Veja a seguir o impacto que essas personalidades causam nestes locais, como os moradores lidam com estigmas e polêmicas envolvendo figuras que traçaram os rumos do País durante mais de duas décadas. Cidades dos presidentes-militares CAPA Berço dos senhores do regime Entre 1964 e 1985, o Brasil foi governado por cinco presidentes militares, com exceção de um breve período, em 1969, quando uma junta, também militar, tomou o poder para garantir a manutenção do regime. Com origens e estilos diferentes, os cinco líderes deixaram suas marcas encravadas na história brasileira. Nas suas cidades natais, os nomes de Castelo Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo evocam sentimentos discrepantes, um misto de culto, repulsa e total indiferença. Cinquenta anos depois da derrubada do governo de João Goulart e a ascensão dos militares, o Terra foi a Fortaleza (CE), Taquari (RS), Bagé (RS), Bento Gonçalves (RS) e Rio de Janeiro para mostrar o berço dos senhores do regime. Veja a seguir o impacto que essas personalidades causam nestes locais, como os moradores lidam com estigmas e polêmicas envolvendo figuras que traçaram os rumos do País durante mais de duas décadas. IMAGEM: arte sobre a foto dos cincos presidentes Arte: xxx Edição: Gustavo Azevedo CASTELLO BRANCO A memória desbotada de Castello Branco Vagner Magalhães Direto de Fortaleza IMAGEM Castelo_Branco_arquivo_nacional_ casa_castello_branco_vagner_magalhaes_ter casa2_castello_branco_vagner_magalhaes_ter LEGENDA Casa de Castello Branco é reduto de ambulantes em Fortaleza Dois fios elétricos ligados a um improvisado relógio de luz passam por cima de uma pequena placa de bronze e transmitem energia a um casarão que, por dentro, está em ruínas. Na placa, em letras miúdas, uma distante lembrança: "Nesta casa, em 20 de setembro de 1900, nasceu Humberto de Alencar Castello Branco". O edifício fica no número 58 da rua Sólon Pinheiro, no centro de Fortaleza, capital cearense. Seis décadas adiante, o então marechal do Exército seria o primeiro militar assumir o cargo de presidente da República após a deposição do governo de João Goulart, em 1964. A placa está instalada desde o 72º aniversário do militar, que morreu em um suspeito acidente aéreo cinco anos antes, em 1967. O local, apesar de habitado, está praticamente abandonado. É ocupado atualmente pelo vendedor ambulante Eduardo Moura, 37 anos, que diz morar no prédio com a madrasta, de 80 anos. Diante da porta principal do edifício, ele vende toda a sorte de artigos populares, que vão desde cadeados a pequenas antenas de TV. Toda a fachada do prédio é ocupada pelo comércio informal. Moura conta que a casa pertence à Secretaria da Cultura do Ceará, mas foi cedida ao seu pai, que era funcionário público, há várias décadas. Seu pai morreu e agora o caso está na Justiça cearense. "Eu sempre vivi aqui. Querem que a gente saia, mas não há nenhuma garantia de que teremos para onde ir. Quem vai decidir isso é a Justiça", disse o homem, de poucas palavras. Justamente pelo fato de a decisão caber aos tribunais, ele prefere não se estender muito nos comentários. A intenção da Secretaria da Cultura é, no futuro, transformar o local no Centro de Gravuras do Ceará. Moura permitiu a entrada no cômodo frontal, que está em ruínas. No passado, ali funcionou uma biblioteca da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg). Desde a mudança, alguns volumes lá permanecem, abandonados, em meio a teias de aranha. O forro do cômodo desabou, sabe-se lá há quanto tempo. O telhado é sustentado por um madeiramento corroído, enquanto as janelas, também de madeira, não podem mais ser abertas. "Se abrir, não fecha mais", diz o morador do imóvel. O porão da casa serve para o armazenamento de mercadorias de outros ambulantes. "De vez em quando o pessoal do Exército aparece e passa uma mão de tinta na fachada", disse. DESTAQUE "De vez em quando o pessoal do Exército aparece e passa uma mão de tinta na fachada" Eduardo Moura, morador da casa onde nasceu o marechal Entre os que circulam em frente ao casarão, muitos se surpreendem ao saber que ali morou o ex-presidente. Na rua, quando se pergunta o que se sabe sobre Castello Branco, a resposta nunca vai além de "foi presidente da República". Entre os populares, a pergunta "que legado deixou?" não é respondida. Mausoléu e estádio IMAGEM mausoleu_castello_branco_vagner_magalhaes_ter LEGENDA Mausoléu de Castello Branco foi construído em 1972 Pelo menos outros quatro pontos, bem mais visíveis, levam o nome de Castello Branco em Fortaleza. A sede do governo cearense, o Palácio da Abolição, abriga em sua área o arquitetonicamente arrojado mausoléu do militar, onde lado a lado repousam os restos mortais do ex-presidente e de sua mulher, Argentina Viana Castello Branco. O marechal batiza também uma avenida na cidade, o 23º Batalhão de Caçadores do Exército - que guarda em seu interior o avião em que Castello Branco estava quando morreu - e o estádio Castelão, que será uma das sedes da Copa do Mundo de 2014.