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Pai cruza China há sete anos em busca de filho sequestrado

12 mar 2015 - 07h11
(atualizado às 07h11)
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Martin Patience

Foto: BBC Mundo / Copyright

BBC News, Chengde

Todos os anos, cerca de 20 mil crianças são sequestradas na China - e muitas delas acabam se transformando no principal produto de um mercado ilegal no qual bebês são abertamente vendidos pela internet, um crime com um impacto devastador na vida das vítimas e de seus pais.

Foi o que ocorreu com Xiao Chaohua, de 39 anos, alguns dias antes do Ano Novo chinês, em fevereiro de 2007. Ele estava trabalhando em sua pequena loja de roupas em uma zona industrial de Huizhou, no sul da China.

Mais cedo, ele tinha levado a família para uma praia próxima, onde seus filhos fizeram castelos de areia e brincaram no mar. "Tirei várias fotos deles com meu iPhone", relembra Chaohua.

Na viagem de moto na volta pra casa, Xiasong, de 5 anos, dormiu e perdeu um de seus sapatos. Quando sua mãe descobriu, deu uma bronca no marido e no filho pelo descuido.

Mas não havia tempo para discussão. A loja estava cheia de funcionários de fábricas próximas que compravam roupas novas para celebrar a chegada do novo ano.

Por volta das 19h, conforme a noite chegava, Xiaosong pediu dinheiro a seu pai para comprar seu lanche favorito em uma loja na esquina. Sua irmã, Xiao Lu, então com 10 anos, o acompanharia. Chaohua não se preocupou e deu alguns trocados ao menino.

Foi a última vez que ele viu seu filho.

Jornada

Chaohua percebeu que algo estava errado quando sua filha voltou sozinha. As duas crianças haviam se separado quando a menina foi falar com uma amiga.

Ele começou procurar por Xiaosong imediatamente. Primeiro, foi até à loja da esquina, depois a uma lan house, mas não o encontrou e chamou a polícia.

Chaohua diz que os policiais disseram que não adiantaria procurar por seu filho, porque ele provavelmente havia sido sequestrado e levado para outra cidade. Mas Chaohua estava irredutível.

Algumas horas depois, ele encontrou um homem que havia sido visto em um fliperama brincando com Xiaosong. O homem foi levado para a delegacia para ser interrogado, mas acabou liberado por falta de provas contra ele. Depois, o homem desapareceu.

Na primeira semana após o sumiço de seu filho, Chaohua colocou um anúncio na TV local por US$ 8 mil (R$ 24 mil). Não obteve respostas e continuou a procura. Dias transformaram-se em semanas, semanas transformaram-se em meses, e meses transformaram-se em anos.

"Eu não fazia mais planos. Enlouqueci", diz Chaohua.

No primeiro ano, ele cruzou a província de Guangdong com sua motocicleta, colocando cartazes, com a foto de seu filho e um aviso de que havia uma recompensa por informações sobre o menino, em terminais de ônibus, estações de trem e shoppings.

Chaohua acabou vendendo sua loja e, com o dinheiro, comprou uma van. Sua mulher conseguiu um emprego em uma fábrica de sapatos, e sua filha foi enviada de volta à cidade natal da família, na província de Jiangxi, para ficar sob os cuidados de um de seus avós.

Foi quando Chaohua começou sua jornada ao redor do país. Ele viajou do planalto tibetano às megalópoles chinesas, passando pelas incontáveis pequenas cidades que encontrava nas estradas empoeiradas. Sua busca por Xiaosong o levou a lugares que ele sequer imaginava existirem.

Agonia

Milhares de pais chineses passam pela mesma agonia de Chaohua todos os anos. O governo do país não divulga dados oficiais, mas o Departamento de Estado americano estima que 20 mil crianças são sequestradas todos os anos no país, ou 400 por semana.

A mídia estatal chinesa já sugeriu que este número pode chegar a 200 mil por ano, apesar da polícia rejeitar esta estimativa.

Um bebê do sexo masculino por ser vendido por até US$ 16 mil, segundo relatos, o dobro do valor cobrado por uma menina, porque há uma preferência por meninos na cultura chinesa, já que eles carregam o nome da família e ajudam financeiramente seus pais quando ficam mais velhos.

Uma vez sequestradas, as crianças são vendidas para adoção, mas algumas são forçadas a trabalhar como pedintes para gangues. A maioria delas simplesmente desaparece para sempre.

O tráfico de crianças ganhou destaque na China pela primeira vez há 12 anos, quando a polícia da província de Guangxi descobriu 28 bebês em um ônibus. Eles tinham sido medicados para ficarem quietos e depois colocados em bolsas de nylon. Um deles morreu por asfixia. Os traficantes foram presos, e seus líderes foram sentenciados à morte.

Mas, à medida que as autoridades aumentaram nos últimos anos seus esforços de combate a este crime, traficantes de crianças sofisticaram suas práticas. Grande parte desta atividade criminosa agora ocorre na internet.

De acordo com a agência de notícias estatal Xinhua, quatro quadrilhas foram descobertas pela polícia em fevereiro do ano passado oferecendo "adoções não-oficiais" como fachada para vender bebês por meio de sites e fóruns online. A operação levou a 1.094 prisões e ao resgate de 382 bebês.

