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Belo Monte faz região onde irmã Dorothy foi assassinada voltar a ser palco de violência e tensão

Tensão voltou a se elevar nos últimos dias na região onde há 11 anos foi assassinada a missionária americana Dorothy Stang.

28 jul 2016 - 15h52
(atualizado em 1/8/2016 às 19h11)
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A tensão voltou a se elevar nos últimos dias na região da Mata Preta, em Anapu, município na região central do Pará marcado por violentos conflitos agrários e onde há 11 anos foi assassinada a missionária americana Dorothy Stang.

Missionária americana foi assassinada há 11 anos por causa de conflitos agrários em região próxima a Altamira, onde Belo Monte foi erguida
Missionária americana foi assassinada há 11 anos por causa de conflitos agrários em região próxima a Altamira, onde Belo Monte foi erguida
Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil

Na noite desta quarta-feira, o Ministério Público Federal solicitou ao Ministério da Justiça o envio da Força Nacional de Segurança para a área. A Secretaria Estadual de Segurança do Pará, no entanto, disse à BBC Brasil que não vê necessidade desse reforço e se considerou apta a manter a ordem no local. Já o ministério disse que a questão ainda não estava em análise.

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Segundo o procurador da República Felício Pontes, que acompanha o caso, o aumento da tensão na região está relacionado ao grande fluxo migratório gerado nos últimos anos pelas obras da hidrelétrica de Belo Monte. Anapu é vizinha de Altamira, onde a polêmica usina foi erguida.

As terras sob disputa são de propriedade da União, mas hoje estão ocupadas por pequenos produtores rurais e grades fazendeiros que dizem ter adquirido a área (os chamados lotes 69, 71 e 73) e brigam pela posse na Justiça. Os três lotes somam 9 mil hectares, o equivalente à extensão de 482 campos do estádio do Maracanã.

As denúncias recebidas pela Ouvidoria Agrária Nacional são de que esses pretensos donos contrataram pistoleiros para expulsar os produtores rurais - cerca de 250 famílias. Não há decisão judicial que autorize qualquer despejo.

Autoridades ouvidas pela BBC Brasil temem por novas mortes na região. Entre julho e novembro de 2015, sete pessoas foram assassinadas em decorrência de conflitos de terra em Anapu, segundo a Comissão Pastoral da Terra.

Cerca de 80 mil famílias foram para a região trabalhar em Belo Monte e ocuparam terrenos alvo de conflitos
Cerca de 80 mil famílias foram para a região trabalhar em Belo Monte e ocuparam terrenos alvo de conflitos
Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil

Seis dessas mortes estariam relacionadas a uma ação de despejo semelhante realizada no lote 83. Um dos executados foi José Nunes da Cruz Silva, conhecido como Zé da Lapada, líder de um grupo de trabalhadores sem-terra.

"Existem relatos de que alguns trabalhadores já foram expulsos dos lotes 69, 71 e 73 sem ordem judicial por, digamos, empregados ou jagunços dos pretensos proprietários. Há denúncia de desmatamento ilegal e também ameaças de morte que estão sendo praticadas pelos pistoleiros", disse o ouvidor agrário nacional, desembargador Gercino José da Silva Filho, após participar de uma reunião sobre a questão na quarta-feira em Brasília.

Além do reforço policial na área, a reunião também destacou a necessidade de que a Justiça agilize a conclusão dos processos sobre a propriedade das terras. Os fazendeiros que se dizem donos perderam na primeira instância, mas recorreram.

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"Fiquei assustado com relatos que ouvi em Anapu";, diz procurador da República
"Fiquei assustado com relatos que ouvi em Anapu";, diz procurador da República
Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil

Para Pontes, que participou da reunião com o ouvidor, é importante que a União consiga retomar a posse das terras para destiná-las à reforma agrária.

"Estive na região semana passada e fiquei muito assustado com os relatos que ouvi em Anapu. Os fazendeiros não conseguiram na Justiça a retirada dos colonos e estão tentando fazer isso por meio de intimidações, de queima das casas das pessoas, das plantações", disse o procurador.

Belo Monte

Os conflitos na região remontam a décadas atrás. Nos anos 1970, durante a ditadura militar, foram licitadas áreas da região amazônica para ocupação por grandes fazendeiros. No entanto, muitos deles não chegaram a ocupar a terra no prazo de cinco anos e seus contratos foram anulados na Justiça.

