O dia 2 de julho entrou para a história do Brasil como a data em que o País partiu para o front europeu e engrossou as fileiras dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Neste dia, há 70 anos. 70 anos do Brasil na 2ª Guerra Mundial Capa A cobra fumou Eduardo Herrmann - GHX Comunicação O dia 2 de julho entrou para a história do Brasil como a data em que o País partiu para o front europeu e engrossou as fileiras dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Neste dia, há 70 anos, o 1º Escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB) saiu do Rio de Janeiro rumo à Itália. Duas semanas depois, os cinco mil homens, que ingressaram no navio americano General Mann, desembarcaram em Nápoles, onde se iniciou a participação verde e amarela no conflito mais sangrento do século 20. O contingente total que foi à guerra, entre soldados e oficiais, era de 25.334 brasileiros. Comparado com o total de envolvidos entre as nações aliadas, o número é ínfimo. Mesmo assim, os pracinhas, como ficaram conhecidos os soldados daqui, não fizeram feio. Apesar de poucos, os combatentes se portaram muito bem e voltaram para casa com histórias de bravura e o sentimento de dever cumprido. Os 467 homens que não voltaram para casa são lembrados pelas estratégicas batalhas de Monte Castelo e Montese. Ao fim do conflito, os brasileiros renderam mais de 20 mil alemães na Itália, impuseram importantes derrotas aos nazistas e colaboraram para encerrar uma guerra que ceifou a vida de mais de 60 milhões de pessoas. Apesar de sua atuação no lado vencedor da história, o veterano Geraldo Campos Taitson, hoje aos 93 anos, sentencia: "A guerra é uma tragédia para quem ganha e para quem perde". Veja a seguir os detalhes da participação brasileira no capítulo mais sangrento do século passado. Arte sobre fotos Fotos: foto-14, foto-15, foto-08 CONTEXTO Subaba Totalitarismo Totalitarismo brasileiro Até 1930, o País vivia a República Velha, com eleições altamente suspeitas, nas quais os eleitores eram reféns do coronelismo que imperava na época. Mineiros, paraibanos e gaúchos se rebelaram e tomaram o poder naquele ano, no episódio que ficou conhecido como a Revolução de 30. Quem assumiu a presidência foi o gaúcho Getúlio Vargas, que viria a ser reeleito indiretamente, em 1934, logo depois de promulgar uma nova Constituição. A eleição direta de 1938, prevista na carta, não seria realizada, pois em 1937, tomando conhecimento de uma suposta ameaça de golpe comunista (o Plano Cohen, forjado pelo capitão Olímpio Mourão Filho), Vargas decretou outra Constituição, centralizando poder em suas mãos e extinguindo partidos políticos. Iniciou-se aí o Estado Novo, regime autoritário que conferiu a Getúlio Vargas o estigma de ditador. Imagem: Revolução_de_1930 Crédito: Reprodução Subaba Europa Europa em guerra Enquanto isso, na Europa, novas tensões surgiam. Adolf Hitler e seu Partido Nacional Socialista (Nazista) chegaram ao poder na Alemanha em 1933. Dono de uma oratória inflamada, o chanceler mobilizava multidões feridas em seu orgulho devido aos termos do Tratado de Versalhes, assinado em 1919, depois de terminada a Primeira Guerra Mundial. O acordo de paz exigia à derrotada Alemanha onerosas reparações em dinheiro e cedência de territórios. Com a ascensão dos nazistas, a reparação estancou. E uma força contrária se iniciou na invasão à Polônia, em 1939, que motivou o Reino Unido e a França - até então apenas observadores dos movimentos imperialistas de Hitler -, a declararem estado de beligerância contra os germânicos. “Era o segundo round de um grande conflito que não foi resolvido com a guerra anterior. Dessa vez, com novas armas surgidas no avanço tecnológico desse período”, conta Vagner Camilo Alves, professor do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Esse é considerado o marco inicial da Segunda Guerra Mundial. Alves adverte, no entanto, que até então o conflito ainda não atingia todo o globo. “Era uma guerra europeia - ainda não tinha grandes potências de fora.” Imagem: hitler Crédito: Reprodução Subaba Vargas A encruzilhada de Vargas Quando a guerra começou oficialmente, Getúlio Vargas declarou, de imediato, neutralidade. Essa posição se manteve por bastante tempo. Nesse ínterim, o presidente brasileiro adotou uma política que o músico João Barone alude ao movimento de um pêndulo. “Ele queria tomar vantagens de todos os lados”, afirma. Barone, conhecido por ser baterista da banda Paralamas do Sucesso, é fascinado pela história dos pracinhas (seu pai foi um deles). Estudou a fundo o assunto e escreveu dois livros sobre o tema, Minha Segunda Guerra (Panda Books) e 1942 – O Brasil e sua guerra quase desconhecida (Nova Fronteira). Para ele, o presidente, já bastante experimentado na política, aproveitou-se da situação. “Vargas foi uma raposa: soube jogar enquanto conseguiu, até o rompimento das relações com o Eixo”, opina. O Governo Brasileiro não se mostrava disposto a perder relações comerciais com nenhuma nação envolvida. Em 1939, a Alemanha era o segundo principal destino das exportações brasileiras e também a segunda maior fonte de importações. Em primeiro lugar, estavam os Estados Unidos. Em 1940, o comércio com os alemães caiu vertiginosamente, e a Inglaterra passou a ocupar o posto de segundo maior parceiro comercial, com um aumento expressivo, sobretudo na importação de bens advindos do Brasil. Isso se explica por uma estratégia de Londres de abastecer seus estoques devido às perspectivas da guerra e também pelo controle marítimo que exercia no Atlântico. Para não perder influência sobre o Brasil, Curt Prüfer, astuto embaixador alemão no País, logo notou em Góis Monteiro, Chefe do Estado Maior do Exército Brasileiro, e Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra, pessoas próximas a Vargas e simpáticas à política alemã. O mesmo Góis Monteiro, no entanto, em maio de 1940, manifestou ao embaixador americano no