[ VÍDEO Vídeo do Mausoléu Quem busca referências de Castello Branco em seu mausoléu, que é aberto a visitas, desde que agendadas, pode se frustar. No prédio podem ser observados apenas alguns trechos de discursos do ex-presidente e em seu interior estão os túmulos dele e de sua mulher. Camila Linhares, que é guia do Palácio da Abolição, conta que no passado, existiam algumas fardas e objetos pessoais de Castello Branco, mas eles foram retirados de lá a pedido da família. Muitos deles ficavam do lado externo do prédio e corriam risco de se deteriorarem por conta da ação climática. Inicialmente enterrado no Rio de Janeiro, os restos mortais do cearense foram transferidos quando o mausoléu foi inaugurado, em 1972, ano do sesquicentenário da Independência do Brasil. O ‘mentor’ do regime VÍDEO Historiadora A professora do departamento de História da Universidade Federal do Ceará, Ana Rita Fonteles, diz que dos cinco presidentes militares, Castello Branco seja, talvez, o menos estudado. E que a sua imagem, de alguma maneira, acaba se beneficiando disso. "Ele tem a imagem de um ditador mais brando, dentro do que seria um grupo mais moderado. Daquele que entrou, mas não queria tanto assim. Há o mito de que (em seu governo) não houve tortura (...). Mas as pesquisas históricas mostram que na verdade ele não foi tão moderado assim", disse Ana. Para endossar a sua tese, a professora prossegue: "ele começa a estabelecer um aparato de serviço de informações, fecha o Congresso, lança o AI-2. Ajuda a escrever e assina a Lei de Segurança Nacional. Institui a lei de Imprensa. Há uma série de mecanismos criados no governo Castello Branco que estruturam esse endurecimento, que se consolida com o AI-5 (1968, no governo Costa e Silva), mas que na verdade não foi inventado pelo AI-5. E existiu tortura sim. Os relatos de tortura já começam logo imediatamente após o golpe. Ele não é só um executor, é um articulador", disse. De fato, após tomar posse em 15 de abril de 1964, duas semanas após o golpe militar, iniciou-se a criação de um aparato legal que buscou legitimar o endurecimento do regime a partir de então. Iniciaram-se intervenções em sindicatos, extinção de entidades de representação estudantis, invasão de universidades, detenções e prisões indiscriminadas. Em junho foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI). DESTAQUE “Os relatos de tortura já começam logo imediatamente após o golpe. Ele não é só um executor, é um articulador.” Ana Rita Fonteles, historiadora "Há registro de militares que resistiram ao Golpe e foram terrivelmente torturados. E são um grupo com menos visibilidade, mas mais punidos. Não conseguiram recuperar posições. Perderam diversos direitos e ficaram no limbo. Tem uma memória muito esmaecida em torno do Castello Branco. O memorial em torno dele não diz mais nada. É uma memória envergonhada", afirma. A professora diz que seu governo merecia mais estudos justamente por conta do lugar de importância que Castello Branco teve para estruturar o regime. "O papel dele na Escola Superior de Guerra foi fundamental, assim como na Doutrina de Segurança Nacional. Os trabalhos biográficos sobre o Castello foram feitos por gente ligada ao gabinete da Casa Civil. Pessoas comprometidas politicamente. Daí surgiu a tese de um governo mais brando", afirma. Castello Branco morreu quatro meses depois de deixar a presidência, em um acidente aéreo com um avião militar fora de sua rota original. O que levantou suspeitas sobre um possível atentado, nunca comprovado. GALERIA: Usar fotos da pasta Castello – gal (crédito: Vagner Magalhães) LEGENDA somente na 1ª foto : Veja a seguir fotos do Mausoléu do ex-presidente em Fortaleza, da casa onde ele nasceu e dos restos do avião acidentado em que Castello Branco morreu. COSTA E SILVA Costa e Silva: entre o saudosismo e o esquecimento Daniel Favero Direto de Taquari (RS) IMAGEM: costa_e_silva_arquivo_nacional Entre os militares da ditadura, o marechal Arthur da Costa e Silva era apontado como um dos mais duros combatentes dos “subversivos” opositores. Ele esteve por trás do golpe e era um dos maiores entusiastas da radicalização contra os opositores do regime. Foi no governo dele que foi concebido o documento mais impactante do período, o Ato Institucional 5 (AI-5), que deu poderes de ditador ao chefe da República. Entretanto, em sua terra natal, a memória do marechal parece perdida entre a ignorância dos mais velhos sobre as decisões cometidas naquela época e a falta de interesse dos mais jovens sobre o que aconteceu, deixando-o no limbo de uma imagem já perdida no tempo. Costa e Silva nasceu em Taquari, um município que fica a menos de 100 quilômetros de Porto Alegre. Várias são as referências ao cidadão mais ilustre de Taquari, mesmo que para muitos ele não passe de um nome de rua ou memória do passado. Na pequena cidade de 27 mil habitantes, as notícias sobre tortura, perda dos direitos civis e censura parecem não ter chegado ou talvez tenham sido ignoradas propositalmente por conta das melhorias trazidas por Costa e Silva, ou pelo orgulho popular de ter um conterrâneo ocupando os mais altos postos de comando do País. “Era um presidente militar, não era linha dura. Todo militar é regrado... (se fosse mole) nem galgava um posto superior”, opina o empresário Manoel Dirceu Kern, 68 anos, mais conhecido como Careca. Ele foi colega de um dos irmãos de Costa e Silva na escola, onde as crianças eram alfabetizadas pela professora Sofia, irmã do presidente. “Se todas escolas fossem militares aqui no Brasil, se fosse tudo no estilo militar, seria outro País. Regrados e tudo... não tinha isso tudo: impunidade