Ainda existem hoje em dia sinais preocupantes deste comércio de crianças na internet. Um post que encontrei vendia uma "menina saudável de 8 meses" por uma "taxa de criação" de US$ 32 mil. E dizia: "Não me incomode se o propósito de seu contato não for sério".

Em Sichuan, várias quadrilhas de sequestro de bebês foram desbaratadas

Escrevi para o anunciante por meio de um mensageiro instantâneo. Era uma mulher, que me disse ser uma mãe solteira com três filhas – uma menina de 3 anos e gêmeas de oito meses de idade. Ela afirmou não ter condições de criá-las por conta própria e que, por isso, estava vendendo uma das gêmeas.

"Apesar disso partir meu coração, quero que ela tenha uma vida melhor", a mulher escreveu.

Ela me mandou, então, uma foto. As gêmeas estavam sentadas em uma cama, vestidas com roupas de bebê azul claro. Sorriam e pareciam estar bem cuidadas. Para provar que não se tratava de um truque, pedi para fazer uma ligação por vídeo. Ela concordou.

Em um quarto escuro, ela segurava a bebê diante da câmera. Alheia ao fato de que estava sendo colocada à venda, ela começou a chorar. Por um momento, pude ver metade do rosto da mulher.

Encerrei a ligação e depois contei o que havia acontecido às autoridades, mas não obtive resposta. É impossível saber se ela de fato estava vendendo uma da próprias filhas, como afirmava, ou se era uma traficante.

Parece ser bem comum que pais vendam seus filhos pouco depois deles nascerem. Com uma câmera escondida, a BBC fez uma filmagem em um hospital, na qual uma médica disse que bebês eram frequentemente vendidos para adoção.

"Há muitos bebês não-planejados", ela disse. "Contanto que sejam as famílias que estejam fazendo este acordo e que ele seja fechado logo após o nascimento, ninguém precisa saber."

As rígidas regras de planejamento familiar da China limitam cada família a um único filho e preveem multas caso os pais tenham mais. Ainda há famílias que têm meninas, mas prefeririam ter um menino.

Crianças que tenham sido vendidas por seus pais podem passar a vida sentindo-se rejeitadas. Zhang Qingqing, de 23 anos, me disse que ela buscava desesperadamente conhecer seus pais biológicos para ao menos perguntar a eles por que eles haviam a vendido pelo equivalente a R$ 470.

Por anos, ela odiou seus pais adotivos. Apenas recentemente começou a ter simpatia por seu pai, que havia ficado viúvo duas vezes.

Distância no olhar

Há alguns meses, quase oito anos depois de seu filho desaparecer, Chaohua chegou a Chengde, cidade famosa por seus templos budistas. A quatro horas de distância de Pequim, Chengde já foi um balneário de verão para imperadores chineses – um local onde eles podiam fugir do calor escaldante da capital.

Chaohua estacionou sua van em uma escola de ensino médio local. O veículo estava repleto de fotos de crianças que haviam sido sequestradas, inclusive uma de Xiaosong, em que ele aparecia de camisa polo azul e amarela.

"Ele é um menino fofo e obediente", diz Chaohua. "Não era como outras crianças, que sempre choram ou são travessas. Quando me pediu dinheiro para comprar um lanche, brinquei com ele: 'Quando você me devolverá o dinheiro?'. Ele respondeu: 'Quando eu crescer. Vou comprar um bom carro pra você – um BMW ou um Mercedes'."

Chaohua é educado e cortês. Mas há uma distância em seu olhar quando alguém fala com ele. Seus olhos parecem não ter vida – um sinal do peso que ele carrega.

Ele está em Chengde para dar uma palestra sobre tráfico de crianças para um grupo de cerca de 40 estudantes. Enquanto ele espera, centenas de alunos saem para uma corrida matinal em meio a um frio congelante – Chaohua não consegue deixar de pensar em seu filho, que teria uma idade parecida com a destes estudantes.

Mais tarde, ele conta aos alunos que ele chegou a buscar por seu filho entre eles. Depois, passa um vídeo sobre tráfico e canta: "Bebê, onde está você. Perdi você naquele dia... Passarei a vida tentando te encontrar". Uma mulher na plateia começa a chorar.

Chaohua hoje trabalha para uma organização de combate ao tráfico de crianças, a Fundação Suishou, que ajuda pais a encontrar seus filhos desaparecidos ao colocar fotos de crianças pedintes na internet.

A organização obteve um grande êxito: um menino de 2 anos que havia sido sequestrado para adoção e rejeitado pelos compradores por ter asma. O traficante abandonou-o em um ônibus, e o garoto foi levado para um orfanato, onde um funcionário o reconheceu pelas fotos colocadas na internet. O menino acabou sendo devolvido à mãe.

Apesar da Justiça chinesa já lidar de maneira firme com traficantes, Chaohua pleiteia penas mais duras para as pessoas que compram crianças. Atualmente, elas podem ser presas por três anos, mas especialistas afirmam que a maioria dos compradores nunca é indiciada. Até que a lei mude, Chaohua acredita que este mercado negro continuará a prosperar.

Ele já viajou dezenas de milhares de quilômetros, mas diz que sua jornada só terminará quando ele morrer ou encontrar seu filho.

"Costumava ter pesadelos com Xiaosong, em que ele diz: 'Papai, você não quer me encontrar'. Acordava coberto por suor", ele diz.

"Agora, sonho comigo encontrando meu filho e com nós dois felizes."

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