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Pesquisador: médicos devem ser mais atentos aos pacientes

27 abr 2010 - 08h36
(atualizado às 08h43)
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Há cerca de seis anos, meu médico me deu amostras de uma droga para tratar a dor de uma lesão. Eu as tomei por alguns dias, mas acordei uma manhã com uma grande bolha vermelha na língua. Nunca tinha tido nada parecido antes, e questionei se a culpa seria dos comprimidos. Eles não estavam ajudando muito, então parei de tomá-los. A bolha desapareceu. Mencionei o ocorrido na consulta seguinte com meu médico, mas ele disse que provavelmente tinha sido uma coincidência.

Não muito tempo depois, o medicamento, chamado Bextra, foi retirado do mercado dos Estados Unidos. Ele tinha sido associado a ataque cardíaco e também a uma condição perigosa chamada de síndrome de Stevens-Johnson ¿ que pode causar bolhas na boca, entre outros sintomas.

Não há como saber se o Bextra causou meu problema, mas parecia uma ideia razoável. Nunca entendi por que meu médico foi tão rápido em descartá-la.

O episódio me veio à mente quando li um artigo publicado em 11 de março no New England Journal of Medicine pelo Dr. Ethan Basch, oncologista que trata homens com câncer de próstata e realiza pesquisa no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York. Ele argumenta que médicos, pesquisadores, fabricantes de medicamentos e agências de regulamentação deveriam prestam mais atenção aos relatos de pacientes sobre seus sintomas enquanto eles tomam o remédio, pois essa informação pode ajudar a guiar o tratamento e a pesquisa, e revelar problemas de segurança.

Relatos diretos de pacientes são raramente usados em testes de aprovação de drogas ou testes clínicos, disse Basch. Quando os comentários dos pacientes são considerados, eles geralmente são filtrados por médicos e enfermeiros, que escrevem suas próprias impressões sobre o que os pacientes estão sentindo.

Além disso, ele escreve, médicos e enfermeiros "sistematicamente diminuem a gravidade dos sintomas apresentados por pacientes" e às vezes ignoram os efeitos colaterais. Um resultado são "eventos adversos evitáveis" - por exemplo, pensamentos suicidas em jovens que tomam antidepressivos ou constipação grave em pessoas que estão tomando remédio para a síndrome do intestino irritável, que poderiam ter sido detectados antes se os sintomas fossem sistematicamente monitorados.

Basch, 42 anos, contou ter se interessado pelo tema em 2003, quando compareceu a uma apresentação dos resultados de um estudo de uma nova droga contra o câncer. Os pesquisadores não consideraram a fadiga um grande problema, mas médicos na plateia disseram que seus pacientes tinham sofrido muito com a condição enquanto tomavam a droga, tanto que algumas pessoas tiveram de abandonar esse tratamento. De alguma forma, o estudo deixou passar completamente essa descoberta.

Intrigado, Basch começou a estudar pessoas que estavam passando por quimioterapia e a comparar relatos de sintomas de pacientes com os de médicos e enfermeiros. As diferenças eram bastante acentuadas. Em todos os problemas - fadiga, náusea, perda de apetite, diarreia, constipação - os pacientes os relatavam antes e com mais frequência do que os profissionais de saúde.

Por que isso acontece tanto? Não há uma resposta simples.

"Existe uma sensação entre alguns clínicos da velha guarda de que eles têm uma percepção melhor das experiências de seus pacientes do que os próprios pacientes", disse Basch. "Mas médicos e pacientes trazem sua parcialidade para a avaliação. Eles podem dizer 'A D. Maria sempre exagera sobre o cansaço - ela diz 9, mas eu classifico como nível 6'".

Três clínicos solicitados a classificar a náusea do mesmo paciente provavelmente irão fornecer três notas diferentes, ele disse.

A tendência de menosprezar os sintomas pode estar baseada no conhecimento do médico de que o paciente está no estágio inicial da doença e que pode piorar muito mais. Ou o médico pode estar fazendo comparações mentais com outros pacientes que estão mais doentes. "Você acha que sua náusea é grave, mas deveria ver o paciente que eu vi esta manhã", como colocou Basch.

Às vezes, ele disse, esse menosprezo pode refletir um desejo dos médicos, que podem achar que determinada droga ajudará os pacientes e não querem interromper o tratamento.

