ficar. O policial militar aposentado Clóvis Pereira, 52 anos, casado com indígena, aceitou contrariado a indenização de R$ 25 mil (ele acredita que teria de receber R$ 60 mil) e está de mudança para uma casa na periferia de Boa Vista. Deixará a casa de quatro cômodos, onde morou por décadas, porque teme ser perseguido pelos índios que não queriam a permanência dos brancos na reserva.

"O sentimento é de muita tristeza em deixar o lugar onde criei meus filhos. E estou saindo sem dignidade. Ofereceram um transporte que não era adequado e poderia estragar nossas coisas. Então, eu mesmo vou pagar a mudança", afirmou Pereira, enquanto orientava o carregamento de um caminhão.

Dos seis grandes produtores de arroz que atuavam na reserva, três disseram já ter concluído a desocupação das fazendas. Os outros ainda têm colheitas pendentes e insistem que o governo federal não tem condições de se responsabilizar pelo aproveitamento dos grãos. Querem pelo menos mais 30 dias para sair pacificamente da área. A dúvida é se ficarão nas fazendas depois do dia de hoje, mesmo correndo o risco de serem retirados à força pela Polícia Federal.

Comissão do Senado

Os senadores Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e Augusto Botelho (PT-RR) visitaram comunidades como representantes de uma comissão externa do Senado. Eles se comprometeram a cobrar do governo federal melhor assistência na reserva e condições dignas de indenização e reassentamento para quem sair.

"Não estão retirando da região animais, mas seres humanos, então o governo federal precisa cuidar do pós-saída. Por enquanto, (o governo federal) não está cumprindo o prometido. Não dá para misturar pessoas que saírem daqui com sem-terras em assentamento de reforma agrária. Eles devem ter um condição equivalente àquela em que viviam aqui", ressaltou Cavalcanti.

"Espero que não aconteça aqui o que aconteceu em São Marcos (reserva indígena vizinha à Raposa Serra do Sol). Os irmãos índios de lá sobrevivem porque fazem contrabando de gasolina da Venezuela. Então, nós temos que dar alternativas de sobrevivência para os que ficam aqui", completou Botelho.

Incoformismo

O processo de desocupação não é traumático apenas para quem está de partida. Representantes da Sociedade dos Índios Unidos em Defesa de Roraima (Sodiu-RR), que sempre foram contrários à retirada dos brancos da reserva, ainda demonstram inconformismo com a decisão do Supremo Tribunal Federal e se emocionam ao acompanhar a saída de vizinhos.

"É uma injustiça. Porque se o governo desse condições para todas essas pessoas seria bom, mas não dá. Só se importam com a retirada e tem família saindo para ficar na casa de um ou de outro. Então, fica uma revolta e uma dor de perder pessoas que nunca quiseram sair de dentro do Surumu", afirmou, chorando, a tuxaua (cacique) da comunidade do Surumu, Elielva dos Santos, da etnia Macuxi, enquanto observava famílias preparando suas mudanças.

"Estamos vendo um sofrimento desnecessário aqui", completou o índio José Brazão, um dos coordenadores da Sodiu-RR.

Segundo Elielva, a Sodiu-RR nunca foi ouvida pelas autoridades com atenção durante o processo que resultou na demarcação da reserva em faixa contínua. Integrantes de famílias indígenas trabalhavam nas fazendas de arroz e outras famílias de agricultores brancos nasceram e foram criados na Vila Surumu.

Essa parcela dos índios, evengélicos, tem divergências históricas com os parentes ligados ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), católicos e entusiastas da demarcação contínua. Agora terão de chegar a um consenso quanto à exploração da área de 1,7 milhão de hectares. Mas não será fácil. Feridas seguem abertas e o risco de conflitos entre as comunidades é admissível.

"Acho que é agora que a Raposa vai ficar em guerra. Não tem mais branco para levar a culpa. O CIR não concorda com a ideologia da Sodiu-RR e não sabe respeitar a nossa opinião. Mas nossas comunidades não vão aceitar que eles cheguem impondo as coisas, ditando as regras", afirmou Elielva.

Brazão, o coordenador da Sodiu-RR, ressaltou que as comunidades ligadas à entidade têm planos imediatos para intensificar a produção agrícola de macaxeira, melancia e outros alimentos, inclusive com estrutura de transporte para viabilizar a comercialização nas cidades. Ele desdenha da capacidade do CIR de implantar algum projeto positivo na reserva.

No CIR, a direção prefere adotar um discurso diplomático. Reitera a satisfação com a decisão do STF, sob o argumento de que a cultura indígena será mais preservada e desenvolvida após a saída dos brancos. Em relação à Sodiu-RR, a promessa é de que haverá um esforço para por fim às divergências.

"Acho que isso (as diferenças ideológicas entre as entidades) vai mudar. Nossos parentes vão entender que o futuro da Raposa Serra do Sol será melhor para todo mundo", argumentou Martinho Macuxi, coordenador do CIR.

Agência Brasil Agência Brasil
Compartilhar
TAGS
Publicidade