Brasil, Jefferson Caffery, a disposição em permitir aos Estados Unidos que utilizassem bases militares na região de Natal e Fernando de Noronha, locais extremamente estratégicos devido à sua proximidade com o noroeste africano. O intento do general era facilitar a obtenção de armamentos. Mas o Governo Americano colocou como condição o deslocamento de tropas brasileiras para o nordeste do País, o que travou as negociações. A essa altura, os EUA ainda conservavam uma neutralidade simpática ao Reino Unido, embora se preparassem, cada vez mais, para uma possível participação militar. O interesse americano em criar uma aliança pan-americana para a defesa do continente tinha origem anterior à guerra, mas se intensificou com o início do conflito. Imagem: Vargas_e_Roosevelt Crédito: Reprodução Subaba Aranha Fator Aranha No mês seguinte, junho de 1940, a Alemanha invadiu a França, fato que teve implicações fortes no mundo inteiro. No Brasil, as vitórias acumuladas pelos alemães no front reforçaram a tendência de Góis Monteiro e Gaspar Dutra por rechaçar qualquer afastamento dos países do Eixo. Enquanto os dois pressionavam de um lado, o brilhantismo de Oswaldo Aranha articulava do outro. O diplomata começou a se destacar na política nacional na Revolução de 30, mesmo que agindo nos bastidores. Em 1938, após ter atuado como embaixador em Washington, foi nomeado Ministro das Relações Exteriores, apesar de sua oposição às radicalizações do regime autoritário. Durante a guerra, empenhou-se incansavelmente em mediar a aproximação do Brasil com os Estados Unidos. “Oswaldo Aranha era um compadre do Vargas de longa data, que ajudou a dar bom senso as suas decisões. Fez o seu lobby a favor dos Estados Unidos e enfrentou muita gente germanófila do gabinete do presidente”, conta João Barone. Temendo o cenário que poderia se desenhar, Oswaldo Aranha tratou de trabalhar junto às autoridades americanas. Os americanos entenderam o recado e a estratégia do diplomata brasileiro deu certo. O resultado foi que, a partir do segundo semestre de 1940 e ao longo de 1941, os vínculos entre Brasil e Estados Unidos se fortaleceram como nunca. Imagem: Vargas_e_Roosevelt Crédito: Reprodução Subaba EUA O acordo com os EUA O acordo entre os americanos e brasileiros foi muito mais que um acerto de guerra. Levou em conta relações comerciais e estratégicas. Ricardo Antônio Silva Seitenfus assinala, em seu livro O Brasil de Getúlio Vargas e a formação dos blocos: 1930-1942 (Editora Nacional), que as principais questões tratadas nesse período foram “o fornecimento pelos Estados Unidos de um complexo siderúrgico, o pagamento das dívidas comerciais brasileiras, a regulamentação do mercado interamericano do café, o fornecimento de material estratégico e, por fim, acordos visando a uma melhor repartição dos mercados algodoeiros”. O primeiro desses pontos previa auxílio técnico e empréstimo de 20 milhões de dólares ao Brasil, o que possibilitou a criação da Companhia Siderúrgica Nacional. Quanto aos bens de interesse dos americanos, foram firmados acordos que previam exclusividade. “Existiam contratos de fornecimento de matérias-primas antes dos EUA entrar na guerra”, explica o professor Vagner Camilo Alves. “Uma das primordiais era o minério de ferro, e a outra, a borracha, tanto que surgiram os soldados da borracha, nordestinos mobilizados a extrair látex na Amazônia”, acrescenta. Os países também retomaram as negociações de cooperação militar, e os EUA se comprometeram, em outubro de 1941, a fornecer até 100 milhões de dólares em equipamentos militares ao Brasil nos três anos seguintes. Os países se aproximavam de maneira irreversível. Apesar disso, permanecia a neutralidade em relação à guerra, afinal os americanos ainda não participavam do conflito e o governo brasileiro ressaltava o caráter unicamente bilateral dos acordos. Esse panorama se alterou mais uma vez em dezembro de 1941. Imagem: getulio_siderurgica Crédito: Reprodução Subaba Pearl Harbor EUA entram na guerra O ataque aéreo do Japão (aliado do Eixo) à base norte-americana de Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941, levou os Estados Unidos a anunciarem seu ingresso na Segunda Guerra Mundial. De súbito, Getúlio Vargas se declarou solidário aos americanos. “Convoquei os membros do meu governo, decidimos por unanimidade que o Brasil se declarasse solidário com os Estados Unidos, coerente com suas tradições e compromissos na política continental”, escreveu o presidente brasileiro, em 8 de dezembro, a Franklin Delano Roosevelt, presidente americano. Os embaixadores de Alemanha, Itália e Japão sentiram a iminência do rompimento de relações comerciais e diplomáticas entre o Brasil e os países do Eixo e pressionaram Oswaldo Aranha, ameaçando a declaração de guerra como resposta a esse possível desfecho. Isso de fato aconteceu em janeiro de 1942, na Conferência do Rio de Janeiro, que reuniu os chanceleres das repúblicas americanas. Na ocasião, Oswaldo Aranha discursou após Getúlio Vargas e, com o aval do presidente, enfaticamente reiterou que o Brasil daria a Washington todo o apoio contra o Eixo. Imagem: Pearl_Harbor Crédito: Reprodução Subaba Represália Represália alemã e declaração de guerra Rompidas as relações com o Eixo, Góis Monteiro e Gaspar Dutra demonstraram preocupação em relação à defesa do território brasileiro. A principal ameaça eram os temidos submarinos alemães, que prontamente começaram a afundar navios mercantes brasileiros. O primeiro ataque em represália ao rompimento aconteceu em 15 de fevereiro de 1942, quando um submarino alemão U-432 afundou o navio mercante brasileiro Buarque, na costa leste dos Estados Unidos, próximo à cidade de Nortfolk. Três dias depois, o mesmo submarino pôs a pique o Olinda, em uma região próxima. No dia 25 de fevereiro, o submarino italiano Leonardo da Vinci afundou o navio brasileiro Cabedelo, nas Antilhas. Novos ataques se sucederam, principalmente