Outra razão, disse Basch, é que "vivemos numa sociedade litigiosa".Descrever um problema num prontuário cria um registro sobre o qual o médico pode ter que agir. "Pode haver uma falta de documentação defensiva", ele disse.

Mas continuou: "Cada vez mais, cientificamente, acreditamos que, independente do que a D. Maria disser, é o que ela está sentindo, e é importante saber como os próprios pacientes acham que estão se saindo".

Entretanto, a perspectiva do médico também é importante, ele disse. Basch sugeriu que os sintomas fossem classificados como filmes: são duas pontuações, uma do público e outra da crítica profissional. "Quero os dois", Basch disse.

Às vezes, a informação é perdida por completo, quando médicos e pacientes, distraídos por resultados de testes e planos de tratamento, esquecem de discutir sintomas. "É aí onde um check list ajudaria", ele disse.

Erros e distorções no relato de sintomas podem ser compilados em estudos, onde um pesquisador coleta a informação, outro a recupera do registro e a insere no estudo, e outros a avaliam. Os resultados podem ser como brincar de "telefone sem fio".

"Há diversos passos de transcrição e filtragem de informação", afirmou Basch. "Sabemos que há omissões e interpretações incorretas em cada um dos estágios da transmissão de dados. A informação se perde". Pacientes também podem dizer aos médicos uma coisa e então escrever outra em seus próprios relatos, disse Basch. A maioria diz que seus relatos escritos são mais próximos da realidade.

A ideia de não contar aos médicos toda a verdade me trouxe um pouco de culpa. Quando era mais jovem, recebi vacinas semanais contra a febre do feno que não me ajudaram muito. Mas eu continuava esperando que elas ajudassem. Além disso, o médico era muito gentil - então, sempre que ele perguntava se eu me sentia melhor, eu dizia que sim, embora passasse a maior parte dos meses de agosto e setembro espirrando como louca. Esta charada continuou durante anos. Será que eu teria sido mais honesta se tivesse um diário? Talvez.

A FDA (Food and Drug Administration) possui um sistema, o Medwatch, que permite a médicos e pacientes relatar problemas que eles acreditam serem eventos adversos das drogas que já estão no mercado. Porém, este é um sistema passivo que espera pelos relatos, em vez de entrevistar ativamente os pacientes. Muitas pessoas não o conhecem e ele não conseguiu abordar alguns eventos adversos importantes, disse Basch.

Uma abordagem melhor, ele diz, seria fazer com que um grande número de pacientes preenchesse questionários antes e depois da comercialização das drogas. Numa mensagem de e-mail, ele explicou: "Por exemplo, no cenário pós-comercialização, poderíamos pedir a 5 mil pacientes selecionados que estão começando a tomar o Bextra que façam relatórios mensalmente (você teria relatado a dor na boca sem saber se era ou não relevante, e isso seria associado a outros relatos)".

Se os pacientes fossem solicitados a relatar seus sintomas enquanto as drogas ainda estivessem em teste, ele acrescentou, os problemas poderiam ser detectados antes mesmo da aprovação da droga.

Coletar informações de pacientes custaria dinheiro, mas não tanto quando comparado ao custo geral de desenvolvimento e testes clínicos de drogas, disse Basch. Ele acrescentou que isso também representaria uma economia de recursos, ao evitar problemas potencialmente custosos. Basch afirmou ter ficado surpreso com o entusiasmo de empresas fabricantes de medicamentos em relação a sua pesquisa.

"Achávamos que isso não seria interessante para eles, pois estamos gerando mais efeitos adversos", ele disse. "Mas o tipo de dados é superior. Você detecta muitos sintomas básicos antes que as pessoas comecem a tomar a droga, assim pode entender o que provavelmente está relacionado à droga versus o que está relacionado à atrite do paciente ou o qualquer condição que ele tinha antes dos testes".

O desafio é criar pesquisas que foquem no que é relevante - e ofereça uma forma de descrever sintomas que os pesquisadores não previram. Basch está trabalhando nisso para o Instituto Nacional do Câncer. "Os pacientes têm muito a dizer", afirmou Basch. Só esperamos alguém que nos ouça.

The New York Times
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