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Padre excomungado reúne cerca de 500 em 1ª missa alternativa

Roberto Francisco Daniel, o padre Beto, se afastou da Igreja Católica em abril de 2013 depois de ser repreendido pela diocese local por declarações publicadas na internet; Vaticano o excomungou no ano passado

26 jan 2015 - 07h59
(atualizado às 10h52)
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<p>Roberto Francisco Daniel, o padre Beto, que foi excomungado pela Igreja Católica em 2014, reuniu cerca de 500 pessoas em primeira missa alternativa em Bauru, no interior de São Paulo</p>
Roberto Francisco Daniel, o padre Beto, que foi excomungado pela Igreja Católica em 2014, reuniu cerca de 500 pessoas em primeira missa alternativa em Bauru, no interior de São Paulo
Foto: Talita Zaparolli / Especial para o Terra

Excomungado pela Igreja Católica em Bauru, no interior de São Paulo, Roberto Francisco Daniel, 49 anos, mais conhecido como padre Beto, atendeu ao apelo dos inúmeros fiéis que o acompanham e realizou no domingo uma missa alternativa. Fora da igreja há quase dois anos, ele reuniu cerca de 500 pessoas no salão do clube poliesportivo Greb (Grêmio Recreativo Energético de Bauru).

O espaço ficou pequeno para as pessoas que se aglomeravam na porta de entrada e nos corredores laterais. Além dos fiéis que já o conheciam antes de ser expulso da Igreja e frequentavam as missas – costumeiramente nas paróquias de São Benedito e Santo Antônio – muitos foram pela primeira vez. É o caso do músico Tiago Abreu, 28 anos, e do irmão dele, o comerciante Fábio Abreu, de 39, que viajaram 200 km entre Paraguaçu Paulista (SP) e Bauru.

“Fui criado na Igreja Católica, mas me considero um ‘católico herege’. Não frequento as missas. Sou contra algumas normas da igreja - como o celibato e a proibição da ordenação de mulheres. Por isso me identifico com ele e com o que prega”, disse Tiago.

“Ele traz a Bíblia para o tempo de hoje. Isso faz com que a gente reflita. Alguns padres fazem isso, mas não é como ele. Inclusive, acho que o processo de excomunhão não chegou nas mãos do papa Francisco, porque ele se mostra tão aberto para alguns assuntos. O padre Beto é um homem de Deus, não merecia isso. Mas estamos muito felizes que ele voltou a fazer missas”, conta o eletricitário aposentado José Carlos Dias, acompanhado da esposa, a professora Cátia Dias.

“Acompanhávamos o padre Beto desde que ele chegou em Bauru, há muitos anos. Nos sentimos excomungados também. Sentimos muito a falta dele. Nem fomos mais às missas, só quando viajámos pra casa de alguns parentes em outras cidades é que a gente acabava indo lá”, disse ela.

Antes da celebração padre Beto fez questão de recepcionar grande parte dos fiéis e logo no início da missa foi saudado com uma salva de palmas.

O ex-clérigo seguiu boa parte dos ritos tradicionais da Igreja Católica, usando, inclusive, a túnica e a casula (vestes de bispos e sacerdotes) e as mesmas leituras estipuladas para este domingo (Profecia de Jonas e Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios).

Mas deixou de lado ritos como a Profissão de Fé (oração do Credo), o Salmo Responsorial e alguns cânticos. Porém, optou por músicas como “Tempos modernos” e “Toda forma de amor”, de Lulu Santos, “A paz”, de Zizi Possi, “Eu quero apenas”, de Roberto Carlos, e a comunhão foi ao som de “Imagine”, dos Beatles. A escolha agradou aos fiéis que cantaram junto com os quatro músicos – todos voluntários, assim como os amigos que ajudaram na organização.

“A mensagem dessa primeira missa é que estamos nesse mundo para fazer o bem e construir o reino de Deus. O reino de Deus não é uma igreja, é uma sociedade igualitária onde as pessoas possam viver bem. Falando em algo mais concreto, o nosso País é a sétima potência no mundo, mas deveria ser a sétima potência para todos e não só para alguns”, criticou.

