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Estados Unidos

Plano para fechar Guantánamo pode levar meses

13 jan 2009 - 14h21
(atualizado em 16/1/2009 às 16h43)
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O presidente eleito Barack Obama planeja promulgar uma ordem executiva em seu primeiro dia de mandato ordenando o fechamento do campo de detenção na baía de Guantánamo, disseram pessoas informadas sobre o assunto por membros da equipe de transição de Obama na segunda-feira.

Mas os especialistas dizem que é provável que o governo demore muitos meses, possivelmente até um ano, para esvaziar a prisão que vem recebendo críticas internacionais desde que recebeu seus primeiros detentos, sete anos atrás.

Um funcionário da equipe de transição afirmou que a expectativa do novo governo é de que um prazo de alguns meses seja necessário para transferir alguns dos 248 prisioneiros restantes a outros países, decidir como julgar os suspeitos e lidar com os diversos outros desafios judiciais que o fechamento de Guantánamo acarreta.

Pessoas que discutiram essas questões com membros da equipe de transição nas últimas semanas disseram que aparentemente as linhas gerais de um plano sobre como fechar o campo de detenção começam a ser definidas.

Elas afirmam que os membros da equipe de transição parecem tomar como compromisso a promulgação de uma ordem que suspenda imediatamente o sistema de comissões militares adotado pelo governo Bush para o julgamento dos detentos.

Além disso, pessoas que discutiram o assunto com membros da equipe de transição dizem que o novo governo parece determinado a conseguir a rejeição de um projeto de lei que autorizaria detenção por prazo indefinido no território dos Estados Unidos. O governo Bush insistia em que essa medida era necessária antes que Guantánamo pudesse ser fechada e alguns dos detentos transferidos aos Estados Unidos.

Obama afirmou repetidamente que deseja fechar o campo de detenção. Mas em entrevista à rede de TV ABC no domingo ele afirmou que o processo poderia ser demorado, dizendo que ¿é mais complicado do que muita gente parece imaginar¿. Obama declarou que conseguir um fechamento nos 100 primeiros dias de seu governo seria ¿um desafio¿.

O presidente eleito foi criticado por alguns grupos de defesa dos direitos humanos na segunda-feira, segundo os quais seus comentários pareciam indicar que o fechamento de Guantánamo não estava entre as prioridades do novo governo.

Mas mesmo que o campo de detenção continue em funcionamento por alguns meses, a decisão de tratar do assunto Guantánamo no dia posterior à posse parece ter sido tomada como forma de estabelecer uma distinção simbólica entre o novo governo e uma das mais controvertidas políticas da administração Bush.

Diversos especialistas em segurança nacional e em assuntos jurídicos argumentaram nas últimas semanas que Obama estava em situação política delicada, depois de assumir o compromisso de fechar Guantánamo.

Sarah Mendelson, autora de um relatório sobre as dificuldades que o fechamento do centro de detenção acarretaria, publicado pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, disse que as declarações de Obama no domingo pareciam ter por objetivo indicar a complexidade da tarefa, que segundo ela pode demorar um ano a ser concluída.

"Acredito que ele estivesse tentando administrar as expectativas quanto à demora envolvida em dividir os detentos remanescentes em duas categorias ¿os que serão libertados e os que serão processados", disse Mendelson.

Além de analisar os relatórios de inteligência e os documentos judiciais referentes a cada um dos detentos, especialistas em assuntos jurídicos e diplomáticos disseram que o novo governo precisará iniciar um novo e extenso esforço internacional para transferir até 150 dos prisioneiros restantes.

Portugal e outros países europeus recentemente puseram fim a um longo impasse diplomático ao afirmar que aceitariam trabalhar com o novo governo e estariam dispostos a receber alguns dos detentos que não podem ser repatriados aos seus países de origem devido a preocupações quanto ao tratamento que poderiam receber.

Um membro da equipe de transição, que pediu que seu nome não fosse revelado porque não está autorizado a discutir os planos publicamente, disse que os especialistas do governo farão seu anúncio principal sobre os planos quanto a Guantánamo na quarta-feira, um dia depois da posse.

