Uma noite que durou 21 anos Não foi de um dia para o outro. Deflagrado em 31 de março de 1964, o golpe militar no Brasil foi resultado de conflitos que antecederam a data histórica. Cinquenta anos depois, o Terra reconta os anos anteriores ao golpe, o dia da sua deflagração e relembra os protagonistas da ação que instalou os 21 anos de regime autoritário no País. Imagem: 00_TomadaForteCopacabana1964 Crédito: Evandro Teixeira FRONT Memórias do front “O movimento foi feito por meio de viaturas oficiais. Eu estava em um jipe militar. Atrás de nós seguiam caminhões, ônibus fretados da Polícia Militar (de Minas Gerais). Foi um deslocamento feito meio que no improviso”. A memória do hoje coronel da reserva do Exército Manoel Soriano Neto não decepciona, mesmo que já tenha se passado 50 anos desde o operação militar que derrubou o governo de João Goulart e deu início à ditadura brasileira em 31 de março de 1964. O “movimento de improviso” a que se refere é o deslocamento das tropas do General Olímpio Mourão Filho, da qual Soriano Neto fez parte, e que marcharam de Juiz de Fora, Minas Gerais, até o Rio de Janeiro, para depor o presidente Jango. Soriano Neto era oficial do 12º Regimento de Infantaria de Belo Horizonte quando foi convocado a participar do Destacamento Tiradentes, responsável por dar início ao golpe. Na época, tinha 22 anos, um ano a mais que a duração do regime que ajudou a instalar. Apesar da pouca idade, seria encarregado de comandar um batalhão de 35 colegas, “de 19 anos, por aí”. A ordem para se juntar às tropas, segundo ele, veio ao encontro a princípios que defendia, como o anticomunismo, e por isso vibrava. Imagem: general_muricy_marcha_juiz_arquivo Crédito: Arquivo Nacional Legenda: Reunião de comandantes que marcharam de Juiz de Fora para o Rio Ameaça A ameaça vermelha Nos três anos em que esteve no poder, de 1961 a 1964, João Goulart foi acusado de tentar implantar uma república sindicalista no Brasil, aos moldes soviéticos. Suas ideias consideradas de esquerda, como as reformas de base nos setores educacionais, agrários, fiscais e políticos, eram responsáveis pela "fama de comunista". Além disso, sua passagem como ministro do Trabalho, durante o governo de Getúlio Vargas, o acompanhava. Jango formulou o plano de aumento de 100% do salário mínimo, em 1954, o que contrariou grande parte da elite brasileira. Essa “ameaça comunista” quase não permitiu que Jango tomasse posse em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. Adversários políticos do vice-presidente João Goulart tentaram impedi-lo de tomar a presidência. Jango, com participação marcante do então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, reagiu com a Campanha da Legalidade (https://www.terra.com.br/noticias/infograficos/50-anos-da-renuncia-janio/). Acabou exercendo a liderança do País em regime parlamentarista até 1962, ano em que o sistema presidencialista é definitivamente escolhido. De acordo com o professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico, autor do livro “O Golpe de 64: momentos decisivos” - lançado neste ano pela editora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) -, não havia nenhuma evidência de que Jango implantaria uma república sindicalista. O plebiscito de 1962 fortaleceu o político, mas também teria desencadeado uma tentativa de desestabilização de seu governo por uma parcela dos empresários, dos militares, da imprensa, de adversários políticos e do governo dos Estados Unidos nos anos seguintes. Imagem: abraco_brizola_ocruzeiro_reproducao Crédito: Reprodução Legenda: A política dos cunhados Brizola e Jango era vista como ameaça comunista ao País COMÍCIOS Comícios de Jango viram estopim Uma das oposições mais fortes que Jango enfrentava era a do Congresso Nacional. Suas promessas de governo, entre elas as reformas de base, não eram aprovadas na casa. “Jango, então, adota uma estratégia ousada. Passa a fazer comícios pelo Brasil para pressionar o Congresso com a opinião pública”, conta o professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico. O primeiro acontece em 13 de março de 1964, na Praça da República, em frente à Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Nele, o presidente João Goulart e o então deputado federal Leonel Brizola discursaram para cerca de 150 mil pessoas sobre reformas urbanas e impostos sobre grandes fortunas, entre outros projetos. “Os discursos de Jango encheram de medo a elite conservadora civil e militar brasileira”, lembra Fico. Áudio do comício https://www.youtube.com/watch?v=32H235KirIo Em resposta ao comício, surgiu uma série de manifestações públicas das elites pelo Brasil. As Marchas da Família com Deus pela Liberdade, como eram chamadas, pregavam o anticomunismo e o apoio à intervenção militar na democracia. O segundo e último comício de João Goulart ocorreu em 30 de março, em reunião promovida pela Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar, na sede do Automóvel Clube do Brasil, também no Rio. A resposta foi uma marcha - mas, dessa vez, exclusivamente militar. Comandante do I Exército, o general Mourão Filho deu início ao golpe militar de 1964 ao deslocar suas tropas de Juiz de Fora, em Minas Gerais, para a cidade do Rio de Janeiro. Imagem: jango_comicio_arquivo_nacional Crédito: Arquivo Nacional Legenda: Jango e sua esposa, Maria Tereza, durante o Comício da Central, no Rio. data marcada Os militares marcam a data Na época da convocação, o oficial do 12º Regimento de Infantaria de Belo Horizonte Manoel Soriano Neto era solteiro. A família, que morava em sua cidade de origem, Fortaleza, não recebeu notícias suas nos dois dias de viagem do Destacamento Tiradentes até o Rio de Janeiro. Soriano Neto saberia depois: sua mãe passara ambos os dias sem dormir. O militar define a iniciativa como um ato de audácia. “Castello Branco (então chefe do Estado-Maior do Exército) achava que era prematuro o movimento. Não houve uma coordenação maior com o pessoal do Rio de Janeiro. O marechal queria que a operação fosse postergada. Seria o ideal”, relembra Soriano Neto. A conspiração, no entanto, se solidificou no encontro entre o general Olímpio Mourão Filho, o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, o marechal Odílio Denis e outras autoridades civis e militares, em 28 de março. Por sugestão de Denis, foi combinado que a derrubada do governo aconteceria em 31 de março e que Magalhães Pinto desligaria seu Estado da Federação, através de manifesto. “Essa ação tem ligação grande com a estratégia norte-americana, de acordo com o plano de contingência dos Estados Unidos, que previa que um grande Estado brasileiro se tornasse um governo alternativo ao de João Goulart”, ressalta o professor Carlos Fico. Segundo Soriano Neto, o caminho até o Rio foi tranquilo até chegar a cidade de Três Rio. À beira do rio Paraibuna, tropas militares governistas enviadas para conter o avanço dos golpistas e o Destacamento Tiradentes se encontraram. No entanto, apesar das ordens de ataque, não houve combate. Parte das tropas, inclusive, passou a marchar com o Destacamento. Marcharam unidas contra Jango. Imagem: posse_castello_branco Crédito: Reprodução Legenda: Castello Branco e a cúpula militar do País se uniram a políticos para conspirar contra Jango Rio As tropas chegam ao Rio O professor da Faculdade de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luiz Alberto Grijó entende que o Ministério da Guerra, comandado pelo general Assis Brasil, calculou mal a eficácia da operação. “Existiam setores militares simpáticos ao Jango, pelos seus termos políticos. Mesmo assim, não quer dizer que estavam dispostos a lutar contra o próprio Exército em favor disso. São coisas diferentes”, explica. O oficial da reserva Soriano Neto acredita que o sucesso do golpe dependia dessa indisposição. “Se enfrentássemos a 1ª Divisão de Infantaria do Rio de Janeiro, em Três Rios, seríamos massacrados. Só havia duas possibilidades: ou o banho de sangue, ou a rendição vergonhosa.” Para ele, ambas situações não ocorreram porque “as tropas que vieram barrar o movimento compartilhavam o espírito anticomunista e o Brasil estava na desordem, com situação econômica precária, greves quase diárias”. Esse contexto gerou adesão ao movimento, acredita Soriano Neto. Quanto a isso, o professor Grijó ressalta: nenhuma característica negativa do