e tudo mais... não sei alguém se beneficiou ou não (do regime). Mas pelo lado da moral, da sociedade (foi bom)... a questão política é outra briga”, opina Careca. DESTAQUE “...se fosse tudo no estilo militar, seria outro País” Careca, ex-colega de irmãos de Costa e Silva Filho ilustre IMAGENS: monumento_costa_e_silva_daniel_favero_ter / monumento_costa_e_silva_destaque_daniel_favero_ter LEGENDA Monumento faz homenagem a Costa e Silva A cidade é recheada de monumentos e obras que lembram ou fazem alguma referência ao filho mais ilustre de Taquari. A rodovia de acesso à cidade é a Aleixo da Rocha e Silva, que recebeu esse nome em homenagem ao pai do militar. A casa onde ele e os 10 irmãos nasceram é um museu. Às margens do lago Armênia, um busto de granito negro com a inscrição ”mil vezes o excesso de brio à inanição covarde” presta homenagem a Costa e Silva. Mas apesar de ser visto e retratado quase como um herói entre aqueles lembram ou o conheceram de perto, as gerações mais novas reconhecem o marechal apenas como nome de rua. “Ele acabou virando nome de rua, o povo infelizmente não sabe”, diz a dona de restaurante Adriana Martins, que trabalha em frente a uma das homenagens feitas a Costa e Silva, um pavilhão que leva o seu nome. DESTAQUE ”mil vezes o excesso de brio à inanição covarde” Inscrição em homenagem a Costa e Silva Essa falta de interesse ficava evidente ao se conversar com as pessoas nas ruas. Ao lado da quadra que leva o nome do general um adolescente jogava futebol sozinho em um campo de areia, sob um sol de mais de 30ºC. Indagado sobre a personalidade taquariense, Saimon Labreas Silveira disse: “deve ser importante para o ginásio ter o nome dele”. A diretora da Casa Costa e Silva, Fatima Jardim, diz que as pessoas que vão ao museu por conta própria costumam ser admiradoras do militar, diferente do perfil das excursões que passam pela cidade. “A procura que a gente tem é grande, gente até de outros países passam por aqui. A gente percebe quem vem para conhecer gosta daquele período, já os excursionistas não gostam, tem uns que ignoram e outros que dizem que deveria ter morrido na hora do parto”, relata. A própria sobrevivência do museu é uma incógnita, uma vez que a atual administração municipal, conduzida pelo Partido dos Trabalhadores, não vê com bons olhos a destinação de recursos da prefeitura a um local que preserva a memória de um dos marechais da ditadura. VÍDEO “Fazia o bem” IMAGENS museu_costa_e_silva_daniel_favero_ter LEGENDA Casa de Costa e Silva foi preservada e virou museu Uma pessoa boa, e que fazia o bem. É dessa forma que as pessoas que chegaram a conhecer Costa e Silva lembram do segundo presidente do regime militar. Esse é o carinho que o aposentado Paulo Renato Couto de Almeida, conhecido como Paulo Bonanza, tem do marechal. Ele conta que chegou a interpretar um amigo de infância de Costa e Silva num filme produzido pelos militares na década de 1960. DESTAQUE “...eu tenho ele dentro do meu coração” Paulo Bonanza, morador de Taquari “Para mim era um homem 100%, era um homem que ajudava os pobres”, diz, Paulo, julgando injustas acusações de atrocidades atribuídas ao militar. “Ele era muito boa pessoa. Eu tenho saudades do tempo dele, ele veio inaugurar essas rodoviárias, o Banco do Brasil. Eu fiz papel de amigo dele jogando bolita (bolinha de gude). Pelo que eu conheci, esse homem era muito boa pessoa. Acho que trabalhava em cima do que era certo, ele fazia o bem, ele era um homem que fazia o bem...eu tenho ele dentro do meu coração”, recorda Bonanza. GALERIA Costa e Silva – gal LEGENDA somente na 1ª foto Veja a seguir imagens do museu que abriga objetos e fotos de Costa e Silva Escoteiros do marechal IMAGEM: escoteiros_costa_e_silva_daniel_favero_ter Outra demonstração de afeto dos taquarienses com o presidente é o grupo de escoteiros que leva o seu nome, fundado na década de 1970. Mas a proximidade não parece ter efeito negativo, conforme explica o chefe do grupo, Leandro Bittencourt. “Que eu tenha noticia, não. Pelo contrário na nossa região temos um bom nome. Desde que estou aqui nunca (ouvi nada), mas talvez o pessoal da antiga tenha alguma coisa, mas essa geração nova tem muitos que nem sabem. Mas da minha parte, eu nunca ouvi crítica alguma”, diz. DESTAQUE “...eu tinha meu direito de ir e vir...” Leandro Bittencourt, ex-militar e chefe dos escoteiros “Eu fui militar durante a ditadura, não influiu diretamente no que eu tinha de fazer, é uma opinião pessoal, eu tinha meu direito de ir e vir, e minha liberdade ia até onde começava a liberdade do próximo. E isso acho que tem que ser um fundamento da democracia. Mas em relação à violência, em hipótese alguma sou favorável, jamais pensaria em ter uma atitude violenta, a mesma mão que agride é a mão que faz carinho, é uma questão de ponto de vista”, afirma o chefe de grupo, que comanda cerca de 50 integrantes, alguns deles jovens em situação de risco social. MÉDICI Em Bagé, Médici é sinônimo de obras Melissa Bulegon Direto de Bagé IMAGEM: medici_visita_presidencia_bage_MelissaBulegon_Ter LEGENDA Ex-presidente visitou Bagé três vezes durante seu mandato Um homem simples, modesto, que ouvia mais do que falava e era amante de futebol. É assim que o jornalista Mário Nogueira Lopes, 91 anos, descreve o general que teve o governo marcado pela