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Tragédia em Santa Maria

Santa Maria revive dias de dor e revolta 1 ano após tragédia na Kiss

Entre a necessidade de reerguer a cidade e a impossibilidade de esquecer as perdas, santa-marienses lutam para que mortes não tenham sido em vão

28 jan 2014 - 08h22
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<p>Durante o ato que lembrou um ano do incêndio na Boate Kiss, 242 velas foram acesas em frente à casa noturna, representando cada uma das vítimas da tragédia</p>
Durante o ato que lembrou um ano do incêndio na Boate Kiss, 242 velas foram acesas em frente à casa noturna, representando cada uma das vítimas da tragédia
Foto: Daniel Favero / Terra

Há um ano, a cidade de Santa Maria foi destruída pela tristeza com a perda de 242 jovens de uma forma violenta e inesperada. Diferentemente do que acontece em tragédias naturais, o estrago era emocional. O peso do luto era difícil de encarar, mesmo quem não tinha relação com as vítimas sentiu o que foram aqueles dias. Trezentos e sessenta e cinco dias se passaram e a dor se transformou em revolta - foi o que se viu nesses últimos quatro dias na cidade.

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Neste ano, o cantor e o produtor da banda que tocava quando teve início o incêndio e os dois sócios da boate deixaram de ser os principais alvos daqueles que clamam por justiça. Se, nos dias subsequentes à tragédia, o prefeito Cezar Schirmer (PMDB) concentrou a maior parte da revolta das famílias das vítimas - que chegaram a pedir o seu impeachment -, um ano depois, o chefe do Executivo foi relegado a segundo plano. Enquanto a população se unia em repúdio aos promotores que não denunciaram qualquer funcionário da prefeitura, Schirmer estrategicamente saiu dos holofotes, se ausentando de todas as cerimônias realizadas na cidade ao longo da semana. Ele foi acusado até de omissão moral pelo que aconteceu.

O arquivamento de um possível processo de improbidade administrativa contra o prefeito transformou o Ministério Público, responsável pela decisão, no principal "judas" dessa história. No domingo, promotores praticamente tiveram que se explicar, em meio à hostilizações de pais das vítimas, sobre os motivos que teriam levado o órgão a não apresentar denúncia. Entretanto, essa decisão poderá ser revista após o surgimento de novas provas materiais coletadas pela Polícia Civil

Honra, dor, luto e luta

Apesar do luto ter dado lugar à luta, nesses últimos dias, os familiares e os sobreviventes reviveram a dor daqueles dias quentes do final de janeiro do ano passado. A dor física dos sobreviventes pode ter diminuído, mas as marcas e as imagens daquele dia não desaparecem; ao mesmo tempo, os pais tentam aceitar a morte dos filhos, mas se recusam a se conformar com a possibilidade de que o episódio termine impune. O que mais se fala é em honrar a morte de seus filhos.

Um ano da boate Kiss:

O que se viu nesses dias são pais que preservam intactos os quartos de suas filhasa mãe que embarga a voz ao falar da vida promissora que sua filha perdeu; a dor compartilhada quando a tragédia completou exatamente um ano, com as silhuetas dos mortos representadas no chão em frente à Kiss; e até a solidariedade que se multiplica: é impossível ignorar essas imagens e histórias.

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Por mais que se diga que a cidade de Santa Maria precisa se reerguer, é desumano crer que um pai conseguiria, como que num passe de mágica, superar a morte de um filho em um ano, ou que um sobrevivente poderia tocar a vida em frente como se nada tivesse acontecido, quando, noite após noite, o terror daquela madrugada ressurge, refletido em pesadelos e fobias constantes. Simplesmente porque não existe parâmetro temporal para o luto.

Pode soar como exagero, mas quem viveu aqueles dias e reviveu o que aconteceu em Santa Maria não é mais a mesma pessoa. E tudo piora quando se vê que o que aconteceu na Boate Kiss talvez seja justamente um retrato do que é o Brasil: impunidade, corporativismo público e descaso. A esperança, porém, pode estar no exemplo vizinho da Argentina: ainda que tardio, o restabelecimento da justiça é capaz de ao menos renovar a fé no exercício da cidadania. 

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Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

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Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento. 

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

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Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissandro - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

 

Fonte: Terra
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