na costa americana, acarretando protestos de Getúlio Vargas. Apenas entre fevereiro e julho, o Brasil teve 14 navios afundados. Em todo o ano de 1942, foram 36, resultando em quase mil mortos. O primeiro ataque em águas brasileiras ocorreu somente no dia 15 de agosto, quando o submarino alemão U-507 derrubou o Baapendi, matando 270 tripulantes. “Foi a agressão primordial que gerou o estado de beligerância”, destaca João Barone. Após esse golpe, aumentou ainda mais a pressão para que Vargas declarasse guerra contra o Eixo, o que acabou acontecendo em 31 de agosto de 1942, com o Decreto nº 10.358. Curiosamente, a lista de inimigos não incluía os japoneses, por não terem participado dos ataques aos navios brasileiros. Imagem: olinda Crédito: Reprodução Subaba Base A Base de Natal: trampolim para vitória Antes do anúncio do ingresso brasileiro na guerra e pouco depois do rompimento de relações com os países do Eixo, o Brasil cedeu ao apelo dos americanos para o estabelecimento de uma base militar no Nordeste brasileiro. Em fevereiro de 1942, a concordância foi formalizada. “Os americanos topavam qualquer parada para usar o Nordeste do Brasil como ponta de apoio. A base de Natal acabou sendo uma das mais movimentadas do planeta durante a guerra”, comenta Barone. O Decreto-Lei nº 4.142, de 2 de março de 1942, estabeleceu a criação da Base Aérea de Natal (BANT), no Rio Grande do Norte, que seria concluída e ativada em agosto. “Sempre comento que ela virou um trampolim para a vitória aliada, pois lá passavam milhares de aeronaves que atravessariam o atlântico para servir aos aliados”, pontua o professor Vagner Camilo Alves. Assim, para os americanos, a declaração de guerra do Brasil foi apenas uma formalização sem resultados imediatos, afinal os dois países já haviam firmado o acordo para a ocupação de Natal. Imagem: vargasroosevelt Crédito: Reprodução Subaba Yankee Influência cultural yankee Com a conclusão da base, a capital potiguar virou praticamente um pedaço dos Estados Unidos. Milhares de soldados americanos circulavam pelas ruas da cidade, em meio ao curioso povo local. Mas no resto do país também havia um processo de “norte-americanização”, provocado não pelo contato direto com os yankees, e sim devido a atuações estratégicas de bombardeio ideológico. Meios de comunicação tiveram um papel fortíssimo nesse cenário. “O cinema e a TV eram veículos muito fortes para a divulgação do american way of life, mas o rádio e as publicações impressas foram elementos decisivos, considerando o seu amplo alcance naquele Brasil dos anos 1940”, opina o musicólogo Gustavo Frosi Benetti. Professor do curso de Música da Universidade Federal de Roraima, Benetti estudou as políticas culturais dos americanos durante a Segunda Guerra e salienta que, mesmo representando interesses comerciais, os meios de comunicação também atendiam a um plano maior. “Todos os meios utilizados tiveram uma colaboração efetiva no processo, cada um com as suas especificidades. Faziam parte de um projeto planejado e institucionalizado, representado pelo Escritório do Coordenador de Assuntos Interamericanos (Office of the Coordinator of Inter-American Affairs), na figura de Nelson Rockefeller.” Em 1942, Kibon, Coca-Cola e a revista Seleções – versão brasileira do Reader’s Digest, que celebrava o american way of life – chegavam ao Brasil. Benetti lembra que a autenticidade do processo de americanização dependia de uma contrapartida: a evidência de algum aspecto da cultura brasileira nos Estados Unidos, mesmo que de maneira simplista ou distorcida. Assim, também em 1942, a turma de Walt Disney ganhava um típico malandro brasileiro, o papagaio Zé Carioca. A cantora e atriz luso-brasileira Carmen Miranda, naqueles anos, ganhava grande exposição na mídia americana, representando a exotismo do Brasil com seus figurinos adornados de frutas tropicais. Imagem: Ze_Carioca_Pato_Donald Crédito: Reprodução Por que Vargas optou pelo lado americano? Muito se fala sobre os motivos que fizeram com que Getúlio Vargas pendesse para o lado americano, apesar de nomes como Góis Monteiro (chefe do Estado Maior), Eurico Gaspar Dutra (Ministro da Guerra), Francisco Campos (Ministro da Justiça) e Filinto Müller (chefe da polícia) serem citados como simpáticos ao regime nazista. A ideia bastante difundida de que os Estados Unidos simplesmente pagaram ao Brasil para ter seu apoio é uma meia verdade. Os 20 milhões de dólares emprestados para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, por exemplo, são constantemente utilizados para argumentar em favor dessa tese. “Se você falar que Vargas barganhou a siderúrgica em troca de aproximação pacífica com os Estados Unidos, está correto, mas não foi ligado a uma participação direta na guerra. O mito dizer que em troca do empréstimo nós mandamos os soldados”, afirma Vagner Camilo Alves. O professor é autor do livro O Brasil e a Segunda Guerra Mundial – História de um envolvimento forçado (editora PUC-Rio), cujo título já indica que a pressão exercida pelas grandes potências, no seu ponto de vista, não deixou ao governo brasileiro alternativas. “Minha tese é de que o envolvimento foi ditado pela conjuntura internacional. O Brasil, naquele momento, não tinha condições de decidir não se envolver”, ressaltando que o envolvimento pretendido pelos aliados era a cessão do território para a base aérea, e não o envio de tropas brasileiras para o front. Na mesma direção, encontra-se a opinião de Priscila Ferreira Perazzo, doutora em História Social pela USP e professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. “Se imaginava que não ia ter volta, que os aliados venceriam. A documentação diplomática de 1943 mostra explicitamente que já se sabia que era questão de tempo até a vitória”, diz. “Tanto que Vargas escolheu o lado dos aliados mesmo sabendo que, assim, dava xeque-mate no próprio autoritarismo”, reflete, referindo-se ao paradoxo de que