intensificação da repressão política, da censura aos meios de comunicação e pelas denúncias de tortura aos presos políticos. Emílio Garrastazu Médici assumiu a presidência da República em 1969, e ficou no comando do País até 15 de março de 1974. O passado marcado pelo sistema repressivo do ex-presidente parece não transparecer pelas ruas de Bagé, onde nasceu em 1905. Na cidade gaúcha, localizada próxima à fronteira do Brasil com o Uruguai, a casa onde Médici morou aparece sinalizada como um dos pontos turísticos na principal avenida e o período do general na presidência é relacionado a grandes obras. De acordo com o historiador Cláudio de Leão Lemieszek, na época em que o general governou o País foram construídas no município duas rodovias, a unidade do Serviço Social da Indústria e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Sesi/Senai) e várias agências bancárias. Também foram instaladas a unidade da Polícia Federal, a eletrificação na área rural e área de passageiros do aeroporto local. VIDEO Depoimentos (ainda será encodado) – repassaremos depois. O pronto-socorro da Santa Casa de Bagé, referência em saúde na região, é outra obra concedida pelo gaúcho. No interior do prédio consta, inclusive, um busto em homenagem ao bageense. “Claro que o povo de Bagé esperava e queria mais. Ele mesmo tem essa passagem contada pelo ex-deputado estadual do MDB, hoje falecido, mas que presenciou uma reunião no Palácio Piratini (sede do governo gaúcho) onde Médici disse ‘Bagé é rica, Bagé não pede’, como quem diz, eu estou pronto para dar mais para Bagé, só não dou porque não pedem”, relatou Lemieszek. DESTAQUE “Falam que ele torturava, que tinha censura, mas a ponte, as estradas que ele fez, ninguém fala” Mário Nogueira Lopes, jornalista “O trabalho que ele fez pelo Brasil, tudo que ele fez, para mim foi um dos maiores presidentes do Brasil. Quem é que fala que foi ele que fez a ponte Rio-Niterói? Mil e quinhentos anos esperaram pela ponte e ninguém fala. Falam que ele torturava, que tinha censura, mas a ponte, as estradas que ele fez, ninguém fala”, lamentou Nogueira Lopes. O jornalista conta que, apesar de Médici ter deixado Bagé ainda jovem para estudar no Colégio Militar, em Porto Alegre, ele fez questão de manter viva a sua relação com a cidade, para onde retornou durante a carreira militar para atuar no 12º Regimento de Cavalaria. Foi para Lopes, que trabalhava no então Correio do Sul, jornal de Bagé, que o general concedeu a primeira entrevista antes de assumir a presidência. “Ele me telefonou quando ia para Brasília contando que iria ser o presidente. O Jornal do Brasil telefonou para cá querendo que eu desse a mensagem para eles. Eu disse: não mesmo. A oportunidade que eu tenho de dar um furo e eu vou dar para vocês?”, recordou. GALERIA Médici – Gal antiga (fazer galeria das fotos dessa pasta) LEGENDA Na 1ª foto Veja a seguir reproduções de fotos das visitas de Médici a cidade de Bagé Nomear conforme está no nome das fotos Ginásio Militão Santa Casa Museu Dom Diogo de Souza General queria posse em Bagé IMAGENS: medici_jornalista_marionogueiralopes_bage_MelissaBulegon_Ter medici_direita_com_jornalista_mario_MelissaBulegon_ter LEGENDA Jornalista guarda lembranças do ex-presidente em Bagé O jornalista Mário Nogueira Lopes conta que Médici tinha a intenção de fazer a cerimônia de posse em Bagé, mas a falta de estrutura da cidade na época para abrigar as delegações impediu o evento. Em compensação, o general esteve em sua terra natal três vezes durante seu mandato: em 1970, 1972 e 1974, quando inaugurou o complexo esportivo, que acabou apelidado de Militão. O espaço abriga sete campos de futebol, academia, churrasqueiras, vestiário e um ginásio coberto com capacidade para 5 mil pessoas batizado de Presidente Médici. “É uma obra que na época foi importantíssima e que continua tendo um papel fundamental na cidade hoje”, diz o secretário de Juventude, Esporte e Lazer, Sidenir Ferreira, o Bagé, que, mesmo sendo militante do PT, ressaltou não ver problema no nome dado ao complexo. “Faz parte da cultura e da cidade. Eu tive um padrasto que foi morto pelos militares, mas não tenho nenhum recalque. Eu servi o quartel, acho que virei homem, aprendi muita coisa boa lá dentro, principalmente a respeitar as pessoas”, afirmou Ferreira. GALERIA Médici – gal atuais LEGENDAS Veja a seguir como Médici é homenageado em vários pontos de Bagé Ginásio Santa Casa Museu Diogo Em todas as visitas a Bagé, o ex-presidente era bem recebido, ovacionado pelo povo e se misturava à multidão. “Ele sempre trazia os filhos, a mulher, a família toda. Ele não andava sozinho”, lembra o advogado e policial aposentado Luís Carlos Nunes, que trabalhou na segurança do ex-presidente em suas visitas ao Rio Grande do Sul. “Ele saía do avião, quebrava tudo quanto era protocolo. Quando enxergava um amigo ele cumprimentava o amigo primeiro para depois ir cumprimentar as autoridades”, comentou. DESTAQUE “Eu tive um padrasto que foi morto pelos militares, mas não tenho nenhum recalque” Sidenir Ferreira, secretário de Juventude, Esporte e Lazer de Bagé “Há uma frase dita pelo vereador do MDB na época, Rubens Almeida, que em uma manifestação na tribuna da Câmara disse: ‘o presidente é filho de Bagé, o povo sente o particular orgulho, solidariza-se com o presidente e quer apoiá-lo. O