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Governo lança ofensiva internacional para tentar reverter danos da operação Carne Fraca

24 mar 2017 - 17h19
(atualizado às 17h34)
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Frigoríficos embalavam novamente carnes vencidas e colocavam à venda, sob vista grossa de fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento subornados
Frigoríficos embalavam novamente carnes vencidas e colocavam à venda, sob vista grossa de fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento subornados
Foto: Agência Brasil

"O que está sendo investigado neste momento é a conduta de agentes públicos que estavam fazendo a fiscalização. Não temos até o momento nenhum questionamento sobre a qualidade dos produtos que consumimos no Brasil e que exportamos para fora."

O argumento do ministro da Agricultura Blairo Maggi foi repetido pelo menos 15 vezes, com pequenas variações nas frases, ao longo da entrevista coletiva de uma hora concedida a jornalistas estrangeiros por telefone nesta quinta-feira.

A repórteres da Irlanda, Espanha, Japão, França, Argentina e agências internacionais, Maggi insistiu, repetiu e reiterou que a operação Carne Fraca lançou holofotes sobre falhas humanas de 33 agentes fiscais, mas que não há dúvidas sobre a qualidade das carnes produzidas e vendidas pela indústria brasileira.

A teleconferência internacional foi parte da ofensiva lançada pelo governo em várias frentes para tentar conter as enormes perdas no setor após a operação da Polícia Federal, que colocou sob suspeita 21 frigoríficos e levou a uma queda vertiginosa das exportações.

Maggi estima que o prejuízo ocasionado pela ação policial da última sexta-feira possa chegar a U$ 1,5 bilhão (R$ 4,7 bilhões) num setor que costuma movimentar cerca de US$ 14 bilhões (R$ 43 bilhões) por ano.

Na última terça-feira, o valor do total das exportações despencou em relação à média diária: as vendas foram de apenas US$ 74 mil (R$ 232 mil), quando o valor padrão é da ordem de US$ 63 milhões (R$ 197 milhões).

De acordo com o Ministério da Agricultura, 17 países mais a União Europeia continuam impondo diferentes níveis de restrições à importação de carne brasileira por causa da desconfiança disseminada pela operação da Polícia Federal.

Em onze deles, incluindo China e Hong Kong - dois dos maiores compradores da carne brasileira - a importação foi inteiramente suspensa temporariamente.

Além do bloqueio, Hong Kong anunciou, nesta sexta-feira, que vai retirar do mercado a carne procedente dos 21 frigoríficos investigados; e a União Europeia avisou que os contêineres procedentes dos mesmos serão rejeitados pelo bloco e terão que retornar ao Brasil.

Desastre 'sendo elucidado'

Nesta sexta-feira, o presidente Michel Temer voltou a defender de modo enérgico a indústria brasileira, afirmando que é "a melhor carne do mundo". Ele prometeu ligar para o presidente da China, Xi Jinping - com quem teria "liberdade" por já ter encontrado algumas vezes - para tentar acabar com o embargo imposto pelo país à carne brasileira.

A China é o segundo maior comprador de carne bovina e de frango do Brasil.

"Eu peço ao nosso Itamaraty, ao nosso Ministério das Relações Exteriores, que coloque os embaixadores todos, em todos os países importadores, esclarecendo esses fatos", conclamou Temer na quinta, ao discursar durante a cerimônia de lançamento do novo portal do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

Temer disse que o país está se mobilizando para contestar aquilo que poderia se tornar "um evento internacional desastroso", mas "está sendo elucidado".

A ofensiva diplomática para remediar a crise começou no fim de semana passado, quando Temer se reuniu com embaixadores de alguns dos 150 países que importam carne brasileira. O Brasil responde por 20% do mercado internacional do setor.

'Restrições arbitrárias'

Na quarta-feira, o governo fez um pronunciamento na Organização Mundial do Comércio, em Genebra, dirigindo-se a membros do Comitê de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias.

Disse que vem agindo "para avaliar a segurança dos consumidores nacionais e internacionais em relação à qualidade da carne produzida no país" e assegurou que "os controles sanitários brasileiros são sólidos e confiáveis" e o serviço de inspeção de produtos animais do Ministério da Agricultura, "rigoroso e robusto".

Na mensagem, o governo disse esperar que os países membros "não recorram a medidas que constituam restrições arbitrárias ao comércio internacional ou contrariem as disciplinas do Acordo SPS (referente a medidas sanitárias) e outras regras da OMC".

Para além das agendas da semana, o esforço de reparar a imagem da indústria brasileira continuará a permear as ações tanto do Itamaraty quanto do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

Na semana que vem, por exemplo, o ministro da Indústria, Marcos Pereira, estará em Buenos Aires. A agenda que já estava montada inclui participação no Fórum Econômico Mundial para América Latina e reuniões de alto escalão.

Mas agora os encontros serão aproveitados para defender a carne brasileira e falar da solidez do sistema de fiscalização e vigilância sanitária no país.