o Brasil, na época uma ditadura, unia-se aos Estados Unidos, nação que empunhava a bandeira de ideais democráticos. De fato, em dezembro de 1945, depois de encerrado o confronto, ocorreram eleições diretas para presidente do Brasil, nas quais foi escolhido Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra de Vargas, como o novo governante. Getúlio voltaria ao poder cinco anos mais tarde, acolhido nos braços do povo, de maneira democrática, após vencer as eleições de 1950. Imagem: pqvargas Crédito: Reprodução FRONT Subaba FEB A criação da FEB Em fevereiro de 1943, o presidente americano Franklin Delano Roosevelt visitou a Base Aérea de Natal e foi recebido por Getúlio Vargas. Desse encontro, surgiu a ideia, da parte do presidente brasileiro, de uma participação efetiva dos brasileiros no front de guerra. A intenção era barganhar novamente, obtendo dos Estados Unidos o material bélico necessário, até mesmo para as tropas que garantiriam a defesa do território brasileiro. A Portaria Ministerial nº 4744, de 9 de agosto de 1943, oficializou a criação da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que deveria atuar no Norte da África. Com as derrotas alemãs nessa região, os brasileiros acabaram desembarcando na Itália. A ideia inicial era enviar 100 mil militares brasileiros para a guerra, mas o contingente acabou sendo de apenas 25.334 homens, preenchendo somente uma divisão. O número reduzido se deve ao pente fino feito nas avaliações médicas e ao sistema de apresentação voluntária. “Isso mostrou o grau de atraso do Brasil na época. Era outro país, com 70% da população vivendo no campo, a maioria analfabeta. Por isso, teve dificuldades para preencher uma só divisão, o que, na Segunda Guerra, era uma gota num mar de sangue”, aponta Vagner Camilo Alves, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF. Enquanto centenas de militares receberam treinamento nos Estados Unidos, a maior parte dos integrantes da FEB aprimorou seus conhecimentos em um centro de treinamentos no Rio de Janeiro. “As Forças Armadas brasileiras seguiam uma obsoleta doutrina militar francesa, então tinham a necessidade de uma nova orientação, segundo o modelo americano”, explica João Barone. Foto: foto-09 e foto-10 Crédito: Arquivo Histórico do Exército Subaba Cobra A cobra vai fumar A alcunha de pracinhas, recebida pelos soldados brasileiros, provavelmente se deu porque grande parte dos combatentes eram muito jovens – assim se chegou ao diminutivo de praça, denominação de um militar inexperiente. Quando surgiu a notícia de que os pracinhas pegariam em armas para combater os alemães, muitas reações pessimistas foram ventiladas. Espíritos de porco da época falavam que “é mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra”. Como criativa resposta a essa desconfiança, ou ao “complexo de vira-latas”, para lembrar o termo cunhado por Nelson Rodrigues, a FEB adotou um emblema um tanto peculiar: o de uma cobra fumando um cachimbo. “A cobra vai fumar” é uma frase popular no Brasil até hoje. Foto: foto-08 Crédito: Arquivo Histórico do Exército Subaba Tropas As tropas da FEB A FEB integrou o 5º Exército Americano comandado pelo general Mark W. Clark Foto: Mark_Wayne_Clark_1943 Crédito: reprodução Integrava o 4º Corpo do Exército Norte-Americano, sob o comando do general Willis D. Crittenberger Foto: 220px-Willis_D._Crittenberger Crédito: reprodução As tropas brasileiras distribuíam-se em: (CRIAR ÍCONES) 1 infantaria divisionária (com três regimentos de infantaria) 1 artilharia divisionária (comandada pelo general Euclydes Zenóbio da Costa, com quatro grupos de artilharia e uma esquadrilha de ligação e observação) 1 batalhão de engenharia 1 batalhão de saúde 1 esquadrão de reconhecimento. Além da FEB, a Força Aérea Brasileira (FAB), criada em 1941, também batalhou no front italiano, com o 1º Grupo de Aviação de Caça. Foto: foto-28 Imagem: Arquivo Histórico do Exército Subaba Comando O comandante Coube ao general João Batista Mascarenhas de Moraes, prestes a completar 60 anos de idade, o comando brasileiro da FEB. Natural de São Gabriel, no pampa gaúcho, Moraes chegou ao posto de chefe do Estado Maior das Forças Armadas, em 1953, com a patente de marechal. O município onde nasceu abriga hoje um museu que leva o seu nome: o Museu Gaúcho da FEB Marechal Mascarenhas de Moraes. “A geração mais nova não conhece, mas os mais antigos, principalmente os militares, têm muito respeito pela sua figura”, comenta Luiz Fernando Fabrício, curador do museu, referindo-se ao tratamento dos gabrielenses à memória de Mascarenhas de Moraes. Fabrício conta uma história que ilustra bem o caráter do comandante brasileiro. “Chegando na Itália, em Pisa, o corpo feminino de enfermeiras não podiam ficar no alojamento das americanas, que eram sargentos e tenentes, enquanto as brasileiras eram soldados voluntárias. Ao saber disso, Mascarenhas prontamente promoveu todas a 2º tenente. Isso serviu para elevar o nome do comandante”, relata. Quanto às questões bélicas, o curador destaca a preferência do general por observar o terreno in loco. “Ele ia sempre no local, embarcava pessoalmente nos aviões piper e olhava onde ia acontecer a operação. Isso chamava a atenção, pois ele não se baseava apenas na carta geográfica”, revela. Imagem: foto-06 Crédito: Arquivo Histórico do Exército Subaba Linha A Linha Gótica A missão brasileira era auxiliar o 5º Exército Americano, do general Clark, e o 8º Exército Britânico, do general Richard McCreery, a ultrapassar a quase intransponível Linha Gótica. Tratava-se da última grande linha de defesa nazista na Europa, situada ao Norte da Itália, nos Montes Apeninos. Como o Exército dos Estados Unidos já havia desembarcado na Normandia, em junho de 1944, a tarefa acabou tendo um papel menor do que poderia ter. “Destruir a Linha Gótica pode ter sido secundário em relação à invasão na França, mas isso não significa que não foi importante”, ressalta