Apesar disso, alguns fazendeiros hoje dizem que compraram os lotes dos licitantes originários e, por isso, alegam ter direito à posse. Muitas vezes, porém, esses contratos são considerados fraudulentos e a ocupação é feita por grilagem.

"No entendimento do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) esse adquirente originário não cumpriu as cláusulas resolutivas e portanto os lotes continuam sendo de domínio público. Inclusive esses lotes continuam matriculados e registrados em nome da União", observou Silva Filho.

Segundo o procurador Felício Pontes, a maioria das famílias que hoje ocupa a área veio para trabalhar na construção de Belo Monte, do sul do Pará ou de Estados como Bahia, Piauí e Ceará. São agricultores que não quiseram voltar porque nas suas terras de origem conseguiam produzir meramente para subsistência.

"Esse recrudescimento da violência na região de Anapu é consequência direta da hidrelétrica. E o poder público já tinha que estar preparado porque isso estava escrito no estudo de impacto ambiental de Belo Monte - que muitas dessas 80 mil famílias que chegariam à região não voltariam para seu lugar de origem".

O procurador opina que esses novos ocupantes são positivos para a preservação da floresta na região.

"Em Anapu, a terra é muito fértil. Essas pessoas que entraram lá há quatro anos estão produzindo cacau, cupuaçu. Esse tipo de produção precisa da floresta em pé. Então, não houve desmatamento, pelo contrário. Todos eles compraram suas motos, e alguns até já compraram dois carros, um carro para o uso da família e outro para escoar a produção", contou.

Segurança

Segundo a BBC Brasil apurou, um ouvidor agrário regional que atua na área tentou, com apoio de quatro policiais da patrulha rural comunitária, acesso à região nesta semana, mas eles desistiram no meio do caminho.

Quando se dirigiam ao local, encontraram famílias que haviam sido expulsas e estavam se retirando da área. Elas afirmaram que se o ouvidor e os policiais não permanecessem continuamente no local, uma mera visita de inspeção geraria represálias violentas contras os moradores tão logo os visitantes deixassem a região.

Dessa forma, o grupo desistiu de ir ao local porque não tinha autorização para pernoite.

Em Anapu há também efetivos das polícias Civil e Militar. No entanto, os pequenos produtores rurais não confiam nessas instituições e dizem que parte dos agentes costumam agir em parceria com os grandes fazendeiros, segundo Felício Pontes.

De acordo com o procurador federal, ficou decidido na reunião que seria sugerido ao governo do Pará que deslocassem para Anapu agentes especializados da Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) de Marabá, município no leste do Estado.

O secretário-adjunto de inteligência e análise criminal da Secretaria de Segurança do Pará, Rogério Morais, disse à BBC Brasil que a Deca de Marabá instaurou um inquérito para apurar as denúncias e que um efetivo está se deslocando para a região da Mata Preta.

Ele afirmou, porém, não ver necessidade de envio da Força Nacional de Segurança. O pedido feito na quarta-feira foi assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.

Apesar de insistência de procuradores, governo do Estado diz que não precisa de ajuda federal para lidar com situação em Anapu; acima, Dilma sobrevoa Belo Monte em foto de arquivo
Apesar de insistência de procuradores, governo do Estado diz que não precisa de ajuda federal para lidar com situação em Anapu; acima, Dilma sobrevoa Belo Monte em foto de arquivo
Foto: Roberto Stuckert Filho/Fotos Públicas

"O Estado está apto a cumprir seu papel constitucional de proteção ao cidadão na área", afirmou. "A área da Mata Preta é uma área tradicionalmente conflituosa, a gente não tem nenhuma dúvida disso. Nós tivemos um fato marcante, o caso da irmã Dorothy, que causou grande comoção nacional e internacional. Não só por esse motivo, por outros também, é uma área de observação constante da secretaria".

Em carta aberta divulgada nesta terça-feira, as irmãs da congregação Notre Dame de Namur, a mesma de Dorothy Stang, disseram que iniciariam na quarta-feira de noite uma greve de fome em "protesto contra a falta de ação em defesa das 250 famílias de Mata Preta" e "até haver uma ação enérgica e decisiva em defesa das famílias e das leis do país".