governo justifica um golpe de Estado. As tropas de Mourão Filho seguiram até o estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, sem outros impasses. Chegaram na tarde de 2 de abril. Para alívio da mãe do jovem oficial Soriano Neto. Para a infelicidade do presidente João Goulart. Imagens: soldadoparqueflamengo1964 e tanques_rio_1964 Crédito: Evandro Teixeira e arquivo nacional Legenda: Tropas do Exército avançaram sobre o Rio de Janeiro, centro político do País em 1964 Deposição Sem reação, Jango se exila no Uruguai Na noite de 31 de março, o telefone de João Goulart tocava. Na linha, esperava o general Amaury Kruel, Ministro da Guerra entre 1962 e 1963. Kruel aconselhou Jango a demitir seus ministros de esquerda. O presidente negou o pedido. Ainda que não estivesse disposto a ceder, Jango também não reagiu pela força. Em 1° de abril, decidiu deixar o Palácio das Laranjeiras, no Rio, e partir para Brasília. Cada vez mais sem apoio, o presidente viajou para Porto Alegre. Por fim, acompanhado por Assis Brasil, João Goulart se exilou no Uruguai. “(Leonel) Brizola, por ser mais radical, queria batalhar, mas dependia da autorização de João Goulart. Jango sempre manteve uma posição pacifista, de negociação entre esquerda e direita. Uma hipótese é de que o apoio dos Estados Unidos ao golpe, fato de que tomou conhecimento, tenha pesado na decisão”, relata o professor Carlos Fico. A operação naval Brother Sam foi desencadeada pelo americano no dia 31 de março em apoio ao levante militar brasileiro. Fico considera que um ataque aéreo de resistência podia “abrir brecha para negociações”. Contudo, também aponta que talvez Jango pretendesse repetir os gestos de Getúlio Vargas, quando o ditador gaúcho foi retirado do poder em 1945, com o fim do Estado Novo. “Ele era discípulo de Vargas. Pode ser que projetasse se exilar e concorrer em eleições novamente mais à frente”. O professor Grijó, por sua vez, pensa que, como presidente, Jango “não tenha conseguido articular forças em torno de si para enfrentar os militares” - o que é reiterado pela falha no dispositivo militar de Assis Brasil, grupo de militares de confiança nomeados pelo ministro da Guerra. Imagem: jango_discurso_rep Crédito: Legenda: Sem apoio popular, Jango não reagiu aos conspiradores e decidiu partir para o exílio Consolidação Congresso referenda golpe Sem a presença de João Goulart em Brasília, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, convocou a sessão no Congresso em que declararia vaga a presidência da República. Ainda que o chefe de gabinete civil, Darcy Ribeiro, portasse documento que dizia que Jango ainda estava em território brasileiro e, portanto, o cargo ainda estava ocupado. “O documento não foi considerado por Moura Andrade. Alegou que era inválido porque a comunicação não tinha sido feita pelo próprio presidente”, conta Fico. Após a sessão, os parlamentares se dirigiram ao Palácio do Planalto, onde, às 3 horas da madrugada de 2 de abril, empossaram o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli. O deputado não durou muito tempo no cargo. Em 15 de abril, teve de transmitir o cargo ao marechal Castello Branco, primeiro presidente militar do novo regime. Imagem: congresso_abril_64_arquivo Crédito: Arquivo Tancredo Neves Legenda: Congresso se reuniu no dia 1º de abril de 1964 e empossou o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli REGIME Anos de chumbo Cinco presidentes militares - e também 17 Atos Institucionais (AIs) - compuseram os 21 anos de governo ditatorial instalado a partir do golpe de Estado de 1964. Os Atos, decretados nos primeiros anos da ditadura, sustentaram o regime, calando oposições e possíveis rebeliões. O período ficou marcado pela censura à imprensa e liberdade de pensamento, pela extinção do pluripartidarismo, pelas cassações de mandatos e suspensões de direitos na esfera política, pelo amplo poder dado ao Executivo, pelas prisões arbitrárias, as torturas e mortes. O AI-5, considerado como o mais repressivo dos Atos Institucionais, inaugurou os “Anos de Chumbo” da ditadura militar brasileira, que só viriam a acabar em 1978, com a Lei da Anistia. O regime viveu seu auge de