o historiador Frank McCann. “Se a linha não tivesse sido fortemente pressionada, os alemães poderiam mover suas tropas a qualquer lugar. Segurar o inimigo longe dos principais pontos de ataque é uma importante missão”, completa. Transpondo a Linha Gótica, os aliados teriam acesso à cidade de Bologna e ao Vale do Rio Pó. Dali, a chegada até o centro da Europa seria facilitada. “Bologna é um importante entroncamento de estradas. Mas atravessar a defesa era muito complicado, tanto que durante todo o inverno de 1944 os aliados estavam a poucos quilômetros da cidade e não conseguiam chegar até ela”, explica João Barone. Imagem: foto-20 Crédito: Arquivo Histórico do Exército Subaba Batismo Batismo surpresa “Os alemães souberam que chegara à Itália um regimento inexperiente, com pouco conhecimento, e resolveram nos atacar de surpresa, testando nossa capacidade de guerra. Às 22h, iniciou o ataque alemão e só terminou às 5h, quando eles recuaram.” Esse foi o batismo de fogo de Geraldo Campos Taitson, mineiro nascido em Ibirité, hoje com 93 anos. O local era Porretta Terme, próximo de onde estava instalado o quartel general de Mascarenhas de Moraes, e o dia era 29 de novembro de 1944. “Foi horrível. Fomos muito hostilizados pelos alemães e precisamos de dois ou três dias para recompor o batalhão, que havia sido esfacelado”, conta, lembrando que nessa primeira prova de fogo dois capitães fracassaram e tiveram de ser substituídos. Taitson já era reservista do exército quando foi convocado, em 1943. Viajou para a Itália com o segundo escalão da FEB, integrando o 11º Regimento de Infantaria, de São João Del Rey. Para ele, a bravura dos pracinhas se deve à condição de povo humilde. “A FEB foi feita com gente simples, do interior, acostumada a labutar, pegar no cabo da enxada e derrubar madeira. Se saíram muito bem porque eram homens rústicos, calejados com o trabalho da roça, e não filhos de papai”, diz. Foto: foto-11 Crédito: Arquivo Histórico do Exército Subaba Intérprete Intérprete no front Enquanto o soldado Taitson passava pelo seu batismo de fogo, o 3º Sargento Benno Armindo Schirmer passava por um rigoroso treinamento, já na Itália, no Depósito de Pessoal, em Staffoli. Schirmer também viajara no segundo escalão, mas compunha o Centro de Recompletamento de Pessoal. Apesar de estar longe do front, a rotina era puxada. Schirmer desejava participar ativamente do conflito, oportunidade que surgiu quando o capitão Fernando Belfort Bethlem (futuramente Ministro do Exército), comandante da Companhia do sargento Schirmer no depósito, interpelou-o: “Você fala alemão?”. Ante a resposta positiva, insistiu: “Você é capaz de se entender com aqueles safados lá do front?”. A vontade de ir para o campo de batalha era tão grande, que a resposta foi curiosa: “Capitão, eu falo o alemão clássico, e não o dialeto”. Era o que o capitão queria ouvir e, assim, o sargento foi designado a servir como intérprete, interrogando os prisioneiros alemães no front. Lembrando do episódio, Schirmer confessa que a verdade era o contrário do que informara – ele conhecia o dialeto praticado no interior do Rio Grande do Sul, e não o idioma clássico. “Falei isso porque eu não queria que ele me botasse na retaguarda. Mas no fim eu me entendi com os prisioneiros”, recorda. Benno Armindo Schirmer completou 91 anos em 14 de maio. Nascido no município gaúcho de Cachoeira do Sul, mudou-se ainda criança para Misiones, na Argentina, até completar a idade de prestar serviço militar, quando retornou ao Rio Grande do Sul. Serviu em Santo Ângelo e, depois, em Ijuí, onde foi promovido a 3º sargento. Inquieto, sonhava em servir no centro do País, que ainda não conhecia. Quando a FEB foi criada, entendeu que seria uma oportunidade para conhecer o mundo e se voluntariou. Mas seu comandante em Ijuí não o queria perder, então enviou uma carta a um médico para que reprovasse o sargento na inspeção médica. E a solicitação foi atendida. Após passar por 16 exames médicos, Benno foi julgado incapaz. Inconformado, procurou o coronel que comandava inspeção e reivindicou ser escalado na FEB, ressaltando a sua vontade em ir para a guerra. Por fim, os pedidos tiveram efeito, e Schirmer embarcou, em 22 de setembro, no navio General Meigs, que levou o segundo escalão à Itália – o mesmo onde estava o soldado Geraldo Campos Taitson. Foto: benno2 Crédito: Eduardo Herrmann/Especial para o Terra BATALHAS Monte Castello: inferno apenino Mapa (https://www.google.com.br/maps/place/44%C2%B013'18.5%22N+10%C2%B057'15.2%22E/@44.21251,10.964742,4095m/data=!3m1!1e3!4m2!3m1!1s0x0:0x0) Depois dos testes em pequenas batalhas, chegou a prova de fogo para os pracinhas. Monte Castello ficava em uma região montanhosa nos Apeninos, a sudoeste de Bologna e a quase mil metros de altitude. As primeiras tentativas brasileiras para furar o bloqueio alemão no local começaram no final de novembro de 1944. Chegava o inverno na Europa, e o clima nas montanhas era rigoroso, com muita neve e temperaturas abaixo de zero. “Usávamos casacos dos americanos, pois não estávamos preparados para tanto frio”, recorda o Sargento Benno Schirmer. Para piorar, os soldados brasileiros não tinham treinamento específico para atuar naquele tipo de terreno. Além da temperatura, a posição geográfica dos soldados alemães tornava tudo mais difícil. Ocupando os cumes das montanhas, tinham uma visão privilegiada e vantagem estratégica. Ou seja, para avançar, os brasileiros não poderiam usar apenas a força, mas também a inteligência. Ao ser destacado para interrogar os prisioneiros alemães, Schirmer integrou o 11º Regimento de Infantaria, o mesmo de Geraldo Campos Taitson, e não tardou para entrar no fogo cruzado, em Monte Castello. “Não sei como estou aqui hoje, de tanta bala que passou perto de mim. Sempre pedi a Deus para não me atingirem e não fui ferido nenhuma vez”, conta. “Os alemães estavam muito bem espalhados no cume de Monte Castello, e