LUCAS ROHÃN Há 20 anos, milhares de estudantes foram para as ruas em todo o Brasil para pedir o impeachment do então presidente Fernando Collor. Liderados pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), 10 mil jovens participaram de uma passeata em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 11 de agosto de 1992, a primeira de uma série de mobilizações. Três dias após esse protesto, o presidente aproveitou um evento em Brasília para pedir o apoio do que acreditava ser “a maioria” da população. “A minoria atrapalha, a maioria trabalha”, disse. Collor convidou a população a vestir uma peça de roupa com uma das cores da bandeira do Brasil em sinal de apoio ao seu governo. A essa altura, ele já enfrentava denúncias de corrupção vindas do próprio irmão, Pedro Collor, e uma investigação de uma CPI sobre suas relações com o empresário Paulo Cesar Farias. O tiro do “caçador de marajás” saiu pela culatra. Em resposta ao pedido de Collor, milhares de estudantes vestiram roupas pretas, pintaram o rosto de verde e amarelo e, aos gritos de “fora Collor”, ocuparam as ruas das principais cidades do País no dia 16 de agosto. A data ficou conhecia como “domingo negro”. As marchas eram embaladas por cantos bem humorados, como o jingle que dizia “ai, ai, ai, ai, ai, se empurrar o Collor cai”. Os estudantes ganharam destaque na imprensa e ganharam o apelido de caras-pintadas. Entre milhares de anônimos, alguns líderes estudantis já se destacavam e davam sinais de que continuariam fazendo da política a sua principal atividade. Saiba onde estão, 20 anos depois, alguns dos caras-pintadas que mais se destacaram durante o movimento pelo afastamento de Collor. url(capa.jpg?v2) 194px 189px 517px Cecilia Lotufo Cecilia Lotufo, a musa dos caras-pintadas A imagem da jovem Cecilia Lotufo com a palavra “fora” pintada no rosto durante a passeata dos estudantes contra o governo Collor em 11 de agosto de 1992, em São Paulo, influenciou a criação do movimento dos caras-pintadas. “Minha foto saiu na capa do jornal e, a partir daí, comecei a dar muitas entrevistas como porta-voz desse movimento estudantil apartidário. Na passeata seguinte, todo mundo começou a pintar o rosto”, afirma a paulista em entrevista ao Terra. Cecilia conta que mobilizou o colégio no qual estudava para participar do protesto. “Fizemos um acordo com o diretor: se ninguém comparecesse à aula, não teria falta”, explica. Após ficar conhecida como musa do movimento em razão da foto publicada na capa do jornal Folha de São Paulo, a jovem começou a frequentar reuniões das entidades estudantis que encabeçavam o movimento “Fora Collor”. “Comecei a descobrir o que tinha por trás desse jogo político e me decepcionei. Embora formada numa família politizada, de esquerda, com 17 anos eu era sonhadora e ingênua. Foi um processo de me deparar com essa realidade de briga que vai além de uma causa, que vai mais para o lado da busca pelo poder”, diz Cecilia. url(caras-1.jpg) 68px 66px 329px “Se não mexermos em coisas mais primárias, continuaremos elegendo mil Collors por aí.” Aos 37 anos, Cecilia se divide entre a família, a pizzaria que administra e a ONG que fundou focada na educação para o consumo responsável. “Não preciso necessariamente estar ligada a um partido político para atuar dessa forma. Preciso estar sim, conectada”, afirma. Nas entrevistas que dava à época, Cecilia questionava algumas diretrizes do movimento estudantil e, por isso, afirma ter sido alvo de ameaças. “Recebi ligações de gente que eu nem conhecia em tom de ameaça. Diziam ‘olha, toma cuidado com o que você fala’. Era uma coisa mais suave, mais indireta, mas me senti acuada.” Formada em administração de empresas, a musa dos caras-pintadas diz que a volta de Collor à política é “mais uma decepção” entre tantas. “Se não mexermos em coisas mais primárias, continuaremos elegendo mil Collors por aí”, argumenta. “Tudo o que eu faço hoje é, de alguma forma, reflexo de uma vivência que eu tive no passado. Precisamos é ter a competência coletiva de conseguir fazer isso acontecer de novo.” url(caras-2.jpg) 68px 66px 329px Danilo Zimbres Danilo Zimbres, o cara-pintada diplomata Danilo Zimbres integrou a UBES e, posteriormente, comandou o Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia da UFRJ no período de maior mobilização dos estudantes. Ao Terra, Zimbres conta que fazia um movimento agregador, tentando mobilizar os colegas para participar do movimento. “Nós entrávamos em uma sala de aula e solicitávamos ao professor alguns minutos para nos dirigirmos aos estudantes. Explicávamos o motivo e o objetivo da nossa mobilização, esclarecíamos o teor de nossas reivindicações e conclamávamos os estudantes a nos apoiarem”, afirma o atual vice-cônsul do Brasil em Frankfurt, na Alemanha. Zimbres foi coordenador nacional de juventude do PT e, desde então, este foi o único cargo político que ocupou. “Sempre fui avesso ao poder. Sempre tive medo de que o poder corrompesse a pureza da minha alma. Prefiro a tranquilidade de ser feliz do meu jeito à ilusão de poder ser feliz com um poder efêmero”, diz. url(caras-3.jpg) 68px 528px 329px “Ninguém pode proibir o Collor de fazer suas escolhas políticas.” Formado em filosofia e mestre em diplomacia pelo Norwich