Visivelmente emocionado ele agradeceu a todos no final da celebração. “Meu coração está explodindo de alegria. É uma satisfação que não tem como expressar em palavras. Só se sente. Nada me para. Ainda mais com todo esse povo aqui”.

O salão onde a celebração foi realizada foi alugado ao preço de R$ 500 por dia. Foram ofertados pelos frequentadores neste domingo R$ 1.132,24 que, segundo o ex-clérigo, serão usados para custear as despesas com o aluguel e com a compra das hóstias. “Na próxima missa vamos fazer uma lista de entidades assistenciais da cidade, de qualquer denominação, para destinarmos ao final do mês o valor que sobrar. Não vivo das missas, vivo das aulas que dou”, explica.

A aposentada Dinha Zanetti pretende conciliar as idas aos cultos do religioso, com as missas na paróquia de São Benedito. “Ainda estou revoltada com o que aconteceu com o padre Beto. Eu defendo tudo o que ele fala. Deus é um só”, disse.

O pastor evangélico e presidente da Associação Bauru pela Diversidade (ABD), Júnior Aloisio Marquiori da Silva, também assistiu à celebração. “Foi maravilhoso. Não mudaria uma vírgula do que ele disse. Ele abordou temas que precisam ser amadurecidos e liberdades que precisam ser faladas”, elogiou.

Nova igreja?

A primeira celebração havia sido marcada para o último dia 18, em um buffet, mas não aconteceu porque os donos da empesa preferiram ficar longe da polêmica.

Apesar das missas alternativas, padre Beto não tem intenção de fundar uma nova igreja. “Estamos aqui para refletir sobre a palavra de Deus e comungar. E para sermos melhores lá fora. Nós não temos camisa, não temos marca, não temos distintivos. Somos pessoas humanas e queremos ser filhos de Deus”, justifica. “Tem tantas igrejas no Brasil e eu não vejo nenhuma solução concreta que elas estão dando. Só divisão. Eles podem ter uma boa convivência entre aspas, mas no fundo todo mundo se odeia”, criticou.

Porém, o religioso adiantou que caso haja algum questionamento na Justiça, ele não irá titubear para abrir uma nova denominação. “Juridicamente falando, mas vai ficar lá no papel”, afirmou.

A princípio as missas serão todos os domingos, às 19h30. Porém, o padre não descarta a possibilidade da abertura de um leque maior, com a realização de duas missas, uma na sequência da outra aos domingos, ou quem sabe, uma delas durante a semana.

Relembre o caso

Roberto Francisco Daniel se afastou da Igreja Católica em abril de 2013 depois de ser repreendido pela diocese local por declarações publicadas na internet. Em redes sociais, ele contestou os princípios morais conservadores da igreja e opinou sobre assuntos considerados polêmicos entre os fiéis, como bissexualidade, homossexualidade e infidelidade.

Pouco tempo depois o bispo de Bauru, Dom Caetano Ferrari, o excomungou. Na época, Beto chegou a recorrer à Justiça comum, onde entrou com um processo contra a diocese para tentar reverter a expulsão. O padre alegava não ter tido direto à defesa e que tomou conhecimento da excomunhão por meio da imprensa local, através de um comunicado publicado no site da diocese.

A excomunhão só foi ratificada pelo Vaticano em novembro de 2014 e não cabe mais recurso.

Por meio de nota, a Diocese de Bauru informou que não irá se pronunciar sobre o assunto. "Desde que o juiz instrutor da causa (representante autorizado pela Santa Sé a tratar deste caso) declarou a excomunhão de Roberto Daniel, tudo que se refere a ele saiu do âmbito diocesano", diz o comunicado enviado à reportagem do Terra. E finalizou afirmando que "O Brasil tem total liberdade religiosa e cada um pode manifestar sua fé como achar melhor".

Fonte: Terra
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