as nossas tropas estavam na parte baixa. Sempre levávamos desvantagem, e ainda enfrentávamos temperaturas de até 18 graus negativos”, acrescenta Taitson. As ordens dadas pelos americanos ao general brasileiro Mascarenhas de Moraes eram fortes. “Tomar aquele monte era bastante difícil. As ordens para a tomada foram muito duras para as tropas brasileiras”, salienta o professor Vagner Camilo Alves. Depois de quatro tentativas frustradas para tomar o local, em 21 de fevereiro de 1945, Monte Castelo finalmente foi tomado. “Nós tínhamos apoio da nossa artilharia e da FAB, que bombardeavam as peças de artilharia dos alemães. Quando eles atiravam sobre a infantaria, nosso comando pedia para a FAB inspecionar de onde estava partindo os tiros atrás do cume de Monte Castello”, explica Taitson. “A conquista ocorreu num movimento que envolveu também uma divisão americana especialmente preparada para guerra em região montanhosa. O desdobramento teve de ser realizado em várias montanhas ao mesmo tempo”, pontua Alves. O saldo foi de centenas de mortes do lado brasileiro. “Vi diversos dos meus companheiros morrerem. Lembro de ter advertido um amigo que eu conhecia de Belo Horizonte a abrir a sua trincheira, pois os alemães estavam observando de cima da montanha. Ele falou que estavam muito longe e não fez o que recomendei. Então um alemão mandou uma granada de morteiro e o atingiu. Ele ficou esfacelado”, narra Taitson. Destaque “Não sei como estou aqui hoje, de tanta bala que passou perto de mim...” Geraldo Taitson, pracinha do 11º Regimento de Infantaria da FEB Fotos: foto-20 Crédito: Arquivo Histórico do Exército Castel Nuovo: perigo sob os pés Mapa (https://www.google.com.br/maps/place/40038+Castelnuovo+BO/@44.2546099,11.070966,2164m/data=!3m1!1e3!4m2!3m1!1s0x132ac6a1c15e3cb3:0x5eccdae2baf564e1) Superado o pesadelo de Monte Castello, a FEB partiu para um cerco a tropas alemãs em Castelnuovo, aldeia da comuna de Vergato. O confronto contra os alemães teve relativa facilidade, tendo a batalha se realizado apenas durante o dia 5 de março de 1945. As dificuldades, dessa vez, foram as minas espalhadas pelos nazistas, que provocaram dezenas de baixas. “Não foi brincadeira: entramos em uma estrada toda minada pelos alemães. Quando eles abandonavam um local, minavam o terreno, e quem pisasse em cima no mínimo perdia o pé”, conta Geraldo Taitson. Ele chama a atenção para armadilhas espalhadas pelos adversários, até mesmo nas casas dos vilarejos. “Era comum que colocassem um relógio, uma bússola ou uma caneta, ligadas a um explosivo. Se você fosse pegar, explodia na sua mão.” O professor Vagner Camilo Alves observa que, depois da tomada de Monte Castello, iniciou-se uma nova fase na guerra para os brasileiros, com avanços geográficos mais imediatos. “É muito diferente para o soldado uma fase parada e outra em movimento. Depois de Monte Castelo, as tropas se puseram em movimento.” Destaque “Quando eles abandonavam um local, minavam o terreno, e quem pisasse em cima no mínimo perdia o pé” Geraldo Taitson, pracinha do 11º Regimento de Infantaria da FEB Fotos: foto-19 Crédito: Arquivo Histórico do Exército Montese: o mar de sangue Mapa (https://www.google.com.br/maps/place/41055+Montese+MO/@44.2710406,10.9454115,2874m/data=!3m2!1e3!4b1!4m2!3m1!1s0x132ab8e7be98ac19:0xfd2d9ae193eb2cb) O último obstáculo para os aliados alcançarem o Vale do Rio Pó era a cidade de Montese, e coube aos pracinhas conquistarem esse ponto. Se dessa vez os alemães não tinham a vantagem tática de ocupar os cumes das montanhas, o cenário de guerra urbana de Montese apresentava mais esconderijos e ataques inesperados. Entre os dias 14 e 16 de abril, quando iniciava a primavera, a cidade foi tomada, a muito custo, na batalha mais sangrenta da qual a FEB participou. A batalha traz recordações intensas para os veteranos brasileiros. Benno Schirmer destaca a violência que permeou os três dias de confronto. “Foi ainda pior do que em Monte Castelo. Era um entrevero”, conta, usando um termo típico do jargão gauchesco para definir uma briga generalizada. Taitson explica a importância do enfrentamento: “Eles não queriam perder essa região e, dois dias depois de tomarmos a cidade, tentaram retomá-la, pois sofreriam uma desvantagem muito grande caso caíssemos no Vale do Rio Pó”. No saldo final, centenas de baixas. Por pouco, o Taitson não foi uma delas. Em um ataque inesperado, o tenente foi ferido. “Estilhaços de granada atingiram meu braço direito e se alojaram na minha costela. Pedi ao sargento Júlio, comandante do grupo de combate, para não dar baixa no hospital”, relembra. Caso isso acontecesse, Taitson perderia o contato com seus camaradas mineiros que conhecia desde o Brasil. “O sargento me fez curativos e três dias depois eu já estava recuperado.” Destaque: “Foi ainda pior do que em Monte Castelo. Era um entrevero” Benno Schirmer, 3º sargento da FEB Foto: foto-13 Crédito : Arquivo Histórico do Exército Fornovo Di Taro: o regozijo de um vencedor Mapa: (https://www.google.com.br/maps/place/43045+Fornovo+di+Taro+PR/@44.6933231,10.0934104,6802m/data=!3m1!1e3!4m2!3m1!1s0x47807ac8d53492fd:0xdb6fbc18729cd346) O último confronto significativo da FEB coroou a atuação dos pracinhas depois de tantas dificuldades. Os brasileiros perseguiram a 148ª Divisão de Infantaria do Exército Alemão desde a batalha de Collecchio, vencida pela FEB dias antes. Os nazistas acabaram cercados pela FEB. “O comandante alemão, general Otto Fretter-Pico, não queria de forma nenhuma se entregar. Foi enviado um vigário de uma aldeia para tentar persuadi-lo. Ele disse que só se entregaria se recebesse ordens de Berlim”, explica Geraldo Taitson. Foi o que aconteceu: no dia 29 de abril, 14.779 alemães se tornaram prisioneiros dos brasileiros. Benno Schirmer se recorda bem do episódio, pois teve a oportunidade de conversar, em alemão, com o general nazista. “Ele estava triste. Dizia que tinha receio de que o Brasil