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'Meu sonho é respirar sem aparelhos': o drama das filas de transplante de pulmão

18 jan 2017 - 13h47
(atualizado às 15h02)
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"Medo é psicológico", diz Maria Eduarda Zilio, de 14 anos. Uma sorridente jovem que, apesar da pouca idade, já enfrenta uma corrida pela vida e cujo sonho é ter um dia a dia normal, como qualquer menina.

Duda é uma das 42.306 pessoas na fila para um transplante de órgão no Brasil
Duda é uma das 42.306 pessoas na fila para um transplante de órgão no Brasil
Foto: Gabi Di Bella

Duda, como gosta de ser chamada, sofre de fibrose cística, doença de origem genética que compromete os órgãos - em especial os pulmões.

Por força da enfermidade, ela entrou, em 7 de janeiro de 2016, para a fila de 42.306 pessoas que, segundo dados do Ministério da Saúde, aguardam por um transplante de órgão hoje no Brasil. O de pulmão está entre as cirurgias consideradas mais complexas pela medicina.

A espera de Duda se torna ainda mais particular por suas peculiaridades: o pulmão precisa ser pequeno, de alguém com até 1,40 m de altura. Para complicar ainda mais seu caso, ela está entre os 6% de pessoas no mundo que tem sangue B+, o que reduz, e muito, as probabilidades de encontrar um doador compatível.

O diagnóstico da doença veio aos 3 anos - os problemas mais sérios começaram em 2014, aos 12. "Ela fazia esportes, educação física no colégio, sempre levou uma vida normal. Mas em julho daquele ano ficou 21 dias internada", conta a mãe Margarete Zilio, de 52 anos.

Desde então, a doença evoluiu e levou a uma mudança de vida de toda família. Na volta para casa, ela sofreu um pneumotórax (acúmulo anormal de ar entre o pulmão e a pleura, membrana que reveste internamente a parede do tórax) e ficou mais 39 dias internada.

"Foram quarenta. Cada dia a mais conta", corrige logo Duda.

Na busca por tratamento, os pais e a menina se mudaram de Jundiaí, no interior de São Paulo, para Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre, a capital gaúcha.

A família chegou a fazer campanha nas redes sociais pedindo ajuda. A página "Duda Zilio - Garota de fibra" ainda está no ar.

Na Santa Casa de Porto Alegre, centro de referência em transplantes no país, a menina faz reabilitação junto a outros 40 pacientes enquanto aguarda um órgão compatível. "Duda engordou dez quilos depois que começou a reabilitação, foi maravilhoso pra ela", conta a mãe.

Lá, todos vivem conectados ao cilindro de oxigênio, o equipamento com o qual Duda convive 24 horas por dia. Uma fonte de vida, mas também de problemas.

"As pessoas tropeçam no fio. A minha mãe e a minha avó também. Quando eu grito 'Mãe!' já é tarde, acaba que até arranca do nariz", conta a menina, rindo.

Ela também passa por dificuldades na rua. As pessoas não enxergam a mangueira fina e passam no meio, entre a menina e a mãe - o paciente não deve levar o equipamento e, por isso, tampouco pode andar sozinho.

"O sonho dela é entrar na sala de cirurgia e sair de lá sem ter que carregar mais esse tubo", diz a mãe.

Duda vai à escola normalmente, mas não pôde participar da viagem de formatura. Como o órgão pode surgir a qualquer momento, a família não pode viajar.

Duda só pode receber pulmão se ele vier de alguém com até 1,40m de altura
Duda só pode receber pulmão se ele vier de alguém com até 1,40m de altura
Foto: Gabi Di Bella

"Gostaríamos de ir conhecer a serra e outros lugares, mas não podemos nos afastar e correr o risco de não conseguir chegar na Santa Casa a tempo", explica Margarete.

Enquanto isso, a adolescente curte as férias lendo e vendo filmes com os pais. "Outro dia, ficamos até às 3h da manhã assistindo a Harry Potter", conta.

A mãe já fez exames para avaliar a compatibilidade de fazer um transplante intervivos - aquele em que o doador está vivo. Nesse caso, porém, é preciso mais de um doador.

"Eu sou compatível, mas estamos vendo se alguém mais da família é. Isso é muito difícil porque as pessoas tem medo da cirurgia. Eu entendo", afirma.

Duda pensa no futuro com otimismo: "Quero ser médica, geriatra ou pediatra, adoro velhinhos e crianças", diz.

A escolha de Sofia

A mãe de Duda fez testes de compatibilidade para um transplante intervivo
A mãe de Duda fez testes de compatibilidade para um transplante intervivo
Foto: Gabi Di Bella

O médico Sadi Sochio, coordenador clínico da equipe de transplante de pulmão da Santa Casa, define a luta de Duda e dos demais pacientes como o "jogo perverso de ganhar a corrida da morte que está se avizinhando. É uma corrida imoral", define.

Todos os anos são realizados em média 30 transplantes de pulmão em Porto Alegre, apesar da capacidade e da estrutura do hospital permitirem o dobro disso.

"Nós estamos aqui, prontos. Podemos realizar de 50 a 60 transplantes por ano, mas precisamos de ajuda da sociedade. Precisamos que as pessoas se declarem doadoras e que as famílias saibam disso", diz.

A lista de espera por transplantes de pulmão na Santa Casa tem 60 pacientes. O prognóstico é de que a chance de esses pacientes morrerem em dois anos é de 50%.

"As pessoas não são um litro de leite que vem com data de validade. Não temos como saber quando a pessoa vai morrer. Caso esses pacientes não recebam o enxerto (órgão novo), metade deles vai morrer. Isso é um dado bem real que acompanhamos há bastante tempo", explica o médico.

Segundo dados do Ministério da Saúde, 182 pessoas esperam por um pulmão
Segundo dados do Ministério da Saúde, 182 pessoas esperam por um pulmão
Foto: Gabi Di Bella

Dos pacientes que chegam a fazer o procedimento, 50% veem melhora em sua qualidade de vida e tem uma expectativa de vida ampliada em cinco anos. Para 99% deles, não existe a possibilidade de transplante intervivos, até porque, para isso, não existe cobertura pelo SUS.

Um transplante de pulmão entre duas pessoas vivas custa cerca de US$ 100 mil dólares.

"Se eu fizer isso, vou ter que fechar o programa de transplantes, porque diminui o número de operações que posso fazer por ano", afirma Sochio.

Segundo dados do Ministério da Saúde, 2,3 mil pessoas morreram à espera de um órgão no Brasil em 2015.

Na Santa Casa de Porto Alegre, foram realizados 30 transplantes de pulmão em 2016, dois a mais do que em 2015 - ano em que foram realizados quatro transplantes em intervivos.

No país inteiro (o procedimento também é feito em hospitais em Fortaleza e em São Paulo) foram realizados 74 transplantes de pulmão em 2015 e 72 até agosto de 2016, de acordo com o Ministério da Saúde - 182 pessoas estão à espera do órgão.

Sochio afirma que a principal causa da necessidade de transplantes ainda é o tabagismo. Ele pede que as pessoas externem seu desejo de serem doadoras e, assim, ajudar essas pessoas.

"No jantar de Natal, no almoço de domingo... as pessoas têm que informar a família de que querem doar órgãos caso algo ocorra", diz.

O médico afirma o órgão recebido deve ser usado da forma mais cuidadosa possível e que a busca é por pacientes que tenham mais cuidado e disciplina, que vão cuidar bem deles.

"Vivemos uma escolha de Sofia diária", relata.

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