Assim será daqui para a frente, em agendas internacionais ou no Brasil, em encontros com embaixadores e representantes de organismos multilaterais, durante o tempo que for necessário para reconstruir a imagem do setor, informa o ministério.

Falhas na comunicação

Nos pronunciamentos feitos na quinta-feira, tanto Temer quanto o ministro Blairo Maggi reiteraram os números relativos à operação Carne Fraca para enfatizar que os frigoríficos em investigação são apenas uma pequena parcela da indústria brasileira.

"Do total de 4.837 plantas que controlamos pela fiscalização federal, apenas 21 estão sob investigação", apontou Maggi. "Temos mais de 11 mil servidores no Ministério da Agricultura e 2,3 mil agentes fiscais. Apenas 33 estão sendo investigados por sua conduta", afirmou, corrigindo-se em seguida para dizer que mesmo esses 33 já seriam "muito".

Na conversa com jornalistas estrangeiros, Maggi disse que houve "exageros" na forma como a operação policial veio a público, criando uma "imputação sobre a qualidade dos produtos" que não seria verdadeira.

Ele citou como exemplos a ideia de que produtos usados pela indústria seriam cancerígenos e a repercussão negativa da divulgação de que embutidos conteriam "papelão". Mais tarde, a última informação foi elucidada quando veio à tona que, na ligação telefônica em que a tal conclusão se baseara, o diálogo se referia à embalagem e não à composição do produto.

"A forma como a operação foi comunicada criou toda essa confusão que estamos vendo hoje e gerou preocupação sobre a qualidade dos produtos brasileiros", afirmou Maggi. "Mas, novamente, a investigação é sobre a conduta das pessoas. A questão sanitária não está em jogo", insistiu.

Governo tenta defender internacionalmente produção brasileira
Governo tenta defender internacionalmente produção brasileira
Foto: EPA / BBC News Brasil

Questionamentos permanecem

Os questionamentos da imprensa internacional dão uma dimensão das perguntas que reverberam no exterior.

As distorções reveladas pelas investigações não colocariam em xeque o sistema de rastreamento da indústria? Se propinas estavam sendo pagas, isso não colocaria em xeque todo o sistema? O governo tem confiança de que o número de frigoríficos investigados não vai aumentar?

A jornalista Margaret Donnelly, especialista na cobertura agrícola e editora da página FarmIreland, do grupo Independent News and Media, na Irlanda, ouviu do ministro que, não, o sistema de rastreamento das carnes e a qualidade dos produtos brasileiros não estavam sendo colocados em dúvida. "O que está sendo investigado é a conduta de servidores que deveriam ter feito um trabalho diferente", explicou Maggi.

À BBC Brasil, porém, Donnelly disse não acreditar que as explicações do ministro vão apaziguar os temores sobre o sistema de fiscalização na indústria brasileira.

"O ministro insistiu que a investigação se refere às pessoas que trabalham no setor, e não à qualidade da carne. No entanto, a reputação de qualquer cadeia de abastecimento depende muito da robustez do sistema de controle e fiscalização. E as pessoas são fundamentais para garantir que esses controles funcionem."

A Irlanda faz parte da União Europeia, que impôs restrições parciais, vetando produtos dos estabelecimentos suspensos e interditados. Donnelly disse que o caso despertou considerável interesse local - e especulações de que o país poderia se beneficiar, com maior demanda global por carne bovina, suína e de carneiro podendo ser parcialmente suprida pela nacional.

"Isso virou uma história global rapidamente porque se trata de comida, então afeta todo consumidor de alguma forma. Acho que haverá implicações graves de curto e longo prazo para a indústria brasileira", considera. Para ela, as consequências na cadeia industrial dependerão de como o impacto será sentido pela indústria ao longo das próximas semanas; já os danos à reputação podem durar "meses ou mesmo anos".

Silvia Naishtat, editora da seção nacional do jornal Clarín, em Buenos Aires, afirma que o escândalo vem sendo amplamente coberto na Argentina e tem gerado "enorme preocupação, já que duas das empresas implicadas - JBS e BRF - têm forte atuação no país e lideram segmentos do mercado".

"Esta investigação despertou alertas em todos os níveis na Argentina. As autoridades sanitárias prometeram aumentar os controles, e as pessoas começaram uma campanha nas redes sociais defendendo o boicote a produtos da JBS e BRF", relata.

Ela diz que o alarme se propagou por toda a cadeia industrial de carne argentina, com temor de que as represálias ao Brasil possam acabar castigando também os países do Mercosul.

Na teleconferência, sua colega em São Paulo, Eleonora Gosman, perguntou ao ministro Blairo Maggi por que o governo não adotava uma estratégia de "transparência absoluta" diante do escândalo, afirmando que a crise havia despertado "muito medo" na Argentina.

"É isso que estamos fazendo", respondeu o ministro. "A determinação do ministério e do presidente Temer é de transparência absoluta. Não teremos outra chance de nos explicar se não formos absolutamente transparentes nessa investigação agora."

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