University, Zimbres hoje chefia o setor de passaportes e vistos e atua no setor cultural do consulado brasileiro em Frankfurt. Ele não ostenta mais a farta cabeleira de 20 anos atrás, mas mantém na lembrança os ideais por trás dos gritos e cânticos bem humorados dos estudantes. “A única certeza que tínhamos era de que era preciso construir o amanhã. Era preciso ousar, sonhar, lutar. Após 21 anos de ditadura e quatro anos de transição controlada, havia uma alvorada no Brasil: a alvorada da democracia, a aurora da esperança. O impeachment foi a marca que os estudantes quiseram dar a essa alvorada. O impeachment foi o arco-íris dessa aurora. Tivemos a ousadia de pintar, no céu da nação, durante o arrebol da democracia, as cores da cidadania”, afirma. Questionado sobre os rumos políticos de alguns ex-colegas de caras-pintadas, como o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e o ministro da Saúde Alexandre Padilha, que hoje fazem parte de um governo apoiado pelo ex-presidente Collor, Zimbres diz que “não são eles que estão do mesmo lado do Collor, é o Collor que está do mesmo lado deles”. “Ninguém pode proibir o Collor de fazer suas escolhas políticas”, diz. url(caras-4.jpg) 68px 66px 329px Randolfe Rodrigues Randolfe Rodrigues, das passeatas para o Senado O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) tinha 20 anos em 1992 e liderava as passeatas dos caras-pintadas no Amapá. Ele ajudou a organizar quatro grandes protestos em Macapá entre agosto e setembro daquele ano, mobilizações lembradas até hoje como as maiores já ocorridas no Estado. Para o senador, o impeachment de Collor foi “o principal evento político” que marcou sua geração. “A luta pelo impeachment foi uma prova de fogo para a democracia brasileira”, afirma. Foi no congresso da UNE realizado em Niterói, em junho de 1992, que a expressão “Fora Collor” foi pronunciada pela primeira vez, segundo o testemunho do senador. “Lembro que saímos de lá com a determinação de, cada um nos nossos Estados, organizar mobilizações pelo impeachment”, conta Randolfe. url(caras-5b.jpg) 68px 66px 329px “Pra mim é motivo de muito orgulho dizer que a minha geração foi marcada por uma vitória.” Randolfe diz que, entre os estudantes, havia tensão e ansiedade sobre qual seria a reação do então presidente à eminente aprovação do impeachment na Câmara. “Setores do movimento tinham receio que ele não aceitasse a decisão do Congresso Nacional e, por isso, começávamos a pensar em qual seria o passo seguinte caso isso acontecesse”, lembra. Desde fevereiro de 2007, o ex-cara-pintada divide o espaço de trabalho com o ex-presidente contra quem agitou bandeiras na rua. Randolfe vê “com naturalidade” esse reencontro e defende que “isso é uma boa síntese da democracia”. “Um País que consegue reunir um parlamento de contrários dessa forma é um País que está consolidando sua democracia”. Randolfe e Collor ainda estão em lados opostos e, apesar de admitir que já coincidiu em algumas posições com o ex-presidente, o senador do PSOL faz questão de realçar que tem “uma relação de respeito” com Collor, “mas de afirmação das diferenças”. “Acho necessário termos coerência na nossa trajetória e nas nossas posições”, comenta Randolfe. url(caras-6.jpg) 68px 66px 329px Orlando Silva Orlando Silva, o começo junto com o ‘Fora Collor’ Enquanto o movimento contra Collor começava a crescer, o jovem estudante Orlando Silva, então com 21 anos, deixava Salvador e se mudava para São Paulo. Ele assumia a tesouraria da UNE no congresso da entidade realizado em Niterói. “Eu vivi o movimento dos caras-pintadas no olho do furacão”, conta o ex-ministro dos Transportes ao Terra. “Quem duvidava que era possível fazer mudanças com luta política se surpreendeu naquele processo”, diz Silva. Para ele, o impeachment de Fernando Collor mostrou que é possível sair de qualquer crise pela via democrática. “Outra lição importante é que a mobilização e participação podem pintar o rumo do País”, afirma. url(caras-7.jpg) 68px 66px 329px “Confesso que foi surpreendente receber, como ministro de Estado, o presidente que eu ajudei a derrubar.” Nos cinco anos nos quais ocupou o cargo de ministro do Esporte, Orlando Silva recebeu, em seu gabinete, o ex-presidente Collor, aliado do governo do PT. “Não é o Collor, é o partido do Collor que apoia o governo. O Collor não teve nenhum ganho diferenciado por causa disso”, afirma. Candidato a vereador pelo PCdoB em São Paulo, ele critica quem tenta “personalizar” a política e defende “valorizar a relação com os partidos”. “Quando ele entrou na minha sala pela primeira vez, para uma audiência, foi surpreende. Volta um filme na tua cabeça, pois antes eu estava de um lado e ele de outro. É surpreendente, mas é da vida democrática, do convívio civilizado”, diz Orlando Silva. Para o ex-ministro, que deixou a pasta dos Esportes em meio a denúncias de corrupção, outras manifestações como a dos caras-pintadas não voltaram a ocorrer porque, naquela época, o País vivia uma fase de retomada da vida democrática. Segundo ele, “há uma banalização das denúncias”, o que “acaba gerando um desgaste, afasta as pessoas da política e ninguém consegue saber quem está com a verdade”. url(caras-8.jpg) 68px 524px 329px mais especiais de notícias