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A polêmica fiscalização de comida na Índia contra a presença de carne

4 dez 2016 - 14h46
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Foto: Alamy / BBC News Brasil

Se a Índia tivesse um prato nacional, um forte concorrente, ao lado do pão roti, da sopa de lentilhas e das samosas, seria certamente o apimentado biryani, prato de diversas camadas cuja base é feita com arroz.

Essa rica e comemorativa iguaria foi provavelmente trazida ao subcontinente pelos imperadores persas e da Ásia Central, que também deram à Índia o requintado Taj Mahal.

Agora, porém, o biryani - prato principal de inúmeros feriados e festas de casamento, nas quais recebe mais atenção do que o bolo - está no meio de uma polêmica cultural na Índia.

Em algumas áreas do Estado de Haryana, no norte da Índia, a polícia tem tomado medidas extremas para fiscalizar restaurantes e vendedores ambulantes que comercializam os pratos de biryani que têm carneiro para garantir que não há carne de vaca entre os ingredientes.

A maioria da população indiana é hindu e não come a carne do animal sagrado. Abater vacas também é ilegal na maior parte do país - em Haryana, uma lei de 2015 prevê pena de dez anos de prisão para quem matar o animal sagrado.

Mais de 20 Estados indianos proíbem o abate de vacas e/ou comer a carne do animal.

"Temos recebido muitas denúncias de que carne de vaca tem sido misturada com o biryani no distrito de Mewat, então ordenei que a polícia verifique fisicamente o biryani vendido nos restaurantes da região", disse Bhani Ram Mangla, presidente da Comissão do Serviço de Vacas, em entrevista ao jornalista da BBC Amitabha Bhattasali.

Mais de 20 Estados na Índia proíbem o abate de vacas, o consumo desse tipo de carne ou ambos
Mais de 20 Estados na Índia proíbem o abate de vacas, o consumo desse tipo de carne ou ambos
Foto: Kirsty McLaren/Alamy Stock Photo / BBC News Brasil

Considerando a incrível diversidade de pessoas e de comida da Índia, a atenção dada a casos como este não é surpreendente.

Assim como seus movimentados mercados e seus temperos inebriantes, a Índia é uma mistura desconcertante de religiões, idiomas, culturas e gastronomias.

"Comida é um agente de identidade, seja étnico, religioso, socioeconômico ou pessoal. Então, as pessoas podem ser particularmente sensíveis quando parte de sua identidade é desafiada ou questionada", disse Carol Helstosky, professora de História na Universidade de Denver, nos EUA.

Tome o biryani, por exemplo: há tantas maneiras diferentes de preparar o prato como há Estados na Índia - o país é dividido em 29 Estados e sete territórios.

Em Hyderabad, camadas de carne temperada e arroz salpicado com açafrão são seladas sob uma massa de pão e depois cozidas no vapor, método mais tradicional de preparação, que recebe o nome de "dum".

Em Chennai, o prato ganha mais tempero, com pimenta, e acidez, com tomates. Já em Calcutá o prato é servido com batatas e com um ovo cozido.

Ao julgar pela cobertura da imprensa, dominada por termos como "a guerra do biryani", "tumultos comunais" e "vigilância da vaca", comida é uma fonte de conflito intenso na Índia.

No entanto, quando o assunto é discutido com o povo, a história que se escuta é diferente.

"Essa notícia do biryani é só barulho feito pela imprensa", disse Wahaja Karim em Nova Déli. "A comida mais une do que separa as pessoas na Índia."

É assim como Faisal Siddiqui, um apaixonado por comida nascido em Nova Déli que hoje mora nos Estados Unidos, se lembra da Índia.

Siddiqui é muçulmano e cresceu no bairro Lodhi Road, na região sul de Nova Déli dominada por hindus. Durante a infância, ele faltava na escola para jogar críquete com amigos hindus, muçulmanos e sikhs.

Ele se lembra de visitar pandals, pequenas tendas erguidas para feriados religiosos sikh, nas quais fiéis distribuíam comida típica como halwa poori - prato indiano feito com cenouras ou farinha, cozido com manteiga e açúcar, e servido com pão frito doce - e chole, prato preparado com grão-de-bico cozido com cebolas, batatas e temperos.

"Muitas pessoas, trabalhadores, estudantes, crianças, sikhs, hindus, muçulmanos, cristãos, praticamente qualquer pessoa costumava fazer essa visita. Indianos amam comida de graça", disse Siddiqui.

Sua melhor recordação dessa época, no entanto, é do Eid-al-adha (Bakr-Eid), feriado religioso marcado pelo abate de cabras em memória da disposição do profeta Abraão de sacrificar seu filho como um ato de submissão a Deus.

O biryani pode ser servido como um tipo de comida de rua na Índia
O biryani pode ser servido como um tipo de comida de rua na Índia
Foto: Pep Roig/Alamy Stock Photo / BBC News Brasil

Para Siddiqui e sua família, as preparações para o feriado começavam uma semana antes, quando seus tios traziam para casa seis ou sete cabras, que ficavam na laje da casa para as crianças alimentarem e cuidarem antes das festividades.

"Eu sempre me apegava a elas", lembrou Siddiqui. "O dia do Eid era bem difícil."

No feriado, um açougueiro ia até a casa dele para matar os animais, que eram limpos e cortados em porções para serem distribuídas entre a família, os vizinhos e os mais pobres, seguindo a tradição muçulmana. O ponto alto do dia? O jantar.

"Sempre comíamos biryani no jantar do Eid", disse Siddiqui. "Esse era o prato principal."

O biryani é um prato rico e celebrado
O biryani é um prato rico e celebrado
Foto: TENGKU BAHAR/Getty / BBC News Brasil

Em sua casa em Nova Déli o prato era preparado com arroz cozido junto com a carne fresca e servido com um molho picante e iogurte. Siddiqui e seus primos arrumavam a mesa com toalha e pratos para esperar o biryani.

Se seus tios encontrassem amigos hindus no caminho para casa depois das orações, eles também se juntavam ao banquete, assim como vizinhos, amigos e o restante da família.

O biryani é um prato que une as pessoas
O biryani é um prato que une as pessoas
Foto: ANNA ZIEMINSKI/Getty / BBC News Brasil

"Todos se sentavam juntos e comiam", disse Siddiqui, lembrando como os hindus também gostavam do feriado. Para ele, o biryani era um prato que unia as pessoas.

"Comida, para mim, é algo que sempre agregou. Mesmo se as pessoas não comessem carne elas também vinham e se serviam de pratos vegetarianos. Mas a gente sempre comia na mesma mesa", disse ele.

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