político que combater o presidente vai contra os anseios do povo de Bagé’. Então naquela ocasião, naquele momento expressava os sentimentos dos bajeenses com relação com a figura do Emílio Médici”, explicou o professor. Outra menção ao terceiro presidente da ditadura na cidade é o Colégio Presidente Emílio Garrastazu Médici, que pertence a Fundação Bradesco e fica no bairro Menino Deus. Assim como a Santa Casa, o interior da instituição de ensino abriga um busto do ex-presidente. O museu Dom Diogo de Souza possui uma sala exclusiva para itens do general, que morreu em 1985 no Rio de Janeiro. Entre os itens expostos para visitação estão a xícara onde Médici tomou café em uma de suas visitas a Bagé, documentos, a farda e as medalhas conquistadas durante a carreira militar. Apesar de vários locais ligados à figura do militar, a população da cidade pouco recorda ou conhece a respeito do ex-presidente. “Na rua, ainda poucas pessoas lembram e as mais jovens seguramente nem sabem quem foi a figura de Médici durante o período de recessão, da ditadura militar”, completou Lemieszek. Prima de Médici diz que sofreu perseguição IMAGENS medici_familiares_bage_mariaines_joaninha_MelissaBulegon_ter LEGENDA: Prima de Médici (esq) lembra que parente gostava de visitar família Embora a carreira militar tenha afastado Médici muito cedo do convívio familiar em Bagé (RS), o ex-presidente sempre esteve em contato com os parentes, mesmo durante a época no comando do País. “Ele vinha para Bagé quando podia e visitava a família. Fazia questão de visitar as irmãs e cumprimentar todo mundo. Era sempre muito alegre, quando encontrava os parentes, as tias que não via há algum tempo. Ele se sentia meio criança no meio da família”, recorda Joaninha Médici Carvalho, 83 anos. “Meu pai era primo-irmão dele. Em todo lugar que se vai perguntam ‘a senhora é parente do presidente Médici’?”, conta. Apesar de se orgulhar do parentesco, a filha de Joaninha enfrentou problemas na juventude, quando morou no Rio de Janeiro durante a ditadura militar, pelo fato de carregar o sobrenome Médici. “Em 70 eu fui morar no Rio e entrei na faculdade e fui bastante perseguida, mas eu não dava muita bola. Na verdade tem sempre dois lados. Tem um que está na direção do País e o da oposição. Eu sofri um pouquinho”, revela a comerciante Maria Inês Médici Carvalho, 58 anos, que era chamada de Japonesa pelo ex-presidente e chegou a ouvir de um professor frases como “tanta gente morrendo e você aí”. DETALHE “Eu sofri um pouquinho” Joaninha Médici Carvalho, prima do general A experiência nada agradável com Maria Inês fez com que Joaninha optasse por não colocar o sobrenome no filho mais novo, quando nasceu. “Eu não coloquei Médici no nome e hoje ele me pergunta o porquê. ‘É que eu tinha medo que tu passasse o que tua irmã passou no colégio, na faculdade’, explico para ele”, diz a professora. Mesmo com os percalços pelo parentesco, Joaninha e Maria Inês dizem não ter nada negativo a respeito do ex-presidente. “ Todos os contatos que tivemos foram sempre muito alegres, muito bons, muito carinhosos. E as coisas que aconteceram, na verdade, a gente não pode mudar a história. Mas para nós é de muito orgulho ter ele como familiar. Não acho que ele tenha feito alguma coisa vergonhosa”, completou Maria Inês. Antiga casa de Médici virou loja IMAGENS medici_bage_casa_interna_centro_MelissaBulegon_ter medici_bage_casa_centro_MelissaBulegon_ter LEGENDA Na casa onde nasceu o ex-presidente agora se vende roupas Uma placa no canteiro central da avenida Sete de Setembro, a principal de Bagé (RS), quase na esquina com a rua General Neto, sinaliza que a casa do ex-presidente Médici fica nas proximidades. Porém, não indica qual dos imóveis na redondeza é o correto. Sem qualquer identificação, o prédio antigamente admirado pela sua bela arquitetura se transformou em um ponto comercial e está praticamente encoberto pelas placas de publicidade. A comerciante Leila Bakri, dona da loja que aluga o imóvel há quatro anos, conta que poucas pessoas chegam ao local à procura da casa do presidente. “Atualmente ninguém procura, nem sabem quem é o Médici se for perguntar. Mas senhores de idade, com 60, 70 anos, já disseram para mim: ‘era aqui a residência do presidente Médici’? Tanto que quando eu vim para cá que me disseram que era”, relatou. Para atender as necessidades da loja, não apenas a fachada foi alterada, mas também toda a parte interna. Apenas as portas entre alguns cômodos foram mantidas e remetem à época do presidente. “Em uma parte do teto, onde era todo vidro, nós colocamos gesso para fechar. Antes era como se fosse um jardim de inverno”, relembrou Leila. DESTAQUE “Atualmente ninguém procura, nem sabem quem é o Médici se for perguntar” Leila Bakri, dona da loja O comerciário Ricardo Marques, que trabalha em uma loja vizinha ao imóvel, recorda com saudosismo de quando era criança e se sentava na rua para observar a arquitetura da casa do presidente Médici. “A gente ficava admirado com a estrutura das portas e o trabalhado que tinha nelas. A gente via aqueles marcos enormes, a claraboia, com teto de vidro. Era muito bonito, uma coisa que a gente sente falta porque se desfigurou totalmente a fachada”, lamentou. VÍDEO Museus GEISEL O esquecimento do “Alemão” Geisel Marcelo Becker Direto de Bento Gonçalves (RS) IMAGENS geisel_arquivo_nacional geisel_desfile_7_de_setembro_arquivo_nacional LEGENDA Praticamente não há homenagens na cidade natal do ex-presidente Localizada em uma das regiões mais prósperas do Rio Grande do Sul, a cidade de Bento Gonçalves é conhecida internacionalmente pela qualidade de seus vinhos e espumantes e pela beleza de suas paisagens. Entre os mais de 110 mil habitantes e os milhares de turistas que visitam o município da serra gaúcha todo ano, porém, pouca gente sabe que ali nasceu uma das personalidades mais emblemáticas da política brasileira: o general Ernesto Geisel, quarto presidente da ditadura militar. Passados 50 anos do movimento que instaurou o regime militar no Brasil e 29 do restabelecimento da democracia, poucos elementos em Bento Gonçalves remontam à memória de um dos seus filhos mais ilustre. Ao contrário dos “forasteiros” Costa e Silva e Castello Branco, que também presidiram o Brasil durante a ditadura, Geisel não foi agraciado com o nome de nenhuma rua em sua terra natal. A homenagem recaiu sobre seu pai, Augusto Geisel, escrivão público que tem seu nome exibido nas placas de uma via pacata da cidade. Da mesma forma, não há bustos ou monumentos do ex-presidente de origem alemã, minoria em uma população formada principalmente por imigrantes italianos. De fato, a maior referência a Geisel é uma placa de bronze, de pouco mais de 30 centímetros de largura, exposta na fachada da casa em que morou antes de se mudar para Porto Alegre, onde deu início à sua carreira militar: "nesta casa, o bento-gonçalvense Ernesto Geisel viveu sua infância". VÍDEO Casa onde Geisel passou infância no RS está abandonada Content ID: 7365708 No entanto, mesmo o imóvel histórico, construído no início do século XX, é um retrato da indiferença com que a cidade trata o Alemão, apelido que acompanhou o general por toda sua vida. Declarado como um bem “de interesse público” em 1994, a residência abrigou diversas secretarias municipais, distanciando-a do projeto de transformá-la em um museu. Para completar, a Casa Geisel está abandonada há mais de três anos, após o término do comodato entre a prefeitura e a Fundação Educacional da Região dos Vinhedos (Fervi), proprietária do imóvel. Rixa política impediu criação de museu IMAGEM casa_geisel_bento_mmbecker] LEGENDA Casa onde nasceu Geisel está fechada há três anos “Nós precisamos preservar esta casa”, diz Assunta de Paris, historiadora e coordenadora do Arquivo Histórico Municipal de Bento Gonçalves. Principal entusiasta do resgate da história do município – incluindo a figura polêmica de Geisel -, Assunta diz que a indefinição quanto ao uso da residência levou a família de Geisel a doar todo o acervo do ex-presidente à Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro. “O poder que governava o município era oposicionista ao regime de quem estava no poder central e de quem estava fazendo as articulações para que todo o acervo do Geisel viesse para a casa. E como a prefeitura não se interessou, a Fervi assumiu a casa. (...) Perdemos a casa, e quem trabalha nesse setor não tem uma força política”, lamenta. Atualmente vinculada à Universidade de Caxias do Sul (UCS), a Fervi adquiriu o imóvel em 1994 e o cedeu à prefeitura, por meio de um contrato de comodato. “Foi feito um comodato, quando nós fizemos a parceria com a UCS. Um comodato de que o poder público de Bento Gonçalves utilizasse essa casa. Diversas secretarias passaram por aqui. Na época, nós precisávamos de ajuda (da prefeitura) para manter a iluminação da alameda da universidade, e que depois não precisamos mais desse auxílio. E, mesmo assim, a universidade permitiu que o poder público usufruísse por mais esse tempo todo a casa”, afirma Juarez Piva, presidente da fundação. DESTAQUE “Nós precisamos preservar esta casa” Assunta de Paris, historiadora Há cerca de três anos, a prefeitura desocupou a residência, dando início a um impasse quanto à sua destinação. Enquanto fundação e prefeitura discutiam uma solução, os efeitos do tempo e do abandono causaram danos à estrutura do móvel. “O que precisa ser feito é a conservação do telhado, para diminuir a infiltração de água, diminuir as infiltrações que tem nas paredes, fazer a pintura, fazer um restauro interno. Cuidar do assoalho, que é bem antigo. São as manutenções necessárias numa casa que já tem uma bela história”, diz Piva. No início deste ano, as partes entraram em um acordo, e a prefeitura anunciou um aporte de R$ 120 mil para custear as reformas. O dinheiro, porém, ainda não foi liberado. Mesmo reformada, casa terá outra destinação IMAGEM placa_bronze_casa_geisel_bento_mmbecker LEGENDA Placa de bronze é uma única menção de que Geisel nasceu na cidade Apesar da restauração iminente, dificilmente a Casa Geisel se transformará em um centro dedicado à memória do ex-presidente. Em um acordo firmado junto ao Hospital Tacchini, vizinho da residência, a Fervi planeja criar um abrigo para pacientes com câncer. “O poder público solicitou, através da prefeitura, para fazermos um novo comodato, ou um aluguel, junto com o Hospital Tacchini, de usarmos essa casa como uma casa de passagem para as pessoas que fazem quimioterapia, radioterapia, que sofrem tanto depois desse procedimento e passam muito mal”, prevê Piva. Segundo o presidente da fundação, apesar de não se configurar