o considerasse um covarde. Eu lhe disse que, ao contrário, ele poupara 14 mil homens e, por isso, se eu pudesse, lhe condecoraria com uma alta distinção”, relata. A rendição de uma divisão inteira alemã foi o desfecho perfeito para a brava atuação dos pracinhas no front. “Dentro da contribuição possível, os soldados se portaram muito bem - foram heróis”, avalia Vagner Camilo Alves. Antes de voltar ao Brasil, o 1º Batalhão do 11º Regimento de Infantaria, no qual estava Taitson, ainda seguiu para a fronteira com a França, para prender representantes dos camisas negras (força de confiança de Mussolini) que maltratavam a população civil italiana. A vitória aliada já estava mais do que encaminhada, com conquistas expressivas em todos os fronts. A missão brasileira, então, havia se encerrado, embora a guerra tenha terminado oficialmente apenas em setembro de 1945, com a rendição japonesa. Foto: foto-15 Crédito: Arquivo Histórico do Exército GUERRA NO BRASIL Subaba Campos Campos de concentração brasileiros Quando alguém fala em campo de concentração, logo se pensa em Auschwitz, o mais conhecido campo de extermínio alemão durante a Segunda Guerra Mundial, localizado no Sul da Polônia. Mas o que poucos sabem é que os aliados também tinham seus campos de concentração. Diferentemente do estigma criado pelas violações aos direitos humanos praticadas pelos nazistas, não se constituíam em locais onde eram dadas “soluções finais” aos prisioneiros, e sim em grandes prisões, muitas improvisadas, usadas por nações em estado de beligerância para guardar os presos de guerra. Embora não tenha havido guerra em solo brasileiro, o País também teve seus campos de concentração, destinados a japoneses, italianos e, principalmente, alemães acusados de espionagem para os nazistas. Em sua pesquisa para a tese Prisioneiros de guerra – os cidadãos do Eixo nos campos de concentração brasileiros (1942-1945), Priscila Ferreira Perazzo, doutora em História Social pela USP, lista 10 campos de concentração existentes no Brasil durante a guerra: Tomé-Açú, no Pará; Chã de Estevão, em Pernambuco; Presídio de Ilha das Flores e Colônia Penal Cândido Mendes, no Rio de Janeiro; Campo de Concentração Militar, em Minas Gerais; Estação Experimental de Produção Animal de Pindamonhangaba e Escola Prática de Agricultura Paulo Correa Lima, em São Paulo; Seção Agrícola da Penitenciária de Trindade e Presídio Oscar Schneider, em Santa Catarina; e Colônia Penal Agrícola General Daltro Filho, no Rio Grande do Sul. Sua existência atendia a exigências dos aliados americanos, e o Brasil mostrava, assim, estar empenhado no esforço de guerra. Foto: salvoconduto Crédito: Reprodução Subaba presos Sem julgamento Priscila lançou também o livro Prisioneiros da Guerra – os Súditos do Eixo nos Campos de Concentração Brasileiros, pela editora Humanitas. Segundo ela, eram presos aqueles que tinham algum envolvimento mais próximo com o nazismo. “Eram filiados ou pessoas que de alguma forma haviam trabalhado pelo partido e aqueles que foram denunciados. A gente tem que lembrar que, antes de entrar na guerra, o governo brasileiro já monitorava possíveis espiões”, afirma, explicando as condições nas quais a detenção acontecia. “Na maior parte das vezes, não tinha julgamento. Em alguns casos, a prisão passava pelo Tribunal de Segurança Nacional, um processo especial, mais arbitrário. O que pensavam é que, como eram nossos inimigos de guerra, cabia recolhê-los e concentrá-los para vigilância. Isso aconteceu no mundo todo”, frisa. Esse último detalhe Priscila considera importante de ressaltar, pois os campos de concentração eram uma prática legal. “O que foi diferente foram os alemães. Eles pegaram uma ideia que os outros governos também praticavam e levaram às últimas consequências”, diz. Ou seja, apesar de permitido, o uso de campos de concentração deveria respeitar diretrizes internacionais do direito humanitário. Quando estourou a Segunda Guerra Mundial, o principal documento nesse sentido era a Convenção de Genebra de 1929, de 10 anos antes do início do conflito. Como ela não cobria alguns pontos referentes aos campos de concentração, também eram aceitas outras resoluções da época. Mas muito disso não era respeitado, inclusive no Brasil. “O primeiro ponto que não foi atendido é que muitos prisioneiros não foram soltos em 1945, com o final do conflito. Alguns ficaram presos até 1948. Também era praticado o trabalho obrigatório, e os presos não recebiam uma compensação pelo emprego que perdiam”, revela Priscila. As inspeções eram dificultadas pelo Ministério da Justiça, de doutrina autoritária, por mais que o Ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, se empenhasse em fazer com que o Brasil atendesse às convenções. Foto: vargasearanha Crédito: Reprodução Subaba Espião Poeta espião? Gerardo Mello Mourão (1917-2007), nascido em Ipueiras, no Ceará, foi um dos mais notáveis poetas e escritores brasileiros, chegando a ser indicado ao prêmio Nobel em 1979. O que poucos sabem é de seu suposto envolvimento com a espionagem nazista no Brasil. Antes da guerra, Mourão participava da Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento de cunho nacionalista e autoritário, simpática ao fascismo italiano, liderado por Plínio Salgado. Por conta de seu posicionamento político, acabou preso no Estado Novo, regime autoritário de Vargas. Durante a guerra, Mourão foi preso novamente, de 1942 a 1948. O americano Stanley E. Hilton, no livro Suástica sobre o Brasil (editora Civilização Brasileira), cita o poeta como integrante da rede de espiões sediada no Rio de Janeiro. Não há comprovação, no entanto, para a acusação. No Regime Militar, Mourão voltou a ser preso, dessa vez considerado um subversivo comunista. Na cadeia, dividiu cela com o jornalista e escritor Zuenir Ventura. Segundo ele, Gerardo não gostava de falar sobre as acusações de espionagem. “Esse era um tema do qual se falou muito pouco, por ser muito delicado e porque Gerardo o desqualificava, considerando-o ‘um absurdo’. No máximo, se permitiu uma vez se referir às bárbaras torturas que sofreu, como, por exemplo, ter unhas arrancadas”, recorda. Zuenir também lembra que o poeta comentava a sua ficha no DOPS – que segundo ele, qualificava-o como “nazista e comunista”. “Ele brincava: ‘Sem nunca ter sido uma coisa ou outra, fui preso pelas duas’”. Foto: espiao Imagem: Reprodução PÓS-GUERRA Subaba Depois O Brasil depois da guerra A redemocratização do Brasil no pós-guerra era imprescindível, e o conflito acabou tendo repercussão nas urnas. Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra de Getúlio Vargas, foi eleito, no final de 1945, com mais de 50% dos votos, pelo extinto PSD. Já na Europa destruída pela guerra, aliados ocupavam territórios e firmavam acordos que se assemelhavam a uma partilha. Era o início de novas tensões, que não culminariam em conflito bélico direto, mas dividiriam o mundo. As duas novas potências mundiais – a União Soviética e os Estados Unidos – disputaram a influência das nações e polarizaram o mundo entre comunistas e capitalistas. O Brasil permanecia alheio a isso. No entanto, segundo o historiador norte-americano Frank McCann, poderia ter participado de maneira mais intensa na ocupação da Europa pós-guerra. Segundo suas pesquisas, o país foi convidado pelos Estados Unidos a participar da ocupação da Áustria, convite que foi recusado por motivos que não conhecemos. “Creio que isso foi um erro. Uma atuação como essa teria aumentado a reputação e imagem internacional do país. Creio que os militares estavam muito preocupados para que as bases no Nordeste fossem rapidamente desocupadas pelos americanos”, opina. Essa atuação poderia ter sido um ponto a favor para a obtenção de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da vindoura Organização Nações Unidas (ONU), posto almejado pelos brasileiros até hoje. “O Brasil não pressionou o suficiente para obter um maior papel nas Nações Unidas. Mas é certo que era uma situação difícil. Roosevelt, que provavelmente teria apoiado os desejos brasileiros, havia morrido, e os britânicos e russos se opunham a dar aos brasileiros a cadeira”, pondera McCann. Na sua opinião, a demora em aprontar as tropas da Força Expedicionária Brasileira também pesaram contra. “A Segunda Guerra Mundial foi um processo de maturação forçada do Brasil. Se as Forças Armadas brasileiras tivessem estado prontas antes, em 1943, os ganhos do país com a guerra teriam sido maiores. Mas dadas as condições de época, não acho que isso teria sido possível”, especula. Apesar disso, o historiador lembra que o País não deixou de ter obtido vantagens depois do conflito. “O Brasil saiu da guerra com o maior e mais bem equipado exército da América Latina, sem mencionar a melhora nos portos, aeroportos e o grande apetite por industrialização.” Foto: foto-35 Crédito: Arquivo Histórico do Exército Subaba Extinção Extinção da FEB: “A pensão chegou tarde” De volta ao Brasil, a FEB recebeu homenagens e uma recepção de gala no Clube Militar, onde foi inaugurada uma grande placa de bronze e onde o general Mascarenhas de Moraes recebeu o título de Presidente de Honra da entidade. No dia 1º de janeiro de 1946, a FEB oficialmente deixou de existir. Geraldo Campos Taitson lamenta o desamparo do governo aos soldados que lutaram no front. “A verdade é que fomos abandonados por Getúlio Vargas e assim ficamos por 50 anos. Tive um colega que recebeu condecoração por ato de bravura e, voltando pra cá, foi vender pipoca. Somente a Constituição de 88 estabeleceu uma pensão aos veteranos de guerra. É uma pensão boa, mas chegou tarde, quando a maioria já tinha morrido”, diz. Com base na Lei no 4767/65, Taitson obteve Carta Patente, expedida pelo Departamento-Geral do Pessoal do Exército Brasileiro. Assim, ele agora é 1º Tenente do Exército da Arma e Infantaria. O Tenente Taitson se aposentou como servidor público concursado e ajudou a fundar a Associação Nacional dos Veteranos da FEB (AnvFEB), com a qual colabora até hoje, em Belo Horizonte. Já o sargento Schirmer é hoje Major Benno Armindo Schirmer. Depois da guerra, seguiu carreira militar, entrando para a reserva após servir no 16º Grupo de Artilharia de Campanha Autopropulsado de São Leopoldo-RS. Hoje, vive em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, ostentando uma numerosa coleção de condecorações militares. Foto: foto-32 Crédito: Arquivo Histórico do Exército Subaba Memória Preservando a memória O principal memorial que preserva a lembrança dos soldados brasileiros que padeceram em combate lutando na Itália é o Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Rio de Janeiro. No local, há um espaço cultural, com exposições permanentes de materiais usados pelos pracinhas e um auditório com capacidade para 40 pessoas, onde são exibidos filmes e documentários referentes à participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. Também estão sepultados lá os restos mortais dos 467 brasileiros que morreram no conflito. O monumento foi inaugurado em 1960, depois de uma comissão de repatriamento ter realizado o translado dos corpos do Cemitério de Pistoia, na Itália, para o Rio de Janeiro. Outro local que conserva com muito carinho a história dos pracinhas é o Museu da FEB em Belo Horizonte. Mantido pela AnvFEB, também conta com a colaboração do Tenente Taitson. “Mantemos esse museu aberto diariamente para não deixar a história da FEB se perder e explicar como o Brasil lutou bravamente. Nos colégios não se fala nada sobre isso”, conta. Apesar de lutar para preservar a memória da FEB, o Tenente Taitson, bom de papo e com a fala macia do mineiro, aproveita para deixar uma mensagem de paz. “A guerra é uma tragédia para quem ganha e para quem perde. Temos que fugir dela e tentar resolver tudo com conversa.” Foto: museufeb Crédito: Divulgação mais especiais de notícias