popularidade no início da década de 1970, sob comando de Emílio Garrastazu Médici (1969-74), com a conquista da terceira Copa do Mundo e o milagre econômico brasileiro. Entrou em decadência anos depois, resultando na abertura política “lenta, gradual e segura”, iniciada no governo de Ernesto Geisel (1974-79) e finalizada no de João Baptista Figueiredo (1979-85). O período democrático foi reinaugurado em 1985, com a posse do civil José Sarney, que recebeu a faixa destinada a Tancredo Neves, presidente eleito indiretamente e que morreu antes de tomar posse. O brasileiro, porém, só retornou às urnas para votar para presidente somente em 1989. Imagem: noitedosgenerais Crédito: Evandro Teixeira Legenda: Após a deposição de Jango, os militares prometeram um breve período de transição até o retorno da democracia. Demorou 21 anos para que o Brasil voltasse a ter um presidente civil. Quem é quem Clique na imagem e veja quem foram as personalidades envolvidas diretamente na reação dos militares: OLÍMPIO MOURÃO FILHO Mineiro de Diamantina, Olímpio Mourão Filho participou da repressão à Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo, movimento armado contrário a Getúlio Vargas e ao Governo Provisório. No mesmo ano, entrou para a Ação Integralista Brasileira (AIB), de inspiração fascista, motivado, segundo ele, pela invasão comunista no Exército. Elaborou o Plano Cohen, documento criado a serviço da AIB para fortalecer e legitimar as ideias do partido. Nele, Mourão Filho detalhou como aconteceria um suposto golpe comunista no Brasil. Tempos depois, o plano foi usado pelo governo de Vargas para implantar o Estado Novo, em 1937. Em 1961, Mourão Filho foi nomeado comandante do III Exército, na região Sul do País. De lá, foi transferido para o comando da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria do I Exército, ambas sediadas em Juiz de Fora (MG). Da cidade mineira deflagrou o golpe de Estado que retiraria João Goulart da presidência. No ano de implantação da ditadura, Mourão Filho assumiu o posto de ministro no Superior Tribunal Militar, se aposentando em 1969. Morreu em 28 de maio de 1972, no Rio de Janeiro. Imagem: mourao_filho_rep (cortar a foto, boneco do cara de capacete e cachimbo) Crédito: reprodução CASTELLO BRANCO Filho de militar, Humberto de Alencar Castello Branco nasceu em Fortaleza, em 1897. Foi no Colégio Militar de Porto Alegre que o primeiro presidente da ditadura iniciou sua carreira nas Forças Armadas. Ao contrário de Mourão Filho e Costa e Silva, Castello Branco não se envolveu na Revolução Constitucionalista de 1932. O oficial fez parte das tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1963, o militar foi convidado a assumir a chefia do Estado-Maior do Exército (EME), cargo que ocupava quando o golpe de Estado foi imposto a Jango. Onze dias antes do golpe, Castello Branco expediu um texto aos oficiais do EME e às organizações subordinadas. Nele, declarou que a Nação estava ameaçada pelas mobilizações do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e pela criação de uma constituinte para promover as reformas de base. Após a instalação do regime, Castello Branco foi escolhido como presidente. Ao encerrar o mandato, se retirou da política para lecionar na Escola Superior de Guerra. Morreu em um acidente aéreo, em 18 de julho de 1967. Imagem: posse_castello_branco Crédito: reprodução COSTA E SILVA Arthur da Costa e Silva nasceu em Taquari, no Rio Grande do Sul, em 1899. Sua educação passou pelo Colégio Militar de Porto Alegre, cujo curso concluiu como primeiro da turma, e pela Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro. Costa e Silva participou, ao lado dos governistas, da Revolução Constitucionalista em 1932, e manteve Vargas no poder. Em 1955, se manifestou a favor da posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart à presidência. Em 1964, porém, articulou o golpe de Estado sobre Jango a partir de São Paulo. No Estado paulista, deveria se aproximar do governador Ademar de Barros, que também apoiava a intervenção militar no governo. Compondo o Comando Supremo da Revolução, Costa e Silva dirigiu o País nos primeiros dias após o golpe - ainda