em um “museu” dedicado a Geisel, a casa deve ganhar elementos que contem a história do ex-presidente. “Na verdade, nós queremos manter ela para dar essa história, botando alguns quadros, mostrando algumas considerações que o próprio presidente passou, o que ele fez por Bento Gonçalves, o que ele fez pelo Brasil. Dar uma conotação de história, mas utilizar ela para dar um atendimento também humano para essas pessoas que tanto sofrem. E usar o estacionamento para que possa diminuir esse trânsito ao redor do hospital”, disse. O projeto depende agora de aprovação da Promotoria Pública de Fundações, que ainda não se manifestou. Historiadora defende legado de Geisel VÍDEO Historiadora que tem Geisel como patrono defende seu legado Content ID: 7365721 Em uma cidade alheia à sua própria história, uma funcionária de Bento Gonçalves luta para preservar a memória do ex-presidente da República Ernesto Geisel. Coordenadora do Arquivo Histórico Municipal, Assunta de Paris, evita polemizar com quem vê no resgate do legado de Geisel uma forma de homenagear uma figura emblemática da ditadura militar, mas garante: apesar da resistência de “grupos ideologicamente comprometidos”, o militar merece mais aplausos do que vaias por sua contribuição para o desenvolvimento da região e do País. “O que ele representa para Bento Gonçalves? Eu acho que, dependendo do nível cultural de cada pessoa, foi aquele que nos ajudou a dar um impulso no desenvolvimento econômico, porque ele interferiu muito, e nós tivemos essa passagem do setor agroindustrial, que seria o vinho e essas coisas de matéria-prima, para o industrial. Se instalaram várias empresas, de próprias pessoas daqui de Bento Gonçalves, com o elo dele. Num espaço de 20 anos, dos anos 70 aos anos 90, nós tivemos um impulso muito grande graças (à influência de) Ernesto Geisel”, avalia a historiadora. DESTAQUE “Num espaço de 20 anos, dos anos 70 aos anos 90, nós tivemos um impulso muito grande graças (à influência de) Ernesto Geisel” Assunta de Paris, historiadora Sem medo de ser taxada de “simpática” à ditadura, Assunta inclusive escolheu Geisel como seu patrono ao ocupar a cadeira de número 52 da Academia de Letras dos Municípios do Rio Grande do Sul (Almurs), que reúne acadêmicos focados “na valorização das raízes culturais do Estado”. “Eu escolhi o Geisel para ser meu patrono, porque ele teve influência para Bento, e em nível de Brasil também. Ele foi um dos últimos presidentes da ditadura, (e um dos) que mais sofreram para poder fazer com que se tivesse essa abertura à democracia. (...) Foi ele quem fez o alicerce (para Figueiredo)”, sustenta. Apesar de priorizar uma “visão geral” englobando os méritos de Geisel como presidente, Assunta reconhece como justas as críticas à figura do militar. “A pessoa pode ir contra as minhas ideias, porque a ideologia dela é diferente. (Focar no fato) de que fomos perseguidos, fomos massacrados. Eu não nego que houve e que realmente teve uma faceta bastante negra da história. Mas foi ele (Geisel) quem tentou abrir”, argumenta a historiadora. DESTAQUE “Eu não nego que houve e que realmente teve uma faceta bastante negra da história. Mas foi ele (Geisel) quem tentou abrir” Assunta de Paris, historiadora A própria funcionária da prefeitura presenciou diversos episódios de repressão e de violações às liberdades civis durante a ditadura. “Eu conheço muita gente que foi torturada nesse regime”, afirma Assunta, que diz ser necessário respeitar a posição de vítimas da ditadura que se sintam ofendidas com a valorização da figura de Geisel. Sobre o sonho antigo de reunir todo o acervo da família Geisel na casa onde o ex-presidente passou os primeiros anos de sua vida, no centro de Bento Gonçalves, a historiadora se mostra resignada com a oposição que tal projeto receberia entre a população. “Se teria gente na nossa cidade que ia ser contra? Tem. E bem ‘pimentinhas’.” FIGUEIREDO Rio segue pedido de Figueiredo e esquece general Marcus Vinicius Pinto Direto do Rio de Janeiro IMAGENS figueiredo_arquivo_nacional LEGENDA Figueiredo, último presidente do regime militar entregou o cargo para o civil José Sarney Diz o ditado latino que “ninguém é profeta em sua terra”. E esse ditado vale e muito para o ultimo presidente do regime militar. O general João Baptista de Oliveira Figueiredo passou o poder em 1985 ao civil José Sarney, então vice-presidente eleito pelo Congresso Nacional na chapa de Tancredo Neves, que jamais chegaria a tomar posse. Depois de deixar o poder, Figueiredo pouco se deixou ver e morreu na véspera de Natal de 1999 em um hospital particular do Rio. Em uma entrevista pouco antes de deixar a presidência, Figueiredo foi perguntado sobre o que esperava para depois de deixar o poder: “Quero que me esqueçam”, disse. “Ele pediu que o esquecessem. O serviço que meu avô prestou ao Brasil é um serviço de um cidadão. Não são necessárias homenagens”, disse economista Paulo Figueiredo Filho, neto do ex-presidente. A terra natal de Figueiredo, o Rio de Janeiro, seguiu praticamente à risca o pedido: o último presidente da ditadura foi praticamente esquecido na ciade. São raras as homenagens a ele. Não há nenhuma rua, praça, avenida, beco que leve o nome do general. Mas há uma favela: a Vila do João, no Complexo da Maré, uma das comunidades mais violentas da cidade. Fora isso