Brooke Anderson, porta-voz da equipe de transição, se recusou a comentar sobre qualquer plano, declarando apenas que "o presidente eleito afirmou repetidamente acreditar que a estrutura judicial adotada em Guantánamo fracassou em processar terroristas de maneira rápida e bem sucedida, e que ele compartilha da crença comum a ambos os partidos de que Guantánamo deva ser fechada".

Ao formular sua política quanto a esse assunto nas últimas semanas, os membros da equipe de transição de Obama consultaram diversos especialistas em assuntos judiciais, de direitos humanos e em questões militares.

Diversos desses especialistas afirmam que a equipe de transição expressou grande interesse em alternativas ao sistema de comissões militares de julgamento, como por exemplo julgar os detentos na Justiça federal norte-americana, e que eles parecem ter se tornado mais e mais hostis a propostas como a pressão por uma lei que permita detenção por prazo indefinido.

Os especialistas afirmam igualmente que a equipe de transição estava intensamente concentrada em novos esforços internacionais que poderiam resultar na transferência de detentos a outros países.

Diversos deles disseram que os membros da equipe de transição pareciam preocupados com a possibilidade de que um projeto de lei que autorize detenção por prazo indefinido transfira ao novo governo boa parte das críticas que foram dirigidas à administração Bush quanto a Guantánamo.

Um ex-oficial das forças armadas que participou de uma série de sessões de informação à equipe de transição, em Washington, disse que os integrantes da equipe falaram sobre a proposta de detenção por prazo indefinido como se fosse a criação ¿de uma nova Guantánamo em algum outro lugar".

E isso representa o exato oposto do que deseja a equipe de Obama¿, disse o militar reformado, que insistiu em que seu nome não fosse revelado porque estava preocupado com a reação da equipe de transição a uma discussão pública de seus comentários.

Catherine Powell, professora associada de Direito na Universidade Fordham, disse que os integrantes da equipe de transição com quem se reuniu no mês passado pareciam mais interessados em demonstrar aos críticos internacionais que estavam retornando ao que vêem como valores jurídicos tradicionais dos Estados Unidos.

"Eles na verdade estão procurando por ferramentas que já tenhamos em uso em nosso sistema existente, de preferência a criar um sistema de detenção por prazo indefinido", declarou Powell.

Mark Denbeaux, professor de Direito na Universidade Seton Hall e um dos advogados mais conhecidos envolvidos na defesa dos detentos em Guantánamo, disse que, em uma reunião de que participou com membros da equipe de transição, os principais assessores de Obama pareciam decididos a suspender imediatamente o sistema de julgamento por comissões militares.

"Na opinião deles, o sistema é um completo fracasso", disse Denbeaux. O Departamento da Defesa estava levando adiante os planos de iniciar em 26 de janeiro o julgamento de um dos detentos mais notórios, o canadense Omar Khadr. O caso de Khadr atraiu ampla atenção em parte porque ele tinha 15 anos ao ser detido inicialmente, sob a acusação de ter matado um soldado norte-americano em um tiroteio no Afeganistão em 2002.

Alguns grupos de defesa dos direitos humanos se declararam alarmados na segunda-feira com o cronograma vago de Obama e com a falta de declarações específicas em sua entrevista de domingo. Eles disseram temer que o novo governo cedesse à pressão para mostrar sua dureza quanto ao terrorismo por meio de políticas severas de detenção.

"O problema está sempre nos detalhes", disse Anthony Romero, diretor executivo da União Americana pelas Liberdades Civis, que vem pressionando o novo governo por um compromisso público quanto ao fechamento imediato de Guantánamo.

Romero disse que suas preocupações haviam se agravado porque membros da equipe de transição já forneceram detalhes de seus planos para lidar com a crise econômica mas ainda não ofereceram qualquer detalhe sobre como Guantánamo será fechada, o que atraiu críticas de todo o mundo. ¿Da mesma maneira que precisamos de informações específicas sobre o pacote de recuperação econômica", disse Romero, "precisamos de informações específicas sobre o 'pacote de recuperação da Justiça'".

The New York Times
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