que, teoricamente, o presidente fosse Ranieri Mazzilli. Nesse período, foi decretado o AI-1. No governo de Castello Branco, o militar ficou encarregado do Ministério da Guerra. Viria a assumir o poder em 1967. Vítima de trombose, Costa e Silva foi afastado da presidência, tendo como sucessor Médici. Sem ter se recuperado da enfermidade, morreu no Rio de Janeiro, em dezembro de 1969. Imagem: costa_e_silva_arquivo_nacional Crédito: reprodução JOÃO GOULART Gaúcho de São Borja, João Goulart, o Jango, teve como padrinho político o presidente Getúlio Vargas. Em 1951, Goulart se elegeu deputado federal pelo PTB e foi um dos articuladores da campanha de Vargas à presidência da República. Em 1953, foi chamado por Vargas para assumir o Ministério do Trabalho, onde recebeu críticas dos setores conservadores de que estimularia a luta de classes. Sua ação mais polêmica foi a formulação do plano de duplicação do salário mínimo (de 1.200 para 2.400 cruzeiros). Porém, se afastou do ministério em 1954, antes que o plano fosse posto em prática. Após o suicídio de Vargas, Jango se aliou ao candidato do Partido Social Democrático (PSD), Juscelino Kubitschek, na corrida presidencial de 1955, pela qual se tornou vice-presidente. Nas eleições de 1960, se reelegeu vice-presidente. A renúncia de Jânio Quadros daria início à crise da Legalidade de 1961. Apoiado pelo cunhado e governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, Jango consegue chegar ao Planalto. Sob alegação de que pretendia implantar uma república sindicalista no País, Jango foi derrubado do poder em 31 de março de 1964 a partir de um golpe de Estado. Sem reagir à movimentação das tropas militares, preferiu partir para o exílio. Morreu em 1976, em sua fazenda, na Argentina. Recentemente, a Comissão Nacional da Verdade exumou o corpo do ex-presidente para analisar as circunstâncias de sua morte. Ainda não foram divulgados os resultados. Imagem: 05_Jango Crédito: reprodução LEONEL BRIZOLA Gaúcho de Carazinho, Leonel de Moura Brizola nasceu em 1922. Com a redemocratização da política brasileira pós-Estado Novo, Brizola se aproximou do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1945, mostrando-se simpático às ideias de Vargas. Foi no PTB que o cunhado de João Goulart conquistou o primeiro cargo público: deputado estadual gaúcho em 1947. Posteriormente, exerceu os cargos de prefeito de Porto Alegre, governador do Rio Grande do Sul e deputado federal. Ao lado do então vice-presidente Jango, atuou como protagonista da Campanha da Legalidade de 61, que reivindicava a posse deste à presidência. Na ocasião, Brizola convocou civis a lutarem contra as forças oposicionistas que tentavam impedir a posse de Jango após a renúncia de Jânio Quadros. Em 1964, porém, apesar de seus esforços em novamente unir resistência civil-militar, Brizola viu Jango partir para o exílio sem reagir ao golpe de Estado - o que, por fim, também viria a fazer. Brizola retornou ao País com a implantação da Lei da Anistia de 1978. A partir disso, retomou sua escalada política, com a fundação do PDT. Foi duas vezes governador do Rio de Janeiro. Concorreu à presidência por duas vezes, em 1989 e 1994, e foi derrotado em ambas. Faleceu em 2004, aos 82 anos. Imagem: 06_Brizola Crédito: reprodução CARLOS LACERDA O carioca Carlos Frederico Werneck de Lacerda foi jornalista, vereador do Distrito Federal, deputado federal e governador da Guanabara (Estado brasileiro entre 1960 e 1975, no território do município do Rio de Janeiro), cargo que ocupava em 1964. Lacerda era conhecido por sua oposição aos setores políticos de esquerda, ainda que, em sua juventude, tenha se aproximado de organizações como a Federação da Juventude Comunista (do PCB) e a Aliança Nacional Libertadora. Anos depois, o político foi contrário aos governos de Vargas e Jango. Sua carreira política se consolidou no partido de direita UDN (União Democrática Nacional). Em 1964, Lacerda liderou a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, manifestação que envolveu setores conservadores da sociedade brasileira e impulsionou o golpe militar de 31 de março. Após o golpe, Lacerda se reuniu com Costa e Silva e