não há nada mais. Nem mesmo no Exército. Há um museu dedicado aos presidentes militares. Mas apenas ao ex-presidente, nada. Basta uma olhar pela cidade para se ver a Ponte Costa e Silva (Ponte Rio-Niterói), Avenida Castelo Branco (na Zona Norte), rua Ernesto Geisel (Paciência), rua Presidente Médici (Parada de Lucas). Rua João Figueiredo no Estado , somente em Macaé: “Isso para nós não é um assunto tão relevante. Não há muitas homenagens ao Médici, que talvez tenha sido o maior presidente que esse país já teve”, afirmou Figueiredo Filho. Há ainda, em São João da Barra, no Norte do Estado, um esqueleto de uma ponte que liga parte do município a Campos dos Goytacazes (ao norte do Rio Paraíba do Sul). A construção foi iniciativa de um deputado local ainda quando Figueiredo era presidente, em 1981. A homenagem partiu do deputado Alair Ferreira, que na época era do PDS, partido do governo, e que tinha conseguido a concessão de um canal de TV na região, a TV Norte Fluminense, que na época retransmitia a Globo e hoje pertence à Rede Record. Mas a ponte, que teve apenas os pilares construídos, jamais chegou a ser finalizada por questões de licenças ambientais. Em 2013, o governo do Estado até voltou a autorizar uma licitação para que a ponte fosse terminada, mas o processo acabou sendo cancelado por questões judiciais. Neto do general diz que País está pior agora do em 64 IMAGENS Paulo_Figueiredo_filho_rep (cortar e fazer boneco do rapa mais jovem da esquerda) LEGENDA Neto de Figueiredo defende o legado do general Para o economista Paulo Figueiredo Filho, o Brasil passa por um processo que denomina de “Gramscismo”, citando o filósofo italiano comunista Antonio Gramsci, onde o comunismo se infiltra por todos os lados da sociedade. “Estão reescrevendo a história, mas isso não me incomoda. Ele cumpriu a missão como soldado e como cidadão. Sou muito mais preocupado com a população reconhecer o passado. O problema é que a população não reconhece o presente, o rumo que estamos tomando. O país está em frangalhos. Talvez até pior do que estava antes da queda do Jango” afirmou. O neto do general disse que em seus tempos de universitário fez uma ampla pesquisa sobre a situação do País na época do governo Jango, baseado nas manchetes dos principais jornais. “A situação era triste. Mas não tão pior quanto a dos tempos de hoje”, disse. Apesar dos rumores de que Figueiredo tenha morrido pobre, os fatos contrariam isso. O ex-presidente morava em um condomínio de luxo em São Conrado, o Condomínio Praia Guinle. “Meu avô entrou no governo com uma casa de campo em Petrópolis e um apartamento no Rio e saiu com uma casa em Petrópolis e um apartamento no Rio”, conta. Figueiredo Filho diz que a avó, Dulce, depois da morte do marido vendeu objetos pessoais do ex-presidente em um leilão apenas para ter um final de vida mais confortável. “Mas a empresa do meu pai, graças a Deus, prosperou e isso tudo sem nunca ser necessário fazer nenhum contrato com o governo federal”, afirma. “Meu avô era um homem de classe média, vivia do seu soldo, e a nossa família toda foi sempre muito simples.” DESTAQUE “A situação era triste. Mas não tão pior quanto a dos tempos de hoje” Paulo Figueiredo Filho, neto do general “Quem for contra eu prendo e arrebento” IMAGEM figueiredo_posse_povo_1979_radiobras LEGENDA Figueiredo ficou célebre por frase marcantes durante o seu mandato Figura importante durante os 21 anos do governo militar, João Figueiredo, o Figa, como era conhecido, já tinha sido cabeça do Serviço Nacional de Informações (o SNI) no Rio e foi escolhido a dedo pelo ex-presidente Ernesto Geisel para a transição democrática. “Meu avô era um democrata por tradição. Meu bisavô (general Euclides Figueiredo) tinha sido preso por tentar acabar com a ditadura Vargas. Ele é um norte para a família. Sempre que nos reunimos, lembramos do caráter dele, honesto e intransigente com qualquer desvio de conduta.” Durante seu mandato, Figueiredo ficou célebre por frases marcantes, sem preocupação de agradar. Sobre a volta da democracia disse: “Quem for contra eu prendo e arrebento”. No seu governo, Figueiredo teve de enfrentar atentados terroristas de militares descontentes com a abertura, sendo o principal o do Riocentro, em 1981. Apaixonado por cavalos, disse certa vez que sairia da presidência apenas com suas mulheres. Dona Dulce se apressou em esclarecer que Figueiredo chamava seus cavalos também de mulheres. Em 50 anos do golpe militar, Paulo Figueiredo Filho discorda da terminologia de “golpe” para que o aconteceu em 1964. “Como economista, discordo da terminologia golpe, porque acho imprecisa. Mas também não era uma democracia plena”, diz, sem medo de criar polêmica. E defendeu a atuação dos militares no período por que passava o País. “Acho que vocês falam no meu avô como o último presidente do período militar, quando deveriam falar dele como o homem que devolveu o país à democracia, como tinha prometido no seu discurso de posse. Infelizmente, ele teve que passar o governo ao Sarney.” Apesar disso, Figueiredo se recusou a entregar a faixa ao político maranhense. Saiu pela porta dos fundos do Palácio do Planalto e tentou ser esquecido. Quase conseguiu. DESTAQUE “Infelizmente, ele teve que passar o governo ao Sarney” Paulo Figueiredo Filho, neto do general mais especiais de notícias