Em nota, a Norte Energia, responsável pela construção da usina de Belo Monte, nega que exista relação entre as obras na região e o crescimento da violência. Confira a íntegra do comunicado: 

Nota em resposta

A despeito da matéria intitulada “Belo Monte faz região onde irmã Dorothy foi assassinada voltar a ser palco de violência e tensão”, veiculada no site Terra Notícias, no dia 28.07.2016, a Norte Energia vem a público, diante da necessidade de preservação da verdade e dos seus direitos, apresentar as seguintes considerações:

Como signatária e cumpridora dos Princípios do Equador, a Norte Energia S.A. trabalha com responsabilidade social e ambiental, portanto, não aceita nem compartilha de quaisquer desrespeitos aos direitos humanos e à sustentabilidade. É baseada nisto que a empresa constrói a Usina Hidrelétrica Belo Monte e desenvolve o Projeto Básico Ambiental (PBA) e Projeto Básico Ambiental – Componente Indígena (PBA–CI), os quais somam investimentos de mais de R$ 4,2 bilhões em obras, ações e projetos de transformação social para as populações dos cinco municípios da área de influência direta do empreendimento: Altamira, Anapu, Brasil Novo, Vitória do Xingu e Senador José Porfírio.  

Mentiras e ilações de opositores históricos ao projeto de Belo Monte têm associado a construção de Belo Monte a conflitos fundiários por meio de omissões e descontextualizações que o assunto exige. Infelizmente, conflitos no campo são uma realidade presente desde a ocupação em massa de terras na Amazônia na década de 1970, em especial no Pará e na região da Rodovia Transamazônica. Não é novidade, principalmente, para quem fiscaliza a lei e é afeito ao tema, que o Estado sempre esteve entre os primeiros nas estatísticas desses conflitos. Tal afirmação é confirmada em levantamentos de dados por instituições sociais de defesa dos direitos humanos do início da década de 1980 até os dias de hoje.

Entre 1996 e 2010, o Pará foi campeão de mortes no campo com 180 registros (39%) das 467 ocorrências no Brasil. O Estado registrou o maior número de assassinatos em todos os anos em que os números foram levantados nesse período, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT / PA). Portanto, Belo Monte ainda nem havia iniciado suas obras.

A mesma CPT mostra ainda que, em 2012, 2013 e 2014, portanto já com Belo Monte no auge de sua construção, os conflitos e mortes no campo no Pará também foram menores que em 2015. E a violência, urbana ou rural, não é privilégio do Estado do Pará. A região amazônica como um todo sempre teve suas terras muito disputadas. As próprias instituições citam, ao longo de décadas, fatores diretos e decisivos para os conflitos no campo, como a falta de demarcação, fraude cartorial em documentação, grilagem, impunidade e disputas próprias por áreas ricas em madeiras de lei, além de expansão de negócios.

No caso de Anapu, na região da Mata Preta, onde ocorreu o recrudescimento da violência, o conflito por lá se arrasta há pelo menos 30 anos. É caracterizada por uma disputa local por maior posse de terra entre grandes produtores e agricultores familiares assentados, situação que não se relaciona com as obras da UHE Belo Monte e seus trabalhadores. Portanto, não é honesto e nem justo atribuir conflitos no campo a um empreendimento, que na área da segurança pública, investe e apoia a prevenção contra a violência e respeito aos direitos humanos.   

É ainda uma inverdade a informação de que “80 mil pessoas” ficaram na região de Belo Monte. Um dado que o IBGE desmente com uma consulta simples, com os números da população referentes a Anapu, por exemplo, que em 2010 possuía 20.543 habitantes e, em 2015, tem população estimada em 25.414. Ressalte-se que para as obras civis de Belo Monte vieram cerca de 30 mil trabalhadores de fora da região do empreendimento. Desses, apenas 3% ficaram na região após serem desmobilizados à medida que as obras civis avançavam. Além do Plano Básico Ambiental e Plano Básico Ambiental –Componente Indígena, a Norte Energia executa um Acordo de Cooperação Técnica e Financeira com o Governo do Estado do Pará, por meio da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup).

A parceria resulta em investimentos na ordem de R$ 135 milhões em equipamentos, armamentos, capacitação, veículos e infraestrutura para as polícias militar e civil do Estado nessa região. Os recursos permitiram o aumento do efetivo, aluguel e compra de um helicóptero biturbina e doação ao Governo do Pará para ações de segurança pública no Xingu, além de circuitos de câmeras para vigilância e prevenção da violência em altamira, por exemplo.

Culpar Belo Monte por problemas históricos, que, lamentavelmente, o poder público e as autoridades competentes ainda não conseguiram resolver, é mero oportunismo e ataque gratuito ao empreendimento, práticas observadas repetidas vezes no discurso dos opositores ideológicos do projeto hidrelétrico em construção no Rio Xingu.

Norte Energia S.A

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