apoiou a candidatura de Castello Branco à presidência da República. Por discordar com os rumos do regime militar e pela falta de perspectiva de concorrer nas eleições presidenciais, Lacerda passou a criticá-lo, o que culminou em sua prisão em 1968. De acordo com o historiador Carlos Fico, a participação de Lacerda no movimento não foi direta, mas o político teria servido de inspiração para a conspiração militar, por se tratar de um líder civil alinhado com as ideias dos golpistas. “Os militares não o mantiveram informado sobre detalhes ou datas da operação. Estavam temerosos em compartilhar essas informações com ele”, afirma. Imagem: 08_lacerda Crédito: reprodução RANIERI MAZZILLI Pascoal Ranieri Mazzilli nasceu em São Paulo e ocupou a presidência da República em meio a duas crises: em 1961, durante a Legalidade, e em 1964, após o golpe militar. A última nomeação aconteceu durante a madrugada de 2 de abril e foi usada para consolidar a queda de João Goulart do comando do País. De acordo com a Constituição, na ausência de presidente e vice-presidente, quem assumiria seria o presidente da Câmara dos Deputados, cargo que conquistou pelo Partido Social Democrático (PSD). Contudo, o historiador Carlos Fico relata que Mazzilli não exerceu o poder, o qual transferiu a Castello Branco, o primeiro ditador, em 15 de abril. Segundo Fico, a gerência executiva estava com o Comando Supremo da Revolução, criado pelo general Costa e Silva. “Mazzilli cumpriu vários mandatos, foi presidente da Câmara de Deputados. Mas não tinha nenhuma projeção política maior”, diz. Por fim, se afastou da política em 1966, após tentativa frustrada de reeleição. Imagem: 12_mazzili Crédito: reprodução MAGALHÃES PINTO O político mineiro José de Magalhães Pinto nasceu em Santo Antônio do Monte (MG) em 1909. No Estado mineiro, foi presidente de associações e federações do comércio. Fundou, em 1944, o Banco Nacional, que ganharia destaque entre os estabelecimentos bancários em pouco tempo. Seu primeiro cargo público foi de deputado federal para a Assembleia Nacional Constituinte de 1946, filiado à União Democrática Nacional (UDN). A partir disso, Magalhães Pinto foi Secretário de Finanças de Minas, presidente regional e nacional da UDN, conquistou a reeleição para deputado em 1950 e venceu as eleições para governador do Estado em 1960, derrotando Tancredo Neves. Nesse cargo, articulou o desencadeamento do golpe militar de 1964, junto a Mourão Filho e outras autoridades civis e militares. Durante o regime, no governo Costa e Silva, foi ministro de Relações Exteriores. Foi ainda senador de Minas Gerais e novamente deputado federal. Em 1985, o ex-governador de Minas Gerais foi acometido de dois derrames cerebrais que encerrariam sua atividade política. Morreu em 1996, no Rio de Janeiro. Imagem: Magalhaes_pinto_rep (cortar a foto, boneco do careca de óculos à esquerda) Crédito: reprodução Manchetes Veja como a imprensa abordou a ação militar que culminou na derrocada do governo João Goulart. Jornal do Brasil 1º de abril de 1964 S. Paulo adere a Minas e anuncia marcha ao Rio contra Goulart Imagem: capa_jb_64 Crédito: reprodução 2 de abril de 1964 Goulart resiste no Sul e o Congresso empossa Mazzilli Imagem: capa2_jb_64 Crédito: reprodução Folha de S. Paulo 1º de abril de 1964 II Exército domina o Vale do Paraíba Imagem: capa_folha_64 Crédito: reprodução 2 de abril de 1964 Congresso declara presidência vaga; Mazzilli assume Imagem: folha_capa_64 Crédito: reprodução O Globo 2 de abril de 1964 Empossado Mazzilli na presidência Imagem: o-globo-golpe-de-1964 Crédito: reprodução Última Hora 1º de abril de 1964 Sublevação em minas para depor Jango Imagem: 1-de-abril-de-64-UH Crédito: reprodução 2 de abril de 1964 Jango no Rio Grande e Mazzilli empossado Imagem: ultima_hora_64 Crédito: reprodução MINUTO A MINUTO O golpe Minuto a minuto A ação militar, com metralhadoras e tanques a postos, durou 55 horas entre os dias 31 de março e 2º de abril de 1964. A cada hora, a crise aumentava e o governo de Jango desmoronava. Veja a seguir a linha do tempo elaborado pela professora da Universidade Estácio Cátia Farias: 31/03/1964 0 h – O general Amauri Kruel, comandante do II Exército, adere ao golpe e ordena o deslocamento de suas tropas para o Rio. 7 h – O presidente João Goulart acorda no Palácio Laranjeiras, no Rio de Janeiro, assustado com as manchetes dos jornais pedindo sua deposição. Na noite anterior, em evento no Automóvel Club, fez um discurso – o último como presidente – em defesa das reformas de base, para uma plateia de sargentos, soldados e marinheiros. O general Olímpio Mourão comunica por telefone a Armando Falcão a notícia do golpe. 9 h – Recebe a notícia de que as tropas do general Olímpio Mourão Filho saiam de Juiz de Fora, Minas Gerais, para o Rio. Toma duas decisões: manda que o Regimento Sampaio e o Grupamento de Obuses se juntem ao 1º Batalhão de Caçadores de Petrópolis para deter os soldados de Mourão Filho; decide pela intervenção em Minas Gerais, onde o governador Magalhães Pinto articulava sua queda com militares golpistas. 10 h – Nas Laranjeiras, o deputado San Tiago Dantas, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Minas Gerais, seu amido, liga para Afonso Arinos, ministro de Magalhães Pinto, e houve dele que Minas iria resistir e declarar estado de beligerância, o que daria permissão ao governo mineiro de receber apoio político e militar dos Estados Unidos. Arinos diz ainda que uma frota naval estadunidense se encaminhava para o litoral paulista. Goulart desiste da intervenção em Minas. 1º/04/1964 7h 55 min. – O governador da Guanabara, Carlos Lacerda, recebe o manifesto dos generais, que iria ser lido após o hasteamento da Bandeira Nacional, às 8 horas, através da Rádio Inconfidência, de Minas Gerais. 8h 15 min. – Juracy Magalhães entra no Palácio Guanabara e conferencia com Lacerda. 10 h – Um emissário do general Justino Alves Bastos, comandante do IV Exército, leva um texto de renúncia para o governador de Pernambuco, Miguel Arraes, que se recusa a assinar. 10 h 45 min. – É a vez do presidente do Tribunal de Justiça, Dr. Vicente Faria Coelho, conferenciar com Lacerda. 11 h – João Goulart abandona o Palácio Laranjeiras, no Rio de Janeiro, segue para o aeroporto e embarca para Brasília. 13 h 15 min. – Chega ao Palácio Guanabara o Sr. Armando Falcão. 14 h – No Palácio do Planalto, Jango reúne-se com seus assessores Waldir Pires, consultor geral da República, e Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil, que o aconselham a ir para o Rio Grande do Sul e esperar. Redigem a última comunicação do governo Goulart endereçada ao Congresso, assinada por Darcy, informando que o presidente ia para o Sul. As rádios Mayrink Veiga e Nacional, controladas por forças pró Goulart, formando a “Rede da Legalidade” – chamando o povo a reagir aos insurretos –, saíram do ar; o Ministério da Marinha é tomado por um grupo de oficiais revoltosos, sendo detido o próprio ministro recém-nomeado por Jango; a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) é incendiada e o jornal Última Hora, janguista, é empastelado. 15 h – O general Justino Alves Bastos ordena a prisão do governador Miguel Arraes, que é levado para a ilha Fernando de Noronha. 16 h – Tanques do Exército que se encontravam no Palácio das Laranjeiras passam a guarnecer o palácio Guanabara. Carlos Lacerda exclama: “Graças a Deus! Deus está conosco!” Por volta das 17h – chega, na Academia Militar das Agulhas Negras a informação de que Jango havia abandonado o Palácio Laranjeiras e seguira para Brasília. Preocupado com a unidade do Exército, o general Morais Âncora, comandante do I Exército, desistiu de combater as tropas que vinham de Minas Gerais e de São Paulo. 19 h – Jango embarca para Porto Alegre. 23 h 50 min. – Depois de decidir por quarenta e cinco votos contra dezessete o impeachment de Arraes, toma posse o novo governador, Paulo Guerra. 02/04/1964 3h 45 min. – O senador Auro de Moura Andrade, presidente do Congresso, em apressada cerimônia no Palácio do Planalto, empossa o deputado Ranieri Mazzili como presidente da República, após uma tumultuada sessão na qual a presidência havia sido declarada vaga pelos congressistas, embora João Goulart ainda se encontrasse em território brasileiro. O